A criação de um novo museu é sempre um acontecimento extraordinário. O papel que desempenham nas cidades contemporâneas é fundamental, não só por promover os eventos ligados à arte e à cultura, mas sobretudo por trazer interesse e vitalidade aos espaços urbanos.
É neste contexto que surgirá a nova sede do Instituto Moreira Salles – IMS. Uma instituição já consolidada e de presença marcante no cenário cultural brasileiro. Detentora de um precioso acervo e com vasta experiência na promoção de exposições e de eventos culturais, o IMS não tem, hoje, um espaço expositivo em São Paulo condizente com suas possibilidades. A nova sede irá suprir a necessidade concreta por mais espaço, mas será muito mais do que isso: ela nasce, sobretudo, da vontade de se criar um lugar que represente os valores e o espírito da instituição. O museu surge de dentro para fora e por esta razão a nova sede deve ser pensada da mesma maneira, tendo como motivação principal constituir-se em plataforma programática e simbólica para o IMS.
Nesse sentido, imaginamos um museu acessível, ancorado no presente, que tenha uma relação franca e direta com a cidade e que, ao mesmo tempo, ofereça um ambiente interno tranquilo e acolhedor; um museu capaz de equilibrar a vibração das calçadas com a natureza e a escala dos espaços museológicos; um espaço que exige uma qualidade de luz e percepção do tempo muito particulares; um museu, enfim, de caráter marcante, que proporcione uma experiência única e pessoal para quem o visita.
Para que o edifício proposto reunisse tais qualidades, passamos à análise e interpretação de dois parâmetros fundamentais para a concepção do projeto: o programa e o contexto urbano. O que interessava aqui, para além dos complexos requisitos funcionais que se apresentavam, era determinar as articulações e as qualidades desejadas para os espaços internos do museu, assim como definir que tipo de relação que se pretendia estabelecer entre o novo edifício e a cidade.
O programa
A partir da análise do programa elaboramos uma quantificação das áreas necessárias e um agrupamento dos espaços de acordo com a sua natureza, criando um gradiente que vai do mais aberto e permeável até o mais restrito e controlado. Este diagrama representa a intenção de reforçar as conexões e continuidades entre os programas abertos ao público e preservar a privacidade e o controle dos programas administrativos e de serviço. Como consequência deste raciocínio, devemos distribuir circulações separadas para o público, para as áreas administrativas e para carga e serviços.
Desta análise concluímos também que os espaços devem ser generosos, em especial nas áreas expositivas, dado o papel de protagonista que terão dentro do esquema do novo museu. Devem ser também flexíveis e ter o ambiente controlado, com as condições ideais para acomodar o acervo e as mais diferentes modalidades de exposição.
Com o objetivo de criar um grupo significativo de programa, reunimos o auditório, as salas de aula, o espaço multimídia e a biblioteca num corpo único e integrado, formando a nova Midiateca do Instituto. Este conjunto cria um contraponto importante para as salas de exposição, capaz de equilibrar as atenções dentro do museu. Assim, parte da biblioteca pode funcionar como espaço de convívio para quem frequenta as salas de aula, assim como estas, quando integradas, transformam-se num pequeno auditório suspenso que se relaciona, simultaneamente, com a própria biblioteca e com o foyer. Foi nosso objetivo, também, aproximar as várias formas de expressão e de mídia, num espaço mais fluído e contínuo, sem que se perdessem as necessárias contenções para o bom funcionamento de cada um dos espaços.
O lugar
A Av. Paulista é um dos raros lugares da cidade em que encontramos uma enorme variedade de pessoas e programas convivendo num mesmo lugar. Um dos poucos lugares em que temos uma cidade mista, plural e mais democrática. Esta qualidade rara, aliada à escala generosa e à situação geográfica privilegiada, faz da Av. Paulista um dos espaços mais interessantes e vivos de São Paulo.
Ajustando o foco para o entorno próximo do novo museu, identificamos algumas singularidades daquele trecho da avenida. O cruzamento com a Av. da Consolação se traduz em grande movimento de veículos e de pessoas, em função da proximidade das diversas estações de metrô e do corredor de ônibus. A calçada, neste ponto, é mais estreita, em função da presença do túnel logo em frente. Estamos bem no final da avenida, de onde se abre uma ampla visual para o vale do Pacaembu e para o espigão da Av. Dr. Arnaldo. O Conjunto Nacional está a duas quadras dali; o Masp, um pouco mais à frente.
O lote, com 20 x 50 metros, é plano e cercado por edifícios de 13 a 18 andares por todos os lados: uma fenda na sequência de volumes perfilados ao longo da avenida. Trata-se de uma localização realmente extraordinária. Por outro lado, quando nos colocamos dentro do lote, no nível da calçada, percebemos que o espaço oferece poucas aberturas e conexões com o entorno. As perguntas que fizemos no início desta análise se colocam novamente: qual é a relação que se quer estabelecer entre o museu e a cidade e de que maneira esta decisão repercute na articulação dos espaços internos do museu?
O partido
A solução encontrada foi transferir o térreo do museu – o seu principal elemento articulador - da base para o centro do edifício, quinze metros acima do nível da Av. Paulista, criando uma relação totalmente nova e aberta entre o museu, a cidade e seus habitantes. Com esse deslocamento, saímos de uma condição claustrofóbica e restrita imposta pelos limites do lote, para conquistarmos a vista da cidade, ao mesmo tempo em que criamos a possibilidade de uma nova articulação dos espaços internos do museu.
