Ontem o Sesc 24 de maio finalmente abriu as portas. Depois de 15 anos desde o início da obra. Foi festa o dia inteiro! E que festa! Em cada um dos 14 andares do prédio, em suas fachadas, naquele entorno simbólico do comércio central paulistano, em meio a suas muitas galerias e ambulantes, uma multidão compareceu!
É verdade que boa parte do público era de arquitetos a celebrar mais um Sesc paradigmático, quase 40 anos depois do Pompeia. Arquitetonicamente o prédio reúne qualidades patentes na obra projetual de Paulo Mendes da Rocha: a solução polarizada pela forma estrutural, a concentração dos serviços, o hibridismo das técnicas e materiais, as equações entre espaço e programa e o primor dos espaços sem programa rígido, o desembaraço com que equipamentos e dispositivos de uso articulam os ambientes, a capacidade de infletir no entorno e de ecoar alguns de seus valores.
Mas esse é talvez o projeto mais fortemente urbano de Paulo Mendes da Rocha, e que opera precisamente no sentido da densificação e diversificação social e funcional do velho centro, para criar também ali, quiçá, um lugar a ser preenchido pelas lógicas populares, as existentes e as futuras. Afinal trata-se de um território por excelência de trabalhadores do comércio. O projeto é sensacional, sobretudo porque não se esquiva à cidade nem ao debate público. Os arquitetos, engenheiros, técnicos, operários envolvidos merecem toda gratidão.
Mas uma das coisas pra mim mais tocantes foi o happening total em que a inauguração se converteu. Entregá-lo em pleno uso, nesses dias tão tristes de desmonte de direitos sociais, da assistência social, da educação, da cultura, de qualquer projeto de país, foi como um sopro de vida, um manifesto!
E enquanto eu percorria as oficinas a todo vapor, de pintura, gravura, tricô, fabricação de skates, moda afro, as aulas de natação e ginástica como se já corriqueiras, o auditório, os cafés, o restaurante lotados, a biblioteca em pleno uso, todos os jornais, as revistas, até a The Economist e a New Yorker à mão, o povo da Nova Dança poetizando o espaço, performances à Trisha Brown desafiando a verticalidade da torre, escolas de samba, bandas de rua, blocos de maracatu, trupes circenses espalhando-se pelos arredores e a "São Paulo que não é uma cidade" do Paulo Herkenhoff, eu ficava pensando em quando poderemos voltar a sonhar com um Brasil melhor, com uma população mais respeitada em suas criações, seu corpo, sua sensibilidade, em sua dignidade. Ficava pensando se nessa maré antivarguista e antipetista do presente, também entidades paraestatais de bem-estar como o Sesc não entrariam na conta dos trabalhadores, crescentemente informalizados. Se não se tornariam reféns de um patronato que sai ainda mais forte com as reformas em curso.
nota
NE – Texto originalmente publicado na página Facebook do autor.
sobre o autor
José Tavares Correia de Lira é professor titular do departamento de história da arquitetura e estética do projeto da FAU USP e ex-diretor do Centro de Preservação Cultural da USP. É autor de Warchavchik: fraturas da vanguarda (Cosac Naify, 2011) e O visível e o invisível na arquitetura brasileira (DBA, 2017), e organizador, entre outros, de Caminhos da arquitetura, de Vilanova Artigas (Cosac Naify, 2004, com Rosa Artigas).