Terceiro maior aglomerado de favelas do Brasil, com 50 mil habitantes, o Aglomerado da Serra é o território que abriga o Lá da Favelinha, um centro cultural, artístico e educacional já destacado por sua potência criativa e fundado pelo artista Kdu do Anjos. O edifício vermelho, que emerge da paisagem com sua fachada têxtil de tela agrária, foi vencedor do Prêmio de Arquitetura do Instituto Tomie Ohtake AkzoNobel e da Premiação de Arquitetura do Instituto de Arquitetos do Brasil Departamento Minas Gerais — IAB MG, ambos em 2021, além da Premiação de Arquitetura do Instituto de Arquitetos do Brasil Departamento Nacional — IAB BR, em 2022. No entanto, o que há de mais notável neste projeto não se resume às belas fotos registradas por Leonardo Finotti e Matheus Angel. Para além das virtudes estéticas, o prédio do Centro Cultural Lá da Favelinha reflete e reafirma a alegria, a vibração e a potência criativa das pessoas que ali frequentam.
O prédio é convergência de artistas e oportunidades; é reafirmação de existências e resistências; é presente e também futuro. Não à toa vestiu tão bem o Lá da Favelinha: os espaços internos, pensados como corpos de cor, formam a arquitetura cênica para a exaltação dos bailarinos, modelos, empreendedores e artistas que encontram ali uma ponte para o mundo. A fachada têxtil, que (re)veste o prédio, ressalta mais um talento do morro: o ateliê de moda upcycling Remexe, que transforma roupas usadas em peças exclusivas e autênticas. No primeiro andar funciona a loja, que vende diversos produtos, todos feitos dentro da favela. O segundo andar abriga aulas de línguas, música, escrita, costura, além da administração empreendedora e profissional do centro — tudo isso imerso no verde enérgico que vai do piso ao teto. Finalmente, no grande terraço do terceiro andar, há aulas de dança, capoeira, yoga e diversos outros encontros viabilizados por aquele amplo espaço multiuso. No Centro Cultural Lá da Favelinha a arquitetura busca entender o contexto que a circunda, abraçando suas dinâmicas e abrindo espaço para que o mais incrível possa ter lugar: uma pulsão criativa organizada em rede. Oportunidades de desenvolvimento e aprimoramento de talentos caracterizam o papel da edificação, que, por tudo isso, se transforma em marco identitário da favela.
Além disso, o processo de elaboração e construção do prédio mostra-se como mais uma experiência enriquecedora dessa obra. Desde o início, o projeto tem a orientação de ponte: articula várias pessoas e grupos de dentro e de fora do Aglomerado da Serra em uma mesma ação, ativando relações humanas que vão, cada vez mais, gerar novas ideias, projetos e ações — impressiona observar a capacidade magnética e aglutinadora que o centro carrega. Dessa rede cíclica de construção coletiva, criam-se teias de desenvolvimento de projetos, de captação de recursos, de execução de obras e de gestão. No centro de tudo isso: as pessoas, sobretudo aquelas que vivem e trabalham no aglomerado.
A reforma do Centro Cultural Lá da Favelinha foi ponto de partida para o desdobramento de outros projetos dentro do morro, que já estão sendo desenvolvidos pelo Coletivo Levante — grupo heterogêneo composto por moradores do Aglomerado da Serra, arquitetos, professores, engenheiros, topógrafos e designers. Essa intervenção pontual gerou impacto crescente e multiplicador no sistema urbano da favela, contribuindo para além das transformações espaciais visíveis. Numa lógica de acupuntura urbana, a reforma do centro produz a centelha de origem do processo de inovação que o define.