O projeto de um sistema construtivo em ripas de madeira maçaranduba para a realização de uma passagem coberta é fruto da pesquisa realizada ao longo da disciplina Oficina de Projeto Computacional do Programa de Pós-graduação Profissional em Arquitetura, Projeto e Meio Ambiente da Universidade Federal do Rio Grande do Norte — UFRN, em Natal RN. O objetivo da disciplina, cuja turma tinha um perfil de arquitetos e engenheiros atuantes no mercado local, era ensinar fundamentos teórico-práticos do projeto arquitetônico computacional, tendo a modelagem generativa por algoritmos, mediada pelo uso da aplicação Grasshopper, como principal meio de criação. Além das aulas de capacitação na aplicação citada, foi proposta a elaboração do projeto de uma cobertura de forma complexa, que servisse como passagem de conexão entre dois prédios (graduação e pós-graduação) da UFRN. O enunciado da atividade previa o atendimento de uma série de restrições impostas ao livre exercício projetual, tais como: preservação das preexistências (arborização e edificações); recobrimento da estrutura em telhas e por vegetação tipo trepadeiras; uso exclusivo de materiais construtivos disponíveis na universidade; e processo projetual paramétrico desenvolvido nos softwares Rhinoceros, Grasshopper e Karamba 3D.
Dado o exposto, o conceito central do sistema construtivo projetado foi reverter as restrições em potencialidades. A principal delas era a escassez de materiais disponibilizados pela instituição; assim, escolheu-se trabalhar com o de menor valor agregado: a ripa de Maçaranduba. A trivialidade desse material dá coerência conceitual ao projeto, que procurou explorar as características da maleabilidade e esbeltez inerentes dessa madeira de baixo custo.
A utilização da ripa de maçaranduba como principal elemento estrutural de construções não é muito comum, exceto na execução de telhados. A Maçaranduba (pouteria ramiflora) é uma árvore de crescimento moderado com altura entre 15 e 30 m e tronco retilíneo de 40 a 60 cm de diâmetro. Sua madeira é relativamente pesada e dura, com baixa resistência ao apodrecimento.
A concepção do elemento arquitetônico por meio da modelagem generativa com algoritmos é uma alternativa aos tradicionais processos projetuais, cujo benefício reside na rapidez com que formas são geradas sem que, para isso, novos modelos sejam elaborados. Essa ferramenta é uma mudança de paradigma em relação à concepção tradicional, pois o processo inicial de projeto se volta mais aos parâmetros que estabelecem a forma do que ao desenho da forma em si.
Logo, buscou-se associar a esse processo de concepção com algoritmos uma inspiração de um modo de construir, sem desenhos prévios, que há séculos traduz a sabedoria dos povos indígenas, transmitida oralmente de geração em geração: a oca. Ao empregar limitados recursos construtivos, ela simboliza o pensamento racional do edificar somente com o essencial.
A estabilidade das ocas deriva do arqueamento de um pontalete fincado na terra, ou seja, o comportamento estrutural do material condiciona a forma obtida. De modo análogo, partiu-se de um modelo parametrizado e concebido por algoritmos de um pontalete em maçaranduba para investigar as possibilidades arquitetônicas formais e estruturais.
Além disso, outras questões foram consideradas, sobretudo, o ônus da nova passagem coberta em relação ao tripé formado pelos parâmetros sociais, econômicos e ambientais que definem o conceito de sustentabilidade segundo o Relatório Our Common Future, da Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (1). Desse modo, e objetivando uma proposta de baixo impacto, esses parâmetros acompanharam pari passu a espinha dorsal do projeto (reversão das restrições em potencialidades), da seleção dos materiais à concepção, ao desenvolvimento e à definição das etapas construtivas. Buscou-se, ademais, utilizar soluções de simples execução, de modo que os próprios funcionários da universidade pudessem construir a passagem por meio de instruções básicas e com as ferramentas disponíveis na instituição.
Após os diversos ensaios de modelagem do pontalete arqueado por meio dos algoritmos, optou-se pela solução do pórtico constituído por dois arcos de diferentes alturas. Das distâncias entre pórticos testadas, a que melhor se adaptou em relação às preexistências (terreno, árvores, canteiros, entre outros) foi a de 70cm. Depois, sucedeu-se a simulação desse pórtico com a finalidade de entender seu comportamento estrutural. Com o auxílio do software Karamba 3D, determinou-se a curvatura máxima dos elementos em relação ao módulo de elasticidade da madeira utilizada, bem como a resistência das suas seções. As simulações apontaram, ainda, a necessidade de criar arcos duplos, paralelos, afastados por tarugos de travamento. Essa duplicidade propiciou o enrijecimento necessário à estrutura, assim como a possibilidade de haver um travamento para manter o pontalete arqueado. Dividiu-se cada arco em 6 pontos de travamento por tarugos (ou nós com furos oblongos), que, somados às diagonais entre pórticos, contraventam o conjunto. O resultado formal conferido pelos arcos em madeira promove um contraponto aos volumes prismáticos existentes no entorno. Isso introduz novas percepções volumétricas e outras relações de luz e sombra, de materiais e de texturas.
Por fim, a diferença de altura entre os arcos de cada pórtico permite que a cobertura tenha a inclinação necessária para o escoamento das águas pluviais. As telhas em fiberglass, único material disponibilizado pela universidade para esse fim, são atirantadas por barras roscadas às vigas de cobertura, e um pergolado de ripas é proposto sobre as telhas transparentes para reduzir a incidência solar direta. Todos os elementos de madeira receberiam três demãos de impregnante tipo Stain para diminuir os efeitos agressivos do meio ambiente.
nota
1
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Report of the World Commission on Environment and Development: Our Common Future. Nova York, UN, 1987.
ficha técnica
projeto
Passagem coberta em madeira: modelagem generativa por algoritmos
ano
2019
local
Campus da Universidade Federal do Rio Grande do Norte — UFRN, Natal RN Brasil
arquitetura
Arquitetos Alessio Perticarati Dionisi, Clodoaldo Dino de Castro e Nilberto Gomes de Sousa