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projects ISSN 2595-4245


abstracts

português
Este artigo tem como tema o desenvolvimento de um projeto de paisagem em um espaço sob infraestruturas de alta tensão. São propostas amenidades visando uma melhor qualidade do habitar junto à inevitabilidade do padrão de crescimento irregular.

english
This article focuses on the development of a landscape project in an area under high-voltage infrastructures. Amenities are proposed aiming to improve the quality of living in the face of the inevitability of irregular growth patterns.

español
Este artículo tiene como tema el desarrollo de un proyecto de paisaje en un espacio bajo infraestructuras de alta tensión. Se proponen amenidades con el objetivo de mejorar la calidad de vida en medio de la inevitable pauta de crecimiento irregular.

how to quote

PORTAL VITRUVIUS. Armadura da paisagem. Infraestrutura verde nas encostas do Morro da Formiga. Projetos, São Paulo, ano 23, n. 271.02, Vitruvius, jul. 2023 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/23.271/8833>.


Os deslizamentos de terra nas áreas de encostas sempre representaram um grande problema, porém, tais acontecimentos têm tido um aumento considerável nas últimas décadas, principalmente nos centros urbanos dos países emergentes. No Brasil, por exemplo, o deslizamento é um fenômeno comum em áreas de relevo acidentado, sobretudo nas encostas. Esse processo pode ocorrer em locais onde não há ocupação humana, no entanto, são mais comuns em terrenos onde houve a retirada da cobertura vegetal original, que contribui para a absorção e drenagem do solo. Tais fenômenos são desencadeados e estão ligados à forma de relevo, estrutura geológica do terreno, além da urbanização intensa e da construção de habitações irregulares em encostas acentuadas, alterando a paisagem urbana.

A desigualdade e a segregação sócio espacial vista em tais áreas no Rio de Janeiro não são frutos do acaso, mas, como já levantados por diversos estudiosos da questão urbana carioca (1), são características estruturais de seu desenvolvimento urbano marcado pelo abandono histórico do Estado em termos de serviços urbanos, como pela morfologia e topografia desses territórios, dotados de uma alta densidade e caracterizados por processos de autoconstrução de moradias.

Existe nas cidades um grande número de pessoas que habitam encostas vulnerabilizadas. Constatado pelo Censo de 2010 do IBGE, 22,03% dos 6.323.037 moradores da cidade do Rio vivem em favelas e o total de imóveis suscetíveis a alta e média probabilidade de riscos ambientais nas favelas da cidade do Rio de Janeiro, segundo levantamento da GEO-RIO feitos em 2011, chegam a ocupar 5,05 quilômetros quadrados ou o equivalente a 612 campos de futebol. Tais riscos são exacerbados pela provisão inadequada e/ou falta de infraestruturas públicas, como obras de saneamento básico e demais investimentos.

Aqui, o olhar volta-se para a favela, que se caracteriza, primeiramente, por ser um lugar que se constrói na perspectiva de suprir a demanda por habitação de parcela da população que está à margem da inclusão econômica da cidade, e sem pesquisas que acompanhem essa demanda, nem projetos adequados para intervenções de mitigação de desastres e programas de resiliência ambiental, essas áreas permanecerão e serão cada vez mais vulneráveis.

A partir desta contextualização, o presente estudo busca reforçar a compreensão das áreas verdes urbanas, como porções de extrema importância para a qualidade da vida urbana e também como objeto de interesse para a arquitetura paisagística. Pensamos que a potencialidade de um projeto de armadura de áreas verdes pode responder a esses problemas, além de permitir o acesso a elas em lugares da cidade onde encontramos um déficit.

Com isso, este estudo se insere no debate, reflexão e proposição em espaços livres potenciais e residuais, que fazem parte dessas áreas de vulnerabilidades social e ambiental. O desenvolvimento de seus estudos e propostas serão baseadas nas Soluções baseadas na Natureza — SbN, e principalmente no conceito de direito à paisagem, como sendo, essencialmente:

“A participação das pessoas que vivem na cidade e o acesso delas aos benefícios produzidos pela urbanização. [...] A paisagem precisa ser pensada de forma a dar uma resposta a esses problemas cotidianos, inclusive os de maior gravidade” (2).

É importante ressaltar que trataremos a favela, como um espaço de realidades cotidianas, isto é, como um espaço percebido, bem como enunciado por Henri Lefebvre (3), resultado cumulativo das práticas sociais que se apropriam da cidade, expressando-se, como “lugares específicos e conjuntos espaciais próprios a cada formação social” (4).

