O Mercado Público de Lages
Um mercado público é um espaço construído que atua como abrigo de múltiplos comércios, em sua maioria do setor alimentício, de caráter caseiro, artesanal e que estabelece relações de venda de modo livre e democrático.
Os produtos comercializados e as atividades decorrentes do local geralmente refletem a identidade, a tradição e os costumes da região. “Lá” é o lugar do diferente, do autêntico, do único, do fresco. Também é o espaço do lazer, da passagem, da permanência, da sociabilidade, do turismo, dos vínculos, das trocas e dos aromas.
Sintetizando, o mercado público é um espaço que apresenta a cidade.
O usuário desse espaço nem sempre busca apenas o consumo, mas também os eventos gerados espontaneamente nesse ambiente.
Assim como na maioria dos casos, o Mercado Público em Lages teve início em uma praça. A primeira ação de projeto parte do resgate dessa forma fundamentada no contexto contemporâneo.
Mantendo a edificação em art-déco praticamente intacta e marcando as intervenções com cores e materialidade contemporânea, optou-se por trocar apenas as esquadrias que encontram-se em estado crítico ou por necessidade programática, mantendo as demais para restauro.
Novos vãos foram abertos para o largo criado em frente na Rua Manoel da Silva Ramos e, seguindo a unidade do conjunto e critérios de economia, previram-se portas de aço na cor bordô escuro destacando-se em respeito ao antigo. Seu posicionamento atua estrategicamente junto ao interior em áreas de maior permanência mantendo o ritmo da fachada art-déco. Ao bascular permitem abertura máxima entre as linhas e configuram uma releitura do clássico toldo de proteção e dotam este pedaço da cidade de ambiência em escala humana para mesas e cadeiras.
Entende-se aqui que, desde sua origem, o uso de um mercado necessita de permeabilidade e continuidade do espaço público para realizar de maneira qualitativa as suas trocas, eventos, funcionalidade e sociabilidade, além de proporcionar espacialidades dignas e que incentivem o usuário à longa permanência. Do contrário, diversos problemas podem ser revelados e acentuados com o tempo. A solução encontrada foi um equilíbrio entre uso/não-enfrentamento urbano e valorização da edificação histórica.
No volume do patrimônio art-déco optou-se pela pintura de tonalidade branca, descascando e revelando o bloco cerâmico maciço no seu interior apenas para externamente não descaracterizar a fachada externa e internamente viabilizar a facilidade de manutenção e sensação de acolhimento.
Toda a cobertura foi mantida e revitalizada, com trocas das peças junto às calhas perimetrais por telhas translúcidas que iluminam de forma cênica o interior através de um rasgo no forro em alumínio zincado vazado.
A nova edificação apresenta-se essencialmente por uma base em concreto aparente transversal ao antigo mercado articulando os espaços e as peças do conjunto e organizando o setor de serviços do projeto, com docas, entradas e saídas de alimentos, estacionamentos, circulações verticais, instalações sanitárias e boxes de frios.
Os boxes “leves” com atividades similares às feiras de praças compõem a porção externa abrigada por uma estrutura metálica leve e econômica composta por duas treliças laterais vedadas por chapa em aço na mesma cor bordô identificadora da intervenção e por uma cobertura matricial de vigas-calha tipo “V” sob um céu de domos de vidro branco. Compondo o plano de fundo dessa praça, recantos e uma extensa parede verde desenham esse espaço até o seu principal acesso.
Essa implantação tira o melhor proveito do espaço restante do terreno sem necessariamente construir para alcançá-lo e libera um respiro central que recupera a visualidade para a antiga fachada perdida do mercado. Esse pátio aberto abriga o espaço da imprevisibilidade, do lazer, dos eventos, oficinas ao ar livre, do chimarrão, dos jogos, com um único destaque fixo para o Monumento à Coxilha Rica, representando por um muro em pedras dos antigos caminhos de tropas da região.
