Come per acqua cupa cosa grave (“Como na água profunda algo pesado”)
Dante, “Paraíso”, verso 123
Título: à toa
No Dicionário informal se vê a seguinte definição: “Expressão popular que indica o estado daquela pessoa que se encontra ao léu, sem um rumo definido. Tal palavra, usado por analogia nas circunstâncias acima, na verdade refere-se a uma grossa corda usada no reboque de pequenas embarcações, por uma maior. A embarcação menor é levada pela maior e não tem um rumo próprio, sendo conduzida à toa".
Um museu de arte moderna. Um edifício de arquitetura modernista. Espaço moderno de encontro entre sujeito, arte e paisagem no vão entre o peso da matéria suspenso em desafio à gravidade.
Uma viga que não sustenta, mas que é sustentada, pende em poderosa e delicada relação com a massa (inerte) do museu, corpos e mundo em movimento. Uma massa (reduzida a linhas que traduzem os esforços estruturais), presença estranha que se doa ao olhar e ao tocar, um corte no vazio com leve balanço, que pesa levitando sobre o peso do chão que um dia foi mar.
A instalação extrai uma nova potência da massa-museu através de um objeto suspenso, que deslocado de sua função de construir, descansa seu peso na inércia e convida o sujeito a se perceber em uma condição demasiadamente humana: corpo solto flutuante no espaço, também em delicada relação particular de equilíbrio/desequilíbrio com o mundo.
À toa é uma proposta de descobrir, na gravidade, o segredo da leveza. Melancolia e Humor. Entrar em estado de sensação e experimentação com a arquitetura.
Como
Uma viga treliçada de aço de 40,0 x 1,5m atravessa, suspensa a 0,5m do chão, o pilotis do MAM. Pende, pelas pontas, em dois cabos de aço que envolvem a estrutura do edifício. Um balanço suave é acionado pelos visitantes em interação com o objeto: tocar, sentar, caminhar, atravessar, ou apenas olhar. O peso próprio da viga é a única carga a resistir. Uma estrutura arquitetônica desutilizada, desobjetificada.
A estrutura será construída em módulos na oficina, montada e instalada no local por equipe técnica especializada em montagem de estruturas aéreas. A instalação observará rigorosamente os cuidados com o edifício tombado, através de consultoria da Cerne Engenharia, responsável pela consultoria técnica para as instalações “Fruto estranho”, de Nuno Ramos, e “O peso de cada um”, de Iole de Freitas, ambas realizadas no MAM.
Contexto
Leveza, fluidez, transparência, funcionalidade, verdade material: traços culturais legados pelo nosso modernismo tropical arquitetônico. O museu moderno rompe as velhas estruturas encerradas, vira caixa de vidro solta, suspensa sobre a paisagem. Com o tempo, estes ideias humanistas edificantes vão cedendo à complexidade e rudeza da distopia pós-moderna. Qual o valor que resta destes (já) antigos ideais? A presença da arquitetura moderna seria uma nostalgia de coerência? Ainda acreditamos no seu potencial transformador, em face da privatização do público, da desimportância da transparência, da perda da “verdade”? A arquitetura, mais uma vez, se fecha, num movimento pendular. Mais que nunca, é preciso atravessá-la, reconquistar o vazio em devir.
ficha técnica
obra
À toa – projeto de instalação
local
Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro – MAM/RJ
prêmio
II Edição do Prêmio Reynaldo Roels Jr da Escola de Artes Visuais do Parque Lage, 2016
autora
Artista plástica Maria Baigur
coautores
Arquiteto Adriano Carneiro de Mendonça e Antonio Pedro Coutinho
consultoria de engenharia e patrimônio
Engenheiro Geraldo Filizola / Cerne Engenharia
cronograma
Projeto executivo e fabricação da obra: 4 a 7 dez. 2016
Transporte e montagem final no local: 8 a 9 dez. 2016
Desmontagem: 19 a 20 dez. 2016
sobre os autores
Maria Baigur é artista visual, formada pela PUC-Rio. Estudou desenho técnico, processo criativo e vídeo-arte, na Escola de Artes Visuais do Parque Lage. Utiliza o cinema, fotografia, vídeo, instalação, e performance como suportes para seus projetos e pesquisas. Atualmente produz e trabalha no Rio de Janeiro, na Antiga Fábrica da Bhering. É fundadora da Vanguarda Vanguarda, produtora cultural. Artista selecionada para o Seminário Tempo e Espaço na Instalação, EAV, Novembro, 2016.
Adriano Carneiro de Mendonça é arquiteto (PUC-Rio, 2007) mesmo ano em que foi convidado a ser professor da mesma instituição, tornando-se o primeiro professor e ex-aluno da escola. Em 2016, tornou-se mestre pelo Programa de Pós-graduação da PUC-Rio, na linha de pesquisa de Teoria e História da Arquitetura, com a dissertação “Peso e leveza: Presença, corpo e memória por uma poética do abrigo”. Membro do Estudio Chão e convidado pela artista como coautor.
Antonio Pedro Coutinho é arquiteto (PUC-Rio, 2008) e ganhador do 1oprêmio no XXI Ópera Prima em 2009. Mantém parceria com a arquiteta Bel Lobo e desenvolveu projetos para vários concursos em parceria com outros escritórios, incluindo o Museu do Meio Ambiente no Rio de Janeiro. Atuou como cenógrafo assistente na Rede Globo de 2007 a 2008 e desde 2012 participa de projetos de cenografia com Bia Lessa. Membro do Estudio Chão e convidado pela artista como coautor.