Desenvolvimento

Temática

Especialmente neste início do século 21, observa-se que grande parte das sociedades urbanas está enfrentando um aumento acentuado dos problemas socioambientais, tanto nas grandes metrópoles mundiais como nos pequenos e médios centros urbanos, conformando uma crise socioambiental sem precedentes. A crise urbana contemporânea é, segundo Henrique Rattner (5), consequência de um modelo arcaico e irracional de ocupação do espaço urbano e protagoniza uma ampla agenda de debates acerca das mudanças ambientais globais.

As áreas vulnerabilizadas no Rio de Janeiro, sobretudo nas encostas, compõem uma grande parte da cidade que tem sido negligenciada historicamente e seus ativos não são reconhecidos. Consequentemente, sua população é sistematicamente estigmatizada por estar em um território tido como problemático.

Porém, dado que o desenvolvimento dessas áreas é necessário, e que as favelas possuem características próprias de urbanismo, é cada vez mais urgente que um novo padrão de desenvolvimento ecológico seja pensado, visando a atenuação do modelo atual, caracterizado pela globalização, predatório, especulativo e competitivo.

A pressão do uso e ocupação do solo sobre áreas de proteção ambiental, negligenciando as características naturais, sociais, econômicas e culturais da região, gera um debate entre o crescimento habitacional e a conservação da natureza (6), logo, as problemáticas decorrentes dessa incompatibilidade perpassam para os setores da organização socioespacial das cidades, conferindo ao espaço urbano diversos impasses e conflitos socioambientais, como a remoção da Comunidade de Vila Autódromo, localizada na região conhecida da Baixada de Jacarepaguá, onde a especulação imobiliária e a legislação ambiental foram as atividades geradoras de embate.

Entretanto, pode-se gerar uma possibilidade de projeto que caminhe entre a dicotomia excludente do conflito entre habitação e preservação, uma proposta em que terrenos hoje residuais, se desenvolvam de forma alternativa, tornando-se locais que potencializam processos de resiliência, criatividade e solução, através do fortalecimento de iniciativas ambientais que já estão se tornando mais comuns nas comunidades do Rio de Janeiro.

Refletir propositivamente para um desenvolvimento urbano-ambiental comprometido com as questões acima, busca contribuir na luta política para com estas populações negligenciadas, onde seu desenvolvimento foi desacompanhado de infraestruturas e onde há um déficit dos serviços públicos. É importante ressaltar que a lógica atual de ocupação das cidades é fruto do processo de metropolização e da aplicação de investimentos em infraestrutura de forma seletiva (7). Sendo assim, a população mais pobre acaba por ocupar as periferias (8) que, por vezes, são áreas de maiores riscos socioambientais.

Embasado nesses fundamentos, o trabalho tem como tema central o desenvolvimento de um projeto de paisagem em um espaço residual sob infraestruturas de alta tensão, no Morro da Formiga, localizado no bairro da Tijuca, na cidade do Rio de Janeiro, onde se busca explorar as potencialidades das iniciativas locais de resiliência ambiental. A pesquisa parte de uma escala macro, através da análise urbana do bairro da Tijuca, atravessando modelos de referência hoje existentes, e logo, chega-se a uma leitura mais próxima da futura área de intervenção, até a concepção de uma proposição de um projeto de infraestrutura verde.

Conceituação

O termo infraestrutura verde não é um conceito novo, porém passou a ser mais abrangente e empregado há pouco tempo. Seus benefícios são para que as cidades não sejam somente mais sustentáveis, mas, também para que se tornem aptas a enfrentar os efeitos causados pelos eventos climáticos extremos. De acordo com Herzog, “a infraestrutura verde contém características que permitem “intervenções de alto desempenho, com espaços multifuncionais e flexíveis, que possam exercer diferentes funções ao longo do tempo — adaptáveis às necessidades futuras” (9).

Já o conceito de Soluções baseadas na Natureza — SbN passou a ser utilizado como meio de proteção e recuperação dos ecossistemas em resposta aos problemas decorrentes da urbanização e das mudanças climáticas. As SbN se constituem de medidas que imitam os processos dos ecossistemas naturais que contribuem para melhor enfrentamento dos problemas decorrentes da rápida urbanização e dos desafios climáticos, tais como, os efeitos de calor, deslizamentos, as inundações, entre outros problemas que afetam a saúde e o bem-estar humano, objetivando aumentar a resiliência climática e regeneração urbana nas cidades (10).

