O Sarah Brasília, no decorrer de vinte anos de funcionamento, absorveu sem maiores dificuldades as inovações introduzidas nos diversos tipos de tratamento. Isto se deve, sobretudo, às características adotadas no projeto que viabilizam a extensibilidade e flexibilidade de todos os setores. Ocorre, entretanto, que o conjunto de edifícios interligados que formam o hospital foi implantado em lote relativamente pequeno, em uma zona de grande adensamento urbano.
Em consequência, não havia disponibilidade de áreas verdes adjacentes para desenvolvimento de terapias de reabilitação ao ar livre, como ocorre nos hospitais de Fortaleza e de Salvador. Também não havia mais áreas disponíveis para a expansão das atividades de pesquisas direcionadas, particularmente para o campo da neurologia. Assim, a direção da Associação das Pioneiras Sociais decidiu criar uma nova unidade de reabilitação em Brasília, localizada em área ampla e aprazível na beira do lago, que possibilitasse a exploração de terapias ao ar livre, inclusive as ligadas a atividades náuticas, mas que, principalmente, fosse dotada de uma significativa estrutura de apoio à pesquisa e ao treinamento.
Programa
O programa estabelecido para essa unidade abrangia os seguintes usos: ambulatório pequeno, destinado à avaliação e ao controle de paciente em tratamento; setor de imagem; laboratório de movimento; laboratório e oficina mecânica para o desenvolvimento de equipamentos; amplo ginásio para fisioterapia, hidroterapia e esportes náuticos; Setor de Apoio ao Lesado Cerebral; internação para 180 leitos e instalações específicas para pacientes-dia (semi-internação); instalações para sessenta acompanhantes; centro de estudos com biblioteca; auditório para trezentos lugares; residência para vinte professores visitantes; centro de readaptação e desenvolvimento de habilidades com oficinas para atividades profissionais; setor de serviços gerais com lavanderia, cozinha, refeitório, central de materiais, almoxarifados, farmácia, setor de limpeza etc.; e anfiteatro ao ar livre para trezentos espectadores.
Implantação
O terreno, com declividade acentuada de mais de 20 metros, foi modelado formando uma sequência de plataformas interligadas por taludes ajardinados e por rampas suaves para pedestres, garantindo uma vista magnífica do lago à maioria dos ambientes do hospital. As destinações e respectivos níveis referidos à cota zero do lago de Brasília são as seguintes: galpão para esportes náuticos na cota 0,80m; ambulatório, setores de tratamento, fisioterapia, hidroterapia, laboratório para produção de equipamentos, internação, administração, vestiários e serviços gerais na cota 4,60m; reabilitação infantil na cota 10,70m; e, na cota 18,20m, centro de estudos, auditório, residência e centro de habilidades.
No ginásio estão localizados três setores distintos de reabilitação: hidroterapia, fisioterapia e quadra de esportes. A espera da fisioterapia está separada da circulação principal por um painel vasado em elementos verticais de aglomerado de madeira, de autoria do artista plástico Athos Bulcão. A fisioterapia para adultos é constituída de uma sequência de salões justapostos separados entre si por armários ou divisórias desmontáveis. O setor de hidroterapia possui três piscinas com água aquecida: duas internas, com 1,30 metros de profundidade; e uma externa com 90 centímetros, destinada à terapia e ao lazer dos pacientes. As vigas da cobertura, a cada 3,75 metros, vencem o vão de 25 metros e seu desenho forma uma grande abertura central ao longo de todo o edifício, destinada à iluminação e ventilação dos ambientes.
O auditório para quatrocentos lugares possui duas plataformas laterais niveladas destinadas a receber eventualmente pacientes em cadeiras de roda ou em camas-maca.
Nas áreas externas, ambientes ajardinados se integram ao acesso principal e à espera do ambulatório. O setor de apoio ao anfiteatro ao ar livre tem duas grandes marquises simétricas: uma do lado da via, que protege o embarque e desembarque de pacientes; e outra ao lado do anfiteatro, que abriga a área externa de uma pequena lanchonete e o acesso às instalações sanitárias. O playground está localizado próximo do centro de reabilitação infantil e é utilizado como área de fisioterapia ou para o lazer de crianças acompanhantes.
Conforto ambiental e industrialização
Não foi adotado nesse centro o mesmo sistema de ventilação adotado nos hospitais do Nordeste porque o centro é muito pouco compartimentado devido às próprias características da maioria de suas áreas de tratamento – sempre ligadas ao exterior e constituídas de grandes ginásios com espaços amplos e pés-direitos altos. Além disso, não há nesse centro a mesma concentração de instalações presentes nos hospitais, o que determinaria a necessidade de uma rede de galerias no subsolo, e que, nesse caso, seria criada exclusivamente para o sistema de ventilação. Por esse motivo, nesse projeto adotou-se um sistema bem mais simples de ventilação natural, em que o ar penetra nos ambientes pelas portas de correr – que dão para o exterior sempre protegidas por varandas – e é extraído pelas aberturas dos sheds, cujo arcabouço metálico é semelhante ao adotado no hospital de Salvador.
