Após ser premiado nos concursos públicos para a Revitalização dos largos do Pelourinho, em Salvador, e para a construção da Universidade Campus Cabral, em Curitiba, o Studio Arthur Casas acaba de vencer o terceiro concurso do qual participa: o novo Centro Administrativo do Governo do Estado do Maranhão.
O resultado foi divulgado no dia 15/07/2013, em solenidade pública, no auditório da Secretaria de Gestão e Previdência do Maranhão - SEGEP, no 4º andar do Ed. Clodomir Millet, em São Luis, capital do estado o Maranhão. Segundo a Ata de Julgamento, “o projeto classificado em primeiro lugar destaca-se pela adoção de um partido arquitetônico consistente, que confere ao Complexo Administrativo do Estado do Maranhão grande representatividade e, sobretudo, expressivo valor simbólico. A proposta revela, com propriedade, o caráter institucional público indispensável à natureza do complexo do CAE. Sugere, ademais, a articulação dos edifícios por meio da criação de uma praça cívica que configura o espaço gregário delimitado, no seu embasamento, por uma peça arquitetônica que define a modenatura do conjunto e presta-se, igualmente, como um elemento de transição entre as áreas interna e externas do CAE”.
Para a equipe do projeto, vencer um concurso é sempre muito gratificante, “concorremos com profissionais muito experientes e qualificados e conquistar o primeiro prêmio é uma honra; é a consolidação de nosso trabalho”. Por mais confiantes e satisfeitos com o resultado do projeto, a vitória é sempre inesperada, ainda mais em uma sequência de vitórias. “É inacreditável”. Nessa etapa, a avaliação dos pontos mais fortes é sempre necessária. Para eles, a principal característica do projeto está em sua implantação. “A ‘placa’ que surge – encastrada no terreno, interligando as diversas cotas do complexo e gerando espaços públicos –, cria uma unidade ao projeto”. Fora isso, trazer uma identidade e um simbolismo para um prédio que deve ser emblemático e não tinha referência alguma, foi fundamental.
Formada por sete pessoas, a equipe afirma que o resultado só foi possível pela coletividade. “A minha ideia pode ser boa, a sua ideia pode ser boa, mas existe uma ideia melhor que é a nossa. Devemos sempre nos questionar se o que estamos idealizando é realmente a melhor solução para o projeto e conseguir chegar a um consenso”, comenta um dos integrantes.
Contexto
O projeto de um edifício é sempre resultado de uma reflexão a respeito da identidade de uma cidade por meio das relações que se estabelecem entre arquitetura, paisagem e comunidade. A tarefa que se coloca para a requalificação espacial do Centro Administrativo do Governo do Estado do Maranhão é a concepção de um novo modelo de ocupação do solo, que promova significativa melhora na realidade de São Luís e que, concomitantemente, fomente o subconsciente simbólico de seus habitantes.
O município se divide em dois polos antagônicos e fisicamente separados pelo Rio Anil. De um lado encontramos o belíssimo, porém abandonado centro histórico, tombado pelo IPHAN e patrimônio da humanidade. Do outro, junto à faixa litorânea, a cidade nova, caracterizada pelo paredão de torres habitacionais onde mora a parcela mais abastada da população. Em uma região estratégica da cidade, no exato ponto de convergência de duas grandes avenidas – as principais conexões viárias entre essas centralidades – encontra-se a área de intervenção.
A ocupação atual do sítio é o retrato de um urbanismo predatório e falido. O terreno, originalmente uma área de mangue, foi transformado num tapete ininterrupto de asfalto. A percepção dessa superfície não edificada é inequívoca: trata-se de um espaço árido, que não se articula com o entorno e, definitivamente, não pertence ao pedestre. O conjunto construído se apresenta para a cidade como uma massa disforme e caótica. Toda a infraestrutura é decadente e sua ocupação interna beira a insalubridade.
De modo a reverter o quadro atual apresentamos aqui um amplo plano de estruturação do território que visa, antes de tudo, a integração do complexo com a trama urbana adjacente assim como a construção de uma identidade que reflita o caráter publico das instituições que abriga.