As SbN podem desempenhar um papel importante nos serviços ecossistêmicos, também no que se refere à melhoria do abastecimento e qualidade da água (11). As SbN emergiram para funcionar, no âmbito das políticas e práticas de ordenamento do território, como Serviços Ecossistêmicos, visando integrar a dimensão ecológica às preocupações tradicionais de planejamento urbano e regional.

Metodologia

O aporte metodológico consta inicialmente com a identificação por meio de revisões bibliográficas das iniciativas ambientais existentes em alguns morros da cidade do Rio de Janeiro, essa pesquisa exploratória é, portanto, o principal fio condutor para a escolha da área de intervenção no Morro da Formiga, cujo território possui uma forte tradição em projetos participativos sustentáveis, visando aqui, o mesmo objetivo: a construção de um processo que se constitui juntamente com população envolvida.

Vale ressaltar que devido ao contexto da pandemia do Covid-19, o processo de levantamento em trabalhos de campo e na interlocução com a população local foi afetado, fazendo com que outras possibilidades de pesquisa surgissem, sendo a principal delas o contato online com associações de moradores e residentes do local, além da produção de dados, como cartografias de análise das vivências dos projetos na região.

O processo do estudo se deu a partir da análise histórica do processo e padrões de urbanização da Tijuca, relacionando-o primeiro com a cidade do Rio de Janeiro numa escala macro, a fim de identificar particularidades em relação ao relevo, os principais acessos e fluxos, e depois a partir de mapas de zoneamento e áreas de proteção ambiental do bairro numa escala média.

Como próximo passo, busca-se entender o entorno e a comunidade em que o terreno escolhido para a implantação do projeto está inserido, investigando e analisando as dinâmicas sociais, iniciativas comunitárias e necessidades, instituições atuantes no local e equipamentos urbanos presentes, passando também por referências projetuais que tratem da paisagem com uma abordagem sistêmica, mas que tenham em seu eixo fundamental as dinâmicas sociais locais.

Contextualização e análise da área de estudo

O bairro da Tijuca está localizado na Zona Norte da Cidade do Rio de Janeiro, possui 163.805 habitantes (12), o maior número da Zona Norte e está entre os bairros mais antigos, tradicionais e populosos da capital fluminense.

O bairro está situado na Área de Planejamento 2 — AP2, e dentro desta, na Região Administrativa da Tijuca, junto com os bairros da praça da Bandeira e Alto da Boa Vista. Atualmente as principais vias de acesso são da avenida Heitor Beltrão e Maracanã, que interliga a praça da Bandeira à Usina, sendo uma grande via de ligação da Tijuca ao Centro além das principais ruas como rua José Higino, Conde de Bonfim, rua Uruguai e rua Doutor Satamini. A região também é atendida pela Linha 1 do Metrô Rio através de quatro estações: Afonso Pena, São Francisco Xavier, Saens Peña e Uruguai.

Armadura da paisagem. Infraestrutura verde nas encostas do Morro da Formiga, axonométrica explodida território da tijuca e seus aspectos urbanos, sociais e biofísicos, Rio de Janeiro RJ Brasil, 2021. Arquiteta Larissa de Paula Scheuer
Elaboração Larissa de Paula Scheuer

A Tijuca, território que compõe o estudo de caso deste trabalho, existem diferentes ocupações em morros, como o Morro do Borel e Trapicheiros, e ambos carregam valores da paisagem determinantes nesta pesquisa, porém a ênfase aqui escolhida se volta para o Morro da Formiga, devido ao envolvimento já existente das pessoas que ali residem em projetos ambientais.

O lugar

Segundo dados do IBGE, o Morro da Formiga conta com, em média 4.312 habitantes e está situado no bairro da Tijuca, aqui antes estudado, no Rio de Janeiro.

Além disso, a comunidade possui três vias principais de acesso, a rua 18 de Outubro, Medeiros Pássaro e rua da Cascata, todas começando na rua Conde de Bonfim, altura do número 910.

Nos próximos tópicos, o presente estudo tem como objetivo se debruçar nos aspectos urbanísticos, dinâmicas biofísicas e socioculturais da comunidade, que possui uma rica tradição em projetos que perpassam esferas ambientais e culturais.

