Para enfrentar a colocação de um trabalho nesse espaço interior pensei em algo que flutuasse acima do piso; a primeira visada do trabalho é a parte de baixo que fica a uns 80 cm acima do chão; a escala desproporcional do trabalho em relação ao lugar, leva a que se tenha uma visão à cavaleiro do centro da peça; ao provocar esse percurso se está ao mesmo tempo percorrendo os espaços mais importantes da casa.
Tanto na área externa como na interna, a ideia de rebatimento de planos é evidente.
Nesse hall de pé direito duplo a moldura de azulejos do piso de baixo é rebatida no piso que faz um balcão estreito que circunda toda a sala.
Quando se entra na casa, impossível não se concentrar no piso, que tem uma moldura de azulejos com desenhos de Flávio de Carvalho, que emolduram uma área central de tacos de madeira.
O trabalho pensado para enfrentar esse lugar tão tumultuado sugere para mim o seguinte: a estrutura de um trapézio de circo, que sem o trapezista se movimenta e flutua ela mesmo no espaço; e o que se vê é um instantâneo que fixa esse movimento do trapézio.
Três cabos duplos distintos que saem das três paredes quase junto ao teto e percorrem os tubos de cima a baixo, saem a uma certa altura do meio deles para desloca-los na posição inclinada em que ficam fixos.
A peça que ficará no exterior foi projetada para ocupar esse fundo branco que se destaca na sequência de construções que faziam parte do mesmo conjunto projetado pelo Flávio, mas que se encontram totalmente descaracterizadas; o que se espera é que por sua estranheza atraia a atenção para a casa e, principalmente, que faça notar o estranho chapéu de sol que está na cobertura.
Importante no projeto por ser ele um desenho rebatido do volume que se projeta para a rua, ambos sustentados pela mesma coluna que sai do térreo, atravessa o volume e chega nele. O trabalho fica paralelo à parede e suspenso de forma que a sensação é de que ela estará em movimento descendente, indo contra a parede que define esse volume.
Quando se chega na frente, e se tem uma visão da fachada da casa, a peça desaparece:
notas
NA – Exposição José Resende na inauguração da Casa Flávio de Carvalho, segundo espaço expositivo da galeria Bergamin & Gomide, 22 de maio a 3 de julho de 2021. Alameda Ministro Rocha Azevedo 1052, Jardins, São Paulo (aberto de segunda a sexta, das 10h às 19h; e sábado, das 10h às 15h.
NE – Ver resenha da exposição: NAVES, Rodrigo. Mágicos & trapezistas. José Resende na Galeria Gomide Bergamin. Resenhas Online, São Paulo, ano 20, n. 234.03, Vitruvius, jun. 2022 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/20.234/8116>.
sobre o autor
José Resende, formado arquiteto (Mackenzie, 1967), é artista plástico. Em 1984 recebeu a bolsa John Guggenheim Memorial Foundation e, em 2003, teve sua obra reunida na publicação José Resende, publicada pela editora Cosac Naify. Participou de diversas exposições coletivas, com destaque para a Bienal de São Paulo (1967, 1983, 1989, 1998 e 2018), XI Biennale de Paris (menção honrosa, 1980); Bienal de Veneza (1988); Documenta de Kassel (1992); MoMA de Nova York, Centre Georges Pompidou em Paris (1992-93); Pavilhão das Armas de Sevilha (1992), 11th Biennale of Sydney (1998) e Bienal do Mercosul em Porto Alegre (2001 e 2004). Dentre as exposições individuais, Galeria Millan (2015), Sesc Belenzinho (2013), Centro Cultural Maria Antônia (2005), Centro Cultural São Paulo (2003), Capela do Morumbi (1992), MAC-SP (1990 e 1970) e Masp (1974), em São Paulo; MAM-Rio (1970, 1975 e 2011), Centro de Artes Hélio Oiticica (1998) e CCBB-RJ (1994), no Rio de Janeiro; Robert Miller Gallery em Nova York (1995) e University of Hartford (1991), nos Estados Unidos, entre outras.