Esta operação tem como consequência liberar o nível da Av. Paulista para que ela funcione, em conjunto com o primeiro subsolo, como uma plataforma de distribuição das diversas circulações que alimentam o edifício. Concebido como um grande hall urbano, o nível da Av. Paulista se converte em extensão da calçada, conduzindo o visitante através das escadas rolantes e de elevadores até o coração do edifício. É ali que está, também, o restaurante do museu, totalmente aberto ao público, reforçando o caráter múltiplo da avenida.
Nesta transferência, que remete aos deslocamentos tão familiares das estações de metrô, ocorre uma primeira transição da escala da cidade para a escala do museu. Durante o percurso, os sons e a agitação vindos da rua vão se atenuando, a intensidade e a natureza da luz se alteram, até que se chega ao térreo elevado, de frente para a cidade, que se abre numa perspectiva totalmente renovada. Liberado do confronto demasiadamente próximo e direto com a rua, foi possível criar um espaço vibrante e cheio de energia, mas ajustado à intensidade e ao ambiente desejados para o museu. A escala e o tempo mudaram. Estamos dentro do novo IMS.
Como foi dito, com esta transferência reequilibramos o centro de gravidade do edifício, aproximando os principais programas do térreo. Este resultado, mais uma vez, vai além dos aspectos meramente funcionais. Trata-se de ajustar os percursos e os deslocamentos para a escala e o tempo que são os mais pertinentes ao museu.
A partir do térreo elevado, a percepção que o visitante tem dos espaços de programa é clara e direta. O térreo em si foi transformado em praça de convívio e de distribuição, que conta ainda com a loja e o café; acima desta praça, pairando sobre ela, estão os espaços expositivos, protegidos num volume fechado; abaixo, estão agrupados os programas da Midiateca, que funcionam como um grande espaço de encontro dedicado ao cinema, à música, à literatura e, de maneira mais geral, à pesquisa e à produção de conhecimento.
Os depósitos e demais áreas de apoio ao museu – como o espaço de guarda temporária das obras de arte, acervo da biblioteca e estoques variados – estão localizados no 2º Subsolo. Este pavimento está ligado ao restante do prédio por meio de um amplo elevador de carga e um conjunto de elevadores e escada restritos aos funcionários e pessoal técnico.
A espacialidade do museu é dada e percebida, sobretudo, a partir dos vazios do edifício, que são os espaços de circulação e encontro que se espalham entre os volumes de programa e a fachada do edifício. A materialidade da fachada, resolvida com uma pele de vidro translúcida de dupla camada, confere uma qualidade de luz que corresponde exatamente ao que pretendíamos desde o início do projeto, quando imaginávamos o interior do museu como um remanso – um espaço tranquilo e acolhedor para o visitante. Da mesma maneira, a luz que toma conta desses espaços carrega com ela o rastro da cidade, trazendo para o interior do museu a memória do mundo que está a sua volta.
A escolha de alguns materiais reforça este desejo de construir relações significativas com a cidade. No térreo elevado, recuperamos o piso de mosaico português que por muito tempo foi usado nas calçadas da Av. Paulista. Por outro lado, usamos o basalto, material que faz uma correspondência direta com o cimentado das calçadas, para cobrir todo o piso do museu no nível da rua, de tal maneira que tenhamos um espaço contínuo.
Por fim, existe a questão de como o edifício se coloca na cidade. O uso do vidro translúcido como segunda pele faz com que o museu seja percebido como um volume bem definido, íntegro, com a força necessária para estabelecer o seu lugar em meio aos vizinhos e aos demais edifícios da Av. Paulista. Por outro lado, as suas propriedades de luz e de translucidez criam para o edifício um segundo registro, que é mutável em função da natureza do ambiente e da posição do observador. Como resultado, o interior do museu se manifesta sutilmente no espaço urbano.
ficha técnica
projeto
Instituto Moreira Salles
local
São Paulo SP Brasil
área construída
8.662m2
ano de concurso
2011
autores
Andrade Morettin Arquitetos / Vinicius Andrade, Marcelo Morettin, Marcelo Maia Rosa e Renata Andrulis
equipe de concurso
Andrade Morettin Arquitetos
Beatriz Moretti, Fábio Ucella, Flora Fujii, Gabriel Sepe, Júlio Beraldo, Lauro Rocha e Valeria Mónigo
Estrutura
Ycon / Yopanan Rebello
Fundações
Geraldo Moretti e Cláudio Wolle
Acústica
Gustavo Nepomuceno
Luminotécnica
Carlos Albert Kaiser
equipe de projeto
Andrade Morettin Arquitetos
Adriane De Luca (coord.), Raphael Souza (coord.), Carlos Eduardo Miller, Felipe Fuchs, Fernanda Carlovich, Fernanda Mangini, Gabriel Sepe, Jaqueline Lessa, Melissa Kawahara
Estagiários
Eduardo Miller, Guilherme Torres
Estrutura
Ycon Engenharia / GOP
Fundações
Moretti Engenharia Consultiva
Fachada
Front Inc. / Grupo Galtier
Climatização
Greenwatt Consultores de Energia
Acústica
Harmonia Acústica / Akkerman, Holtz
Luminotécnica
Peter Gasper & Associados / Lux Projetos