O setor abrigado conecta-se ao prédio histórico através de um caminho protegido por uma leve cobertura em estrutura de aço e vidro branco.
A madeira – material de grande familiaridade local – se mostra presente como fechamento de correr do mercado, docas, garagem e boxes. Com base em arranjo de perfis de alumínio e ripas vazadas, remetem aos antigos muxarabis.
A vocação do mercado como catalisador urbano é finalmente consolidada com a locação dos serviços e comércios que servem aos habitantes do bairro se nas margens da construção possibilitando seu funcionamento independente do mercado estar aberto. O mesmo ocorre com a área de exposição, administração e auditório, que podem receber eventos enquanto o mercado encontra-se fechado.
O largo em frente manteve o calçamento histórico da rua, porém com nível elevado, privilegiando o pedestre e a permanência. Bancos e árvores foram implantados criando uma alameda arborizada e gavetas acessíveis foram instaladas no enchimento acima da laje do piso, conectando a infraestrutura dos shafts de instalações com os boxes e com o espaço de feiras itinerantes, criando durante esses eventos um espaço largo-mercado único e contínuo.
Critérios de sustentabilidade
A proposta para a revitalização do Mercado Público de Lages evidencia o contraste entre o patrimônio restaurado e o edifício-praça através da expressividade arquitetônica gerada pelo uso coerente da tecnologia no conjunto.
Assim adota-se, tanto na readequação do edifício existente quanto na execução do novo, sistemas pré-fabricados para otimização do funcionamento do canteiro de obras e consequente redução de resíduos gerados pela construção.
Com relação à questão bioclimática, Lages possui grandes amplitudes térmicas e estações bem definidas. A intervenção viabiliza o uso do Mercado ao longo de todo ano através de estratégias de conforto passivas, como ventilação natural e inércia térmica, e estratégias ativas, como a adoção de sistema de aquecimento de piso vinculado à tecnologia de reaproveitamento da água da chuva e placas solares.
A iluminação natural se faz presente em todo o conjunto, visando diminuição do gasto energético e qualidade ambiental.
Diretrizes de mobilidade urbana
Vinculado à intervenção no Mercado Público e o resgate da sua relação franca junto ao espaço público, é proposta uma rede intermodal de transporte coletivo e ciclovias na área central de Lages. Esta rede se fundamenta nos seguintes critérios:
- articulação e hierarquização dos eixos de circulação no tecido urbano consolidado: reorganização dos leitos de via existentes conformando uma matriz radial de transporte coletivo BRT (Bus Rapid Transit) e ciclovia e pulverização de ciclovias e ciclofaixas no interior do perímetro central.
- intermodalidade da rede de transporte coletivo existente com a matriz radial de brt e ciclovias: incentivo ao uso do transporte coletivo e da bicicleta com implementação de sistema único intermodal e a instalação de infraestrutura de bicicletário junto aos pontos de ônibus e ao longo das ciclovias.
- aproveitamento da potencialidade topográfica para ciclovias no perímetro central: valorização da circulação de bicicleta e de pedestres, conformando as vias como espaços de encontro e eixos de vinculação entre moradia, serviços e espaços públicos de lazer e cultura.
- viabilidade técnico-financeira: almejando a implantação da nova lógica de mobilidade a custos acessíveis, propõe-se a utilização dos leitos de via existentes vinculada a tecnologia de pavimentação e drenagem contemporânea, além de permitir a execução das obras na malha consolidada de modo progressivo. Por exemplo, a implementação dos novos corredores de ciclovia e BRT poderão ser etapeadas, conforme fosse observada a demanda de circulação pela população.
ficha técnica
projeto
Mercado Público de Lages
escritório responsável
Zulian Broering + Zanatta Figueiredo
autor responsável
Henrique Zulian
co-autores
Talita Broering; Vinicius Figueiredo; Vitor Zanatta
ano
2014
cidade
Lages
status
1º lugar em concurso nacional
tipo de projeto
Comercial/Patrimônio: intervenção em edificação existente