A Construção do Espaço Público
A necessidade de manter as edificações existentes e, consequentemente, sua implantação ilógica pautaram, desde o inicio, a definição do partido arquitetônico. Propor um desenho que ao mesmo tempo conectasse o conjunto edificado e gerasse vazios, em harmonia com as pré-existências, foi o desafio que nos colocamos.
O terreno encontrado, um chão dominado pelo sistema viário caótico, foi totalmente descaracterizado no passado, deixando-nos livre para explorar o desenho de uma nova topografia, potencializando as ligações com o entorno, ocultando estacionamentos e contrariando a lógica da ocupação original. O terreno torna-se, assim, um plano flexível, um espaço de articulação entre a cidade e a natureza urbana.
O elemento estruturador do conjunto, um embasamento de concreto encastrado no terreno, completa a nova geografia construída, duplicando o solo urbano e estabelecendo ligações com as duas frentes urbanas adjacentes: a Avenida Jerônimo de Albuquerque e a Avenida Euclides Figueiredo.
O térreo superior, em continuidade com a rua, amplia e transfere para dentro do lote os passeios públicos. Essa diluição de fronteiras entre o publico e privado permite com que o pedestre transite fluidamente entre a escala metropolitana e a escala local.
O térreo inferior, um desdobramento do primeiro, concentra e distribui fluxos, determina acessos e racionaliza o sistema viário. Um estacionamento semienterrado foi projetado no limite do lote aproveitando a diferença de cotas entre as vias e o terreno. Este gesto esconde a presença do carro limitando-o a um percurso periférico e desnivelado, mantendo um acesso direto a qualquer um dos três edifícios existentes. Assume-se este volume arquitetônico como parte do terreno, como uma curva de nível artificial, um elemento de natureza construída.
O artefato proposto é, ao mesmo tempo, o principal elemento de ligação entre os prédios existentes e o suporte para um novo edifício. Seu negativo se configura numa sequencia de praças sombreadas que se articulam, ao longo de um eixo longitudinal. É o principal ponto de convergência do complexo.
Os acessos podem ser feitos em nível por frestas na topografia, por uma escadaria na parte sul do terreno ou por uma cota mais baixa por debaixo do embasamento – a entrada mais solene.
A ênfase do desenho urbano aqui é clara: buscamos aumentar drasticamente a permeabilidade do solo, favorecer a continuidade e diversidade de percursos e segregar o automóvel do convívio do pedestre.
A nova edificação proposta, um prisma monolítico horizontal pousado sobre o embasamento de concreto, arremata longitudinalmente o conjunto, criando uma nova frente de diálogo entre a massa construída e a mata adjacente.
As grandes áreas de convivência, do programa de necessidades, são escavadas no embasamento, originando generosos vazios que revelam uma inusitada materialidade contrastante a do concreto. O auditório, completamente forrado de madeira, agrega calor e conforto ao conjunto; a biblioteca desvenda uma textura formada pelos livros embutidos numa estante; e, finalmente, o restaurante, revestido de azulejos nas paredes e no piso, é uma referencia à memória desses elementos tão presentes nos centros históricos brasileiros, em especial, no de São Luís.
O desdobramento de cotas possibilita o acesso a esses espaços tanto pelo térreo inferior como pelo superior. Um enorme vão livre, com vista para as praças internas e para a mata, é o espaço ideal para eventos, propiciando o encontro dos usuários abrigados das intempéries. O teto desse espaço, também forrado de azulejo branco, contém uma comunicação visual inesperada, indicando os programas e acessos de forma a incutir curiosidade nos usuários e levando-os a percorrer os espaços.
Já os planos de trabalho se dividem pelos três pavimentos da edificação. Propõe-se uma ocupação livre e flexível do espaço para as secretarias nos dois primeiros pavimentos e para o último, o mais nobre e com pé direito mais alto, destina-se a governadoria, vice-governadoria e casa civil. Na cobertura, implantou-se o heliponto.