Em um dos extremos do galpão do setor náutico foi criada uma enseada artificial no lago com uma profundidade média de um metro. Nesse local os pacientes podem ser iniciados no exercício em embarcações do tipo caiaque. A estrutura principal do galpão é constituída de arcos metálicos a cada 3,75 metros vencendo o vão de 28,75 metros. Tal como no galpão da fisioterapia, os arcos foram divididos em duas seções para maior facilidade de transporte. As duas seções foram apoiadas em escoramento central durante a montagem, e a ligação entre ambas no local foi executada por solda.
Embora o anteprojeto desse centro tenha sido concebido em 1994, cinco anos antes do início da construção, a obra apresenta um bom nível de industrialização, graças ao ajuste entre o potencial tecnológico do CTRS e o desenvolvimento do projeto, sob a responsabilidade da arquiteta Ana Amélia Monteiro; à sincronização da produção com a montagem liderada pela arquiteta Adriana Rabello Filgueiras Lima; e ao rigor no detalhamento das estruturas desenvolvidas pelo engenheiro Roberto Vitorino, sobretudo naquelas destinadas aos grandes vãos do conjunto da fisioterapia, do Centro de Apoio à Paralisia Cerebral e do setor de esportes náuticos.
A cobertura do Centro de Apoio à Paralisia Cerebral tem 54 metros de diâmetro de vão livre e é revestida com chapas de alumínio pré-pintado moldadas nas oficinas do CTRS. No círculo central, com 20 metros de diâmetro, esta é constituída de uma grande claraboia de policarbonato transparente, em cuja projeção foi criado um espaço ajardinado integrado aos ambientes de terapia. O ar penetra através das esquadrias de vidro do perímetro externo e, quando sobe por convecção após ser aquecido pelo ambiente, é extraído por um grande exaustor localizado no anel central, no vértice da cobertura.
A estrutura é constituída de 64 vigas em treliça metálica, dispostas no sentido radial, engastadas em um anel central superior também metálico e apoiadas sobre rótulas em um anel de concreto armado na projeção do perímetro externo do edifício. O anel metálico central permaneceu escorado durante toda a operação de montagem.
A área central, destinada aos jogos e terapias coletivas, foi concebida como uma área de integração das atividades de apoio, que se realizam nas salas periféricas. Essas duas áreas são separadas por um painel criado pelo artista plástico Athos Balcão, constituído de painéis pivotantes metálicos pintados de branco em cuja superfície foram incorporadas figuras geométricas coloridas.
nota
O presente texto corresponde a um capítulo do seguinte livro: LIMA, João Filgueiras (Lelé). Arquitetura. Uma experiência na área da saúde. São Paulo, Romano Guerra, 2012, p. 212-239.
sobre o autor
João Filgueiras Lima, Lelé, é o arquiteto brasileiro com maior experiência com a pré-fabricação de edificações em suas várias modalidades (concreto pré-moldado, argamassa armada e ferro-cimento). É autor de projetos paradigmáticos, como o Hospital de Taguatinga, o Centro Administrativo da Bahia e diversos hospitais da Rede Sarah.
ficha técnica
projeto
Hospital Sarah Lago Norte
local
Brasília DF
datas
Projeto: março 1996
Início das obras: dezembro 1997
Inauguração: dezebro 2003
arquitetura (coordenação)
João Filgueiras Lima (Lelé)
superintendência
Francisco A. Filho
coordenação administrativa
Walmir Gonzales Bulhon
coordenação técnica da obra
Adriana Filgueiras Lima
coordenação técnica de projetos
Ana Amélia Monteiro
supervisão de projetos e montagens
André Felipe, José Otávio Veiga e Louis Charles Brioude
técnicos
Afonso Leite Gonçalves, Evanildo Silva, Geraldo Borges, Josenias dos Santos e Rosevaldo Nascimento
paisagismo
Alda Rabello Cunha
instalações
Eustáquio Ribeiro e Kouzo Nishiguti
obras de arte
Athos Bulcão
estrutura
Roberto Vitorino
pré-moldados
Tomaz Bacelar
conforto térmico
George Raulino
metalurgia leve
Hurandy Matos
metalurgia pesada
Waldir Silveira Almeida
moldes de fibra de vidro
Joaquim Anacleto Dias e Laerte Girola
marcenaria
Jurandir Amorim
comunicação visual
Inês Maria Ribeiro Alves
equipamentos
André Borém, Cláudio Blois, Hurandy Matos e Toinho
secretaria
Cristiane Lima