Em um contexto de perplexidade com a tragédia sofrida por Dandara dos Santos, surge o projeto da instalação Templo de Dandara. Dandara foi brutalmente assassinada em 15 de fevereiro de 2017, em Bom Jardim, bairro da periferia de Fortaleza CE, pelo simples fato de não ser o que a ignorância coletiva gostaria que ela fosse. A instalação foi montada e exposta no Museu de Arte Contemporânea de Mato Grosso do Sul – Marco, em Campo Grande MS, entre 9 de maio a 29 de julho de 2018.
A instalação, de modo geral, busca ser simultaneamente uma denúncia e uma forma de expressão (e também acolhimento) da causa LGBTQIA+. O projeto leva em consideração muitas camadas de significação entremeadas com a espacialidade existente no Marco (projeto do arquiteto Emmanuel de Oliveira). A capacidade de criar superfícies no volume vazio da sala, aliada à potencialidade de ressignificar os planos já existentes foram as principais estratégias projetuais. Onde o volume da sala 2 do Marco (com 128 m² de área) foi dividido em três zonas: 1. Introdução/ conclusão; 2. Templo de Dandara; e 3. Morte. Por meio deste fatiamento do espaço, buscamos criar três espacialidades distintas, porém visualmente conectadas, preservando o senso de unidade e totalidade da obra. A ideia de corte do espaço já é uma forma simbólica de representar tensão e ruptura, e simbolicamente denuncia um corte em uma pele que parte da sociedade entende que pode ser cortada e maltratada, como a pele LGBTQIA+. Consequentemente, os principais cortes são demarcados pelas superfícies que delimitam e dão forma à segunda zona, o “Templo de Dandara”.
Na primeira zona – “Introdução/ conclusão” –, é onde o percurso tem início, fornecendo, enquanto “Introdução”, uma visão do todo, não objetivando focar nada em específico. Porém no retorno, este mesmo espaço se torna a “Conclusão” desta jornada, onde imagens de algumas vítimas de LGBTQIA+fobia são apresentadas, junto com o questionamento: “quem é a minoria aqui?”, inscrita em uma taboa suspensa, colocada como a mensagem final da obra. As imagens (impressas em adesivos com transparências) foram coladas sob os tijolos de vidro já existentes no museu, e são iluminados pela luz natural que os atravessa.
O Templo de Dandara pretende ser o marco central da instalação, dividindo o percurso do visitante em “antes e depois”. Nesta narrativa espacial e temporal, o templo se coloca como o ponto máximo de reflexão e imersão. Tendo diferentes mensagens e interpretações conforme se passa por ele, principalmente pelos doze espelhos colocados em alturas ligeiramente diferentes (entre 1,50m a 1,90m), onde os espectadores podem ver seus reflexos, e no verso destes espelhos, os mesmos podem ver placas com os nomes dos doze réus no processo judicial pelo espancamento seguido de assassinato a tiros de Dandara dos Santos.
Ainda no templo, temos outra relação arquitetônico-simbólica forte e direta, uma vez que suas paredes/superfícies/cortes são formadas por linhas vermelhas amarradas verticalmente, num total de 868 linhas que representam o número de travestis e transexuais assassinadas no Brasil nos últimos oito anos (dados oficiais de 2008 a 2016, segundo matéria do Correio Braziliense).
Na terceira zona – “Morte” –, é onde a dramaticidade narrativa e estética se apresenta de forma mais crua. A composição, formada por entulhos, taboas e velas, é coroada com um “carrinho-de-mão” pintado em vermelho brilhante, numa espécie de encenação barroca, uma “pietà” da destruição moral, civilizatória e institucional de um país; entretanto, esta mesma encenação é banhada com a luz natural da claraboia existente na sala, uma luz que pode significar a busca por conhecimento, liberdade e paz, ou seja, elementos capazes de transformar a realidade atual, saindo assim de uma sociedade do extermínio, para uma sociedade da diversidade. Em uma das taboas ainda temos inscrita a irônica frase “God save the Queen Dandara”.
Em análise geral, a instalação tenta representar a dualidade entre o belo e o brutal. Arquitetonicamente esta representação se dá pela escolha dos materiais, cores e formas, ora belas e acolhedoras, ora compostas por restos de obra e provocações diretas. A instalação intenciona significar, a um só tempo, a beleza de Dandara, pelo que é e pelo que representa, bem como a brutalidade que nossa triste e trágica sociedade lhe reservou. O que nos permitiu explorar territórios onde arquitetura, arte e denuncia se misturam e se alimentam.
ficha técnica
projeto
Templo de Dandara
local
Museu de Arte Contemporânea de Mato Grosso do Sul, Campo Grande, MS Brasil
ano
Projeto: 2018
Obra: 2018
área
128 m²
arquitetura
Alex Nogueira
composição e montagem
Ana Carolina Vendruscolo Kettenhuber, Andrea Naguissa Yuba, Giovana Renata Madrona, Leonardo Santana Ramos, Leticia Souza dos Reis, Marcus Vinicius Gomes da Silva e Stephanie Rodrigues dos Santos
foto
Deborah Wolsky Carneiro
Fellipe Lima