O presente trabalho consiste na apropriação do Edifício Garagem do Carmo, no Centro da cidade do Rio de Janeiro. Busca-se estabelecer discussões sobre a necessidade de se projetar por meio de lógicas construtivas mais compatíveis com o atual cenário de emergência climática.
O tema surge a partir de questionamentos acerca do impactante modus operandi da construção civil — ainda baseado no intensivo consumo de matérias-primas de fontes não renováveis e na alta produção de poluição, desperdícios e resíduos. Mesmo em tecidos maciçamente construídos, a prática segue priorizando a construção do zero em terrenos vazios ou a partir da demolição total de pré-existências.
Na cidade do Rio de Janeiro, ao mesmo tempo que o volume de construção de novas edificações se mantém constante — tanto através de processos de autoconstrução, quanto pela presença do capital imobiliário, existe um número significativo de edifícios desocupados ou subutilizados, principalmente na região central. Dentre eles estão alguns edifícios-garagem: edificações projetadas e construídas a partir de ideais rodoviaristas, com o intuito de seguir estritamente a função de receber veículos das demais áreas da cidade.
Em um contexto de discussões sobre uma maior compactação das cidades, a reocupação de centros urbanos já abastecidos e o desestímulo ao uso de automóvel neles, é colocada em questão a futura possibilidade de obsolescência dessa tipologia. Contrariando o paradigma de demolir para construir do zero e levando em consideração os impactos que já foram gerados para sua construção, que novas leituras poderiam ser criadas a partir estrutura de um edifício-garagem?
Nesse sentido, o presente projeto busca impulsionar reflexões e operativas em torno da importância de se olhar cada vez mais para estruturas já construídas. Ao mesmo tempo, tem o intuito de evidenciar a urgência de se propor novas lógicas projetuais e construtivas abertas a transformações programáticas e baseadas em materiais de origens renováveis.
O Edifício Garagem do Carmo é então o objeto escolhido como pré-existência. A partir dessa escolha, o projeto é dividido em três sucessivas etapas: aproximação, suporte e apropriação.
1. Aproximação: a etapa de aproximação se refere ao levantamento e à identificação das potencialidades e fragilidades da estrutura existente. Em função de ter sido construída estritamente para receber automóveis, há obstáculos a serem avaliados como as vigas inalteráveis nas fachadas e o baixo pé-direito.
2. Suporte (estrutura primária): a etapa seguinte, de suporte, abrange intervenções e adições na estrutura existente para receber o novo uso. O núcleo vazio central, por onde passam os elevadores, assume um protagonismo no projeto. As intervenções propostas estão ligadas à abertura de vãos que conectam esse espaço ao exterior do edifício para possibilitar um aumento da entrada de ventilação e de luz no interior. Já as adições se referem aos elementos fixos propostos para viabilizar a habitação no local — como a circulação vertical e a infraestrutura de abastecimento para as unidades.
3. Apropriação (estrutura secundária): por fim, a etapa de apropriação é onde ocorre a ocupação por parte dos moradores e frequentadores do edifício. Nesse momento, é introduzido um sistema de painéis fabricados em CLT que definirão os espaços internos das habitações de acordo com as necessidades dos novos usuários. A partir das dimensões da estrutura existente, é traçada uma malha — formada pelos três diferentes eixos “x”, “y” e “z” — para receber o sistema de painéis. Por serem montáveis e desmontáveis, conseguem facilmente se deslocar dentro da estrutura fixa do edifício e, assim, gerar diferentes configurações de espaço. O objetivo é permitir que essas divisões internas sejam alteradas de acordo com as necessidades dos moradores e, consequentemente, que o edifício esteja permanentemente apto a possibilitar novas adaptações.
São criados dois diferentes catálogos para guiar os futuros moradores sobre as diferentes possibilidades de ocupação — 1. O catálogo de painéis e 2. O catálogo com as diferentes tipologias — formadas a partir da utilização desses painéis. Ao todo são catalogados seis tipos de portas e vinte tipos de painéis. A partir deles, são criadas trinta metragens quadradas diferentes de unidades (dez lineares e vinte duplex) e, a partir dessas metragens, 78 tipologias diferentes (de unidades com um quarto a unidades com cinco quartos).
notas
NE — Este projeto foi originalmente apresentado por ocasião do trabalho de conclusão de curso entregue em dezembro de 2021 na Pontifícia Católica do Rio de Janeiro, sob orientação do professor mestre Carlos Eduardo Spencer.
ficha técnica
projeto
Da incessante construção à obsolescência construída. Uma proposta de apropriação para o Edifício Garagem do Carmo
local
Rio de Janeiro RJ Brasil
ano
2021
arquitetura
Arquiteta Maria Vitória Netto Martins (autora); arquiteto Carlos Eduardo Spencer (orientador)