Procurou-se encontrar equilíbrio entre transparência e proteção térmica. Propomos, assim, uma sequencia de brises verticais em concreto pré-moldado que protegem as superfícies envidraçadas. A solução não só responde a nossos anseios quanto à proteção térmica como unifica a materialidade do volume suspenso com sua base.
Um vazio vertical une visualmente todos os pavimentos, sendo possível vislumbrar através do espaço de exposições as áreas de trabalho dos pisos superiores.
Recuperar o existente
As edificações existentes possuem o mesmo padrão construtivo e, consequentemente, as mesmas patologias. Esquematicamente, todas se desenvolvem a partir de uma estrutura principal, composta de um grid de vigas e pilares metálicos, pontuadas por blocos de circulação – uma estrutura secundaria completamente independente. Para nós, o grande problema dessas construções reside na articulação equivocada entre os blocos de circulação e os planos de trabalho.
O procedimento proposto é o mesmo para os três prédios e pode ser enumerado nos seguintes itens:
- desmontagem de toda a estrutura secundária para futura atualização;
- remoção do revestimento externo para abrir os planos de trabalho para a visualização do entorno;
- correção da geometria;
- acréscimo de uma nova estrutura remodelada nas laterais do edifício para concentrar as circulações e toda a infraestrutura;
- recuo das esquadrias para criar beirais que, associados a um novo revestimento em madeira ecológica, irá filtrar a luz, proteger as fachadas de insolação excessiva e atender a legislação de incêndio.
O pavimento tipo resultante é extremamente flexível e poderá ser ocupado por uma ou duas secretarias.
Sistema construtivo
O sistema construtivo adotado buscou conciliar necessidades de redução de custos, rapidez de execução e flexibilidade máxima para os planos de trabalho. Para tanto, toda a estrutura, forros e elementos de vedação foram modulados a partir de múltiplos de 1,25 m. A estrutura periférica da nova edificação elimina completamente a interferência de pilares dos planos de trabalho, permitindo futuras atualizações de layout prolongando, assim, a sua vida útil. As redes de infraestrutura e lógica distribuem-se por forros, pisos e shafts. Duas prumadas do conjunto de elevadores e escadas fazem a integração vertical do edifício dividindo as áreas de trabalho em três grandes planos livres.
O embasamento de concreto se estrutura a partir de uma criteriosa locação de pilares, favorecendo a disposição de vagas de estacionamento e dos demais espaços internos.
Eco eficiência
Na elaboração do projeto aplicamos princípios básicos de arquitetura bioclimática e eficiência energética. A análise do clima da região foi o ponto de partida para toda a estratégia de gestão ambiental. As ações foram elencadas nos seguintes tópicos:
- uso de brises e beirais para proteger as fachadas de insolação excessiva e preservar os planos de trabalho de luz direta;
- amplo uso de iluminação natural indireta;
- uso águas pluviais captadas pelas coberturas e direcionadas a cisternas de armazenamento para reutilização posterior na irrigação e em vasos sanitários (águas cinza);
- uso de cobertura verde para melhor desempenho térmico da edificação;
- uso de ventilação natural para criar sistema misto de esfriamento que reduz a utilização de ar condicionado;
- criação, na cobertura, de plataformas de suporte para painéis fotovoltaicos e solares para suprir uma parcela expressiva do consumo de energia das edificações;
- modulação e uso de componentes industrializados para racionalização da obra e redução do desperdício de materiais;
- escolha de materiais de acordo com seu ciclo de vida e facilidade de manutenção;
- criação de amplas áreas de reflorestamento para o aumento da permeabilidade do solo e da biodiversidade local.
ficha técnica
Studio Arthur Casas
Autor
Arthur Casas
Co-Autores
Gabriel Ranieri, Joana Garcia de Oliveira, Luís Eduardo Loiola, Nara Telles, Pedro Ribeiro, Rodrigo Tamburus
Colaboradores
Daniela Diniz, Eduardo Mikowski De Vita, Mariana Santoro
Texto
Luiza Costa