O projeto realizado pelo [entre escalas], escritório coordenado pela arquiteta Marina Canhadas, promoveu a construção de ambientes acolhedores, ventilados, iluminados e relacionados diretamente com os desejos dos proprietários para a transformação de um sobrado construído na década de 1940 em lar.
Casa Saracura, São Paulo SP Brasil, 2022. Arquiteta Marina Canhadas / Entre Escalas
Foto Pedro Kok
A casa implanta-se em um terreno a poucas quadras da avenida Paulista, no Bexiga. Com camadas de complexidade, o bairro é reconhecido pela riqueza cultural que envolve a ocupação por diversos grupos de imigrantes: população negra (em diáspora recente ou diáspora forçada), italianos, nordestinos, entre tantos. O imóvel resiste em meio à destruição em massa de imóveis que marcam a ocupação do bairro. No terreno a sua frente, uma escavadeira trabalha ininterruptamente para ampliar a possibilidade de ocupação por andares de estacionamento para empreendimentos residenciais com tipologias completamente diferentes daqueles existentes. Mas, mesmo diante deste contexto, o cotidiano de pessoas sentadas nas calçadas, de crianças empinando pipa, do comércio local resiste em meio aos ataques da iniciativa privada ao que há de mais interessante na região.
Casa Saracura, São Paulo SP Brasil, 2022. Arquiteta Marina Canhadas / Entre Escalas
Foto Pedro Kok
A reforma deixa visível tijolos até então escondidos em camadas de argamassa e cerâmicas de revestimento. A presença dos tijolos aparentes em todos os ambientes promove a leitura dos espaços como unidade. Nas paredes internas, pintadas de branco, os tijolos garantem uma integração e iluminação à sala, quartos e escritório. No quintal, os muros transpiram e abrigam uma vegetação que nasce espontaneamente e escala as paredes externas. Especialmente este último espaço ganhou uma transformação radical ao se retirar uma antiga cobertura de poliuretano e os revestimentos de cerâmica que cobriam os muros. Sua remoção revelou a umidade do muro dos fundos do terreno, provavelmente originário das águas de uma bacia do Córrego do Saracura no terreno. O projeto fez desta presença um elemento forte do projeto ao assumir as águas em um caminho que segue no quintal e na fonte que alimenta um pequeno tanque nos fundos do terreno. É possível entender esses gestos como uma tentativa de reforçar a relação da casa com o bairro onde se insere.
Casa Saracura, São Paulo SP Brasil, 2022. Arquiteta Marina Canhadas / Entre Escalas
Foto Marina Canhadas
Casa Saracura, São Paulo SP Brasil, 2022. Arquiteta Marina Canhadas / Entre Escalas
Foto Pedro Kok
Walter Benjamin afirmava que habitar é deixar rastros. Nesta morada, encontramos as marcas de seus moradores tanto nos objetos espalhados pela casa — fotografias, máquinas fotográficas, livros, esculturas, aquarelas — como também em decisões projetuais para as práticas domésticas do casal. É perceptível na cozinha que se integra ao quintal a partir de uma janela-bancada que clareia seu interior. Ou na suíte com grandes aberturas para entrada de luz e pela marcante presença das tesouras de madeira que foram restauradas e ficaram aparentes depois da retirada dos forros de estuque. Mesmo no banheiro com vista para o muro de tijolos e sua vegetação abundante.
Casa Saracura, São Paulo SP Brasil, 2022. Arquiteta Marina Canhadas / Entre Escalas
Foto Pedro Kok
A intervenção do [entre escalas] apresenta-se de maneira estrutural, como também na escala do detalhe. Na grande sala, que foi planejada para receber muitas pessoas com frequência, um detalhe chama atenção da minuciosa do projeto. Os primeiros degraus da escada de madeira — que realiza a circulação vertical entre térreo e primeiro andar — são executados em concreto e um deles segue contínuo, transformando-se em bancada de apoio, que muitas vezes se configuram como banco para visitantes. Os barrotes e conjunto de tábuas do piso de madeira do andar superior foram mantidos como encontrados originalmente: com sentidos diferentes que revelam os ambientes originais da casa atualmente integrados.
Casa Saracura, São Paulo SP Brasil, 2022. Arquiteta Marina Canhadas / Entre Escalas
Foto Pedro Kok
A manutenção do imóvel com a função residencial, cuidadosamente adequado para atender à rotina do casal, demonstra a possibilidade de viver um edifício histórico e garante a permanência de uma determinada tipologias no bairro. Ideia semelhante é adotada ao se reaproveitar as esquadrias existentes em outros espaços da casa. Janelas, portas e janelas, madeiras e tijolos removidos de um espaço são reutilizados em outros depois de restaurados. Assim, foram preservadas peças em bom estado de conservação com economia de recursos financeiros e sem desperdícios ambientais.
A Casa Saracura foi selecionada entre centenas de obras inscritas no 9º. Prêmio Arquitetura Tomie Ohtake AkzoNobel como uma referência de como atuar em edifícios históricos em um bairro que passa por uma intensa transformação e com tantas perdas. Espera-se que a leitura deste cuidadoso projeto estimule a manutenção de conjuntos tradicionais nas cidades brasileiras.
Casa Saracura, São Paulo SP Brasil, 2022. Arquiteta Marina Canhadas / Entre Escalas
Foto Marina Canhadas
Casa Saracura, São Paulo SP Brasil, 2022. Arquiteta Marina Canhadas / Entre Escalas
Foto Pedro Kok