A composição de zoneamento interno da comunidade se conforma na divisão de oito áreas, são elas: Bazanha (B), parte inicial e à direita do morro; Cascata (C) e Niteroizinho (N), com acessos pela rua da Cascata; rua 1 (R1), rua 2 (R2) e rua 3 (R3), sendo as principais áreas próximas da área de estudo e Vila Rica (VR) juntamente com Coruja (CJ), conformando a parte superior do morro.

Os principais meios de transporte do morro, devido à sua topografia que dificulta o acesso a pé acontecem através de veículos motorizados, como motos e vans, sendo o principal ponto destes meios localizado no início da rua Medeiros Pássaro.

Além disso, nota-se a presença considerável de equipamentos urbanos de educação, como creches e escolas distribuídas ao longo de todo território. No mapa ao lado é possível identificar que três desses equipamentos estão na rua Castelo Novo, via importante de acesso à comunidade, assim facilitando a acessibilidade da população a tais lugares.

Uma característica vista nesses equipamentos na comunidade é a flexibilidade de usos. Principalmente as escolas e creches são usadas para além das aulas, mas como também espaços de reuniões entre moradores, eventos culturais e lazer.

Nesse contexto, com o objetivo de entender como os espaços de lazer estão inseridos no local aqui estudado, foram identificadas três principais praças no território. No setor Cascata, a praça da Cascata, a praça Zé Flamengo, no setor Niteroizinho e a praça da Bíblia, identificada na região da Coruja. Todas elas contam com equipamento infantil de recreação, porém, todas estão com avarias e a falta de acessibilidade para idosos e pessoas com deficiência foi uma característica presente em todas elas.

De acordo com Marcelo Paula de Melo, Marcelo Siqueira de Jesus e Diogo Van Bavel Bezerra (13), ter um parque ou praça pública próximo da residência ou a pequenas distâncias é um fator que tende a influenciar nas possibilidades de uma melhor vivência de sociabilidade. Entretanto, isso só se concretiza se esses equipamentos tiverem mínimas condições de uso, com manutenção, segurança e limpeza adequada. Por isso, torna-se necessária a atenção com os espaços públicos, visando uma maior conservação e assim possibilitando a vivência que contribui para integração entre os moradores do Morro da Formiga.

Já o padrão predominante de ocupação dos lotes nas vias de chegada ao Morro é alinhado com as ruas, sendo possível enxergar com facilidade o formato das quadras, pois são áreas mais consolidadas. Essa regularidade é rompida quando adentramos no território da favela em si, sendo possível observar a disposição das casas de modo mais espontâneo devido a necessidade por espaços disponíveis, assim, sendo conformadas de acordo com a topografia, ao longo das inclinações.

Dinâmicas biofísicas: a floresta e o relevo

Marcada pela sua topografia íngreme, o Morro da Formiga tem suas curvas de níveis acentuadas a partir da rua Paulino Nogueira, desde então, sua altitude vai de forma crescente em direção à Floresta da Tijuca, localizada ao topo do seu território. Esse fator contribui para a questão da mobilidade em seu território ser majoritariamente por meio de veículos motorizados, diminuindo a possibilidade de um caminhar mais abrangente na comunidade.

Outro aspecto importante para este estudo é a passagem do Rio da Cascata, que percorre o seu território longitudinalmente, sendo um elemento de forte relação com a população, pois já foi estudado um histórico de envolvimento dos moradores na tentativa de limpeza do mesmo.

Além disso, outro elemento importante que faz parte do contexto do Morro da Formiga é o fato de seu território fazer divisa com a vasta Floresta da Tijuca. Através desta proximidade geográfica, o sentimento de pertencimento com a fauna e a flora nativa se torna memorável dentre os moradores. Além disso, atividades como a de mutirões de reflorestamento acompanhados de dinâmicas de lazer, como trilhas até algumas nascentes tais qual a do Rio Trapicheiros e Cascata, a tornam um potencial recreativo ambiental.

Como dito anteriormente, o relevo do Morro da Formiga é bastante marcante e a retirada da vegetação original pela ocupação desordenada fez aumentar os efeitos erosivos. As encostas deste e outros setores apresentam características que favorecem a rápida saturação do solo e aumento da poropressão que podem desencadear movimentações com deslocamentos de blocos ou deslizamentos de solo e rocha.

A síntese

A leitura do território do Morro da Formiga através das análises até aqui apresentadas apontaram para uma série de observações referente à escolha do recorte e como este poderia se tornar um elemento protagonista de articulação de espaços livres, podendo-se tornar um sistema que, no futuro, se espraie ao restante da região.

Devido a sua característica longitudinal, o recorte apresenta uma potencialidade de articulação entre cidade/morro/floresta, pois uma de suas divisas se conectam com a rua Conde de Bonfim, enquanto sua extremidade mais alta, vai de encontro a Floresta da Tijuca. Além disso, três vias bastante utilizadas pelos moradores passam pelo seu território, o cortando transversalmente.

Outro fator importante a ser percebido é sua relação com os poucos equipamentos urbanos presentes. É possível notar que as praças existentes estão consolidadas na região sudoeste do Morro, fazendo com que toda a população que vive em outras regiões da comunidade tenha dificuldade de acesso a tais equipamentos, mesmo que precários.

A identificação das dinâmicas dos projetos socioambientais existentes foi essencial para que possibilidades fossem criadas. Nota-se a proximidade de projetos educacionais já existentes no local, assim, a área do recorte escolhida pode servir como uma potencializadora de tantos projetos.

O recorte: dos desafios às potencialidades da paisagem

O recorte para intervenção proposto no Morro da Formiga tem aproximadamente 34.000 m², atualmente é utilizado pela Light, possuindo como característica principal a passagem de torres de transmissão de energia ao longo dele.

O terreno está localizado numa área central da região da Formiga, e através da sua característica longitudinal e íngreme, tem-se a possibilidade de criação de uma paisagem resiliente, que visa conectar e potencializar os diversos projetos ambientais já existentes no Morro protagonizados por seus moradores, ainda levando em consideração a questão principal da preocupação em se criar um projeto de mitigação de desastres naturais, como os deslizamentos, já tão vivenciados na comunidade. Com a criação dessa paisagem, a transição da paisagem natural existente da Floresta da Tijuca, localizada no topo do Morro, para estrutura urbana já consolidada e também residual das linhas de transmissão, espaços que se distinguem em forma e função, ocorreria de forma gradual, sendo benéfico para ambas as partes.

Armadura da paisagem. Infraestrutura verde nas encostas do Morro da Formiga, recorte e topografia, bem como divisões dos trechos a serem trabalhados, Rio de Janeiro RJ Brasil, 2021. Arquiteta Larissa de Paula Scheuer
Elaboração Larissa de Paula Scheuer sobre base Google Earth

Por sua proximidade com as escolas e outras dinâmicas socioculturais do local aqui apresentadas, cria-se um local democrático de encontros e trocas de saberes entre seus moradores, beneficiando não só a qualidade de vida de quem vive no local mas também daqueles que possam vir a habitar essa encosta. Além disso, um aspecto essencial para segurança da população quanto aos usos sob as linhas de transmissão de energia foi levado em consideração. De acordo com a NBR-5422, algumas exigências são abordadas no estudo, como:

— Distância mínima entre os cabos condutores inferiores e o solo, nos locais acessíveis a pedestres deverá ser de 6,80m;

— Distância mínima entre os cabos condutores inferiores e a vegetação proposta deverá ser de no mínimo 5m.

Resultados e discussão

Diretrizes

Conforme indicado nas etapas anteriores deste estudo, é possível estabelecer diretrizes e intenções projetuais através das análises de contexto da região e elaborações espaciais da área de recorte. Através das pesquisas feitas e recuperando os conceitos abordados no início deste trabalho como Soluções baseadas na Natureza e infraestrutura verde, busca-se oferecer um projeto de paisagem onde são propostas amenidades ecológicas, econômicas e culturais, visando uma melhor segurança e qualidade do habitar propiciando, dessa forma, benefícios ecossistêmicos e sociais para o recorte e seu entorno. Também, faz-se necessário o entendimento que tais diretrizes devem ser pensadas como um sistema, onde todos os meios de aplicação contam com sua melhoria atingida uma vez que trabalhem juntos com os outros.

Como intenção de projeto elenca-se três principais diretrizes: articular, preservar e potencializar. Onde:

  • Articular: promover a costura entre elementos atualmente fragmentados, atuando na ligação da ocupação urbana e dos espaços livres;
  • Potencializar: aumentar o território de ação dos projetos socioambientais existentes na área, além de fomentar os espaços verdes e a vegetação atual;
  • Preservar: proteger a vegetação nativa, tão importante para a região, além de resguardar os corpos hídricos, fauna e saberes socioculturais.  

Armadura da paisagem. Infraestrutura verde nas encostas do Morro da Formiga, diretrizes projetuais, Rio de Janeiro RJ Brasil, 2021. Arquiteta Larissa de Paula Scheuer
Elaboração Larissa de Paula Scheuer

O projeto

Para a construção das análises sócio espaciais anteriormente vistas, optou-se por uma divisão esquemática por trechos, visando uma aproximação mais didática. A divisão foi fundamentada por uma junção e conexão de características específicas, ou não, de cada área, como usos e relevo, bem como suas interrupções por vias de acesso.

Entretanto, faz-se importante salientar que a proposta é tratada projetualmente de forma contínua, sendo tais divisões uma somente uma estratégia como um primeiro estudo espacial do recorte como um todo.

A escolha do recorte também visa ser um modelo de ações que incluam o caminhar como lógica projetual, junto às Soluções baseadas na Natureza, de forma que seja possível replicabilidade das suas intervenções em áreas menores, com maiores índices de deslizamentos.

Armadura da paisagem. Infraestrutura verde nas encostas do Morro da Formiga, ações projetuais do recorte, Rio de Janeiro RJ Brasil, 2021. Arquiteta Larissa de Paula Scheuer
Elaboração Larissa de Paula Scheuer

Trecho 1

A característica principal do trecho 1, ligado à Conde de Bonfim é o convite que se faz ao caminhar e ao adentrar à floresta. O rio ali antes escondido, se mostra vivo e o percurso junto a ele é formado por caminhos de decks e passarelas, juntamente com uma praça na sua área central.

O alargamento do leito do Rio da Cascata, juntamente com a criação dos jardins filtrantes, foram intervenções feitas a fim de acomodar um maior volume, além de retardar a velocidade do recebimento das águas da Formiga.

Trecho intermediário do projeto ligado pela plataforma contínua ao trecho 1. Tem como sua maior característica a ampliação do projeto Hortas Cariocas, junto a ele uma área de viveiro de mudas, um espaço de apoio com suporte às ferramentas de jardinagem, uma praça para reuniões e atividades diversas e um mirante que vai de encontro à cascata, estimulando, assim, um maior contato das crianças com a água e seus sistemas azuis.

Trecho 3

Trecho de conexão da Floresta para a Formiga, promovendo espaços educativos que ampliem os projetos já existentes, valorizando a cultura e a vegetação da região através do engajamento da comunidade na execução e manutenção dos Sistemas Agroflorestais, além da conscientização de separação de resíduos sólidos. A área é conectada por caminhos que se alternam entre britas, madeira junto ao solo, reforçando o percurso como a lógica do projeto, além de contar com sistemas de jardins filtrantes, biovaletas e uma bacia de detenção como campo de futebol.

Os Sistemas Agroflorestais buscam replicar os processos que ocorrem naturalmente, compreendendo o funcionamento do ecossistema original no local. Baseiam-se na sucessão natural (onde uma forma de vida dá lugar a outra, criando condições ambientais satisfatórias) e inserem espécies de interesse para o homem no sistema de produção e as necessidades ecofisiológicas das espécies (14).

Utilizando os princípios e dinâmicas da sucessão natural e da estratificação, após o cuidado do solo, é possível criar um ambiente propício para maior biodiversidade e qualidade das espécies.

Periodicamente, as espécies do sistema são podadas e as podas permanecem dentro do sistema em forma de matéria orgânica para a cobertura superficial do solo. Essa biomassa gera inúmeros benefícios, pois evita a erosão, retém a umidade no local, nutre o solo e favorece o desenvolvimento de micro-organismos benéficos.

Além dos SAF’s, toda a topografia do recorte conta com um sistema de recebimento das águas por meio de pisos permeáveis, jardins filtrantes e biovaletas, cortando todo o trecho transversalmente.

Um plano para toda a Formiga

Além das intervenções propostas nos recortes aqui mostrados, há também a urgência de que as tipologias usadas no corredor verde principal sejam replicadas em áreas com maior índice de deslizamentos no território da Formiga, vide Mapa indicativo de áreas potenciais e bacias de evapotranspiração, onde terrenos potenciais de intervenções são indicados.

Por fim, além das questões descritas acima, este trabalho ressalta a importância do Rio da Cascata como elemento estruturante da paisagem. Dessa forma, um Plano Piloto foi feito, propondo bacias de evapotranspiração, marcadas em verde no Mapa indicativo de áreas potenciais e bacias de evapotranspiração, como intervenções capazes de tratar as águas negras oriundas do esgoto das casas, fazendo com que o lençol freático seja poupado.

Conclusão

Ao longo do processo de pesquisa, foi possível compreender a importância e o potencial que um sistema contendo as Soluções baseadas na Natureza pode trazer ao ambiente, ainda mais em tempos de emergência climática.

A abordagem do trabalho propôs além de proteger e preservar, uma visão holística que inclui proteção, melhoria, restauração e criação de novas redes ecológicas multifuncionais e conectadas entre si, relacionando a evolução da relação entre a natureza e a cidade. Inspirada e apoiada na natureza, aliando as infraestruturas verde e azul, trazendo uma melhor qualidade do habitar nas áreas de encosta.

Futuramente, a expectativa é de se prosseguir com o trabalho com o enfoque no Rio da Cascata, fazendo com que hoje, este elemento esquecido na paisagem, se torne ativo e transformador de realidades.

notas

NE — Este projeto foi originalmente apresentado por ocasião do trabalho de conclusão de curso entregue em dezembro de 2020 na Universidade Federal do Rio de Janeiro, sob orientação do professor mestre Valentín Arechaga e co-orientação da professora doutora Letícia Castilhos Coelho

1
ABREU, Mauricio de Almeida. A evolução urbana do Rio de Janeiro. 4ª edição. Rio de Janeiro, Instituto Pereira Passos, 2013; BARBOSA, Jorge Luiz. Paisagens da natureza, lugares da sociedade: A construção imaginária do Rio de Janeiro como Cidade Maravilhosa. Biblio 3W, v. 15, n. 865, mar. 2010.

2
DUARTE, Cristóvão. Direito à paisagem é direito à cidade. Entrevista concedida ao Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro. 2017.

3
LEFEBVRE, Henri. A produção do espaço. 4ª edição. Paris, Éditions Anthropos, 2000.

4
Idem, ibidem, p. 42.

5
RATTNER, Henrique. Prefácio. In ACSELRAD, Henri (org.). A duração das cidades: sustentabilidade e risco nas políticas urbanas. 2ª edição. Rio de Janeiro, Lamparina, 2009.

6
CORMIER, Nathaniel S.; PELLEGRINO, Paulo Renato Mesquita. Infra-estrutura verde: uma estratégia paisagística para a água urbana. Paisagem e Ambiente, n. 25, São Paulo, FAU USP, 2008 <bit.ly/3CXaLvZ>.

7
SANTOS, Milton. A urbanização brasileira. São Paulo, Hucitec, 1993.

8
ROLNIK, Raquel. A cidade e a lei: Legislação, política urbana e territórios na cidade de São Paulo. 3ª edição. São Paulo, Studio Nobel, 2013.

9
HERZOG, Cecília Polacow; ROSA, Lourdes Zunino. Infraestrutura Verde: Sustentabilidade e resiliência para a paisagem urbana. Revista Labverde, n. 1, 2010, p. 92-115.

10
LAFORTEZZA, Raffaele et al. Nature-based solutions for resilient landscapes and cities. Environmental research, 2019.

11
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2018.

12
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, Rio de Janeiro, 2010.

13
MELO, Marcelo Paula de; JESUS, Marcelo Siqueira de; BEZERRA, Diogo Van Bavel. Praças públicas e possibilidades lúdicas. Uma análise das praças Serzedelo Correia e Edmundo Bittencourt em Copacabana-RJ. Licere — Revista do Programa de Pós-graduação Interdisciplinar em Estudos do Lazer, v. 19 n. 1, Belo Horizonte, UFMG, mar. 2016 <bit.ly/3PFxCnf>.

14
CANUTO, João Carlos. Sistemas agroflorestais: experiências e reflexões. Brasília, Embrapa, 2017.

ficha técnica

projeto
Armadura da paisagem. Infraestrutura verde nas encostas do Morro da Formiga

local
Rio de Janeiro RJ Brasil

ano
2021

arquitetura
Arquiteta Larissa de Paula Scheuer (autora); arquiteto Valentín Arechaga (orientador) e arquiteta Letícia Castilhos Coelho (co-orientadora)

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