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O cenário bucólico da rua revela um bairro popular de outrora e com dinâmicas locais, como trocas entre vizinhos e percursos a pé. É provável que muitos leitores ao verem que se trata de um edifício de habitação de interesse social em um bairro da Zona Leste de São Paulo, quase automaticamente, imaginem um cenário atrelado à periferia — no contexto de marginalidade, violência e ineficiências de infraestrutura pública. Por outro lado, leitores mais aventurados nesse lado da cidade, ao verem que se trata do Tatuapé, imaginem que o projeto esteja atrelado ao contexto da especulação imobiliária. A verdade é que se trata de uma região complexa que, em primeiro lugar, não está na periferia da metrópole. Em segundo, a produção imobiliária da região mais próspera da Zona Leste, centralizada no Tatuapé, não se dá somente por arranha-céus de altíssimo padrão e lajes corporativas.
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O PB 420 é um edifício de habitação de interesse social, localizado em um terreno de 7,5m x 25m, próximo da Estação Carrão do Metrô, bairro do Tatuapé, na Zona Leste de São Paulo, Brasil. São três pavimentos, sendo dois apartamentos no térreo e três apartamentos nos demais andares. No total, oito unidades habitacionais em quatro tipologias diferentes. Os dois apartamentos térreos têm áreas de 38m² e 51m² com jardim, e os apartamentos dos pavimentos superiores 35m² e 42m² com varanda. Pensando em maior eficiência construtiva, em termos de tempo e economia, o edifício foi construído em alvenaria estrutural. Outra escolha interessante foi manter aparentes as instalações prediais, tanto nas áreas comuns como dentro dos apartamentos. Ou seja, não estão escondidas dentro das paredes. Além da questão estética, esta opção facilita futuras manutenções e instalações, evitando a necessidade de quebrar paredes nestas ocasiões.
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Nos pavimentos superiores a circulação é aberta, e dali se vê o jardim do pavimento térreo e a entrada do edifício. Buscando assim recuperar a relação de convivência e troca entre os vizinhos nestas áreas comuns, como acontecia e acontece ainda nas antigas vilas da região. Este recuo nos pavimentos superiores e o jardim no térreo também trazem luz, verde, respiro para a circulação e para a entrada do edifício. No térreo, um bicicletário propõe estimular o uso do transporte por bicicleta, já que o prédio está a poucos metros da ciclofaixa que leva até o metrô. Em relação à materialidade e cor, exploramos a paleta escolhida (cinza, branco e vermelho) em alguns materiais e texturas diferentes, como o muro de pedras da fachada, e os elementos metálicos em vermelho.
A cidade enquanto complexidade sociocultural, política e econômica, tem camadas que, em regiões como essa, conhecidas nos livros de história e de urbanismo como antigos bairros operários vinculados ao período de industrialização do início do século 20, se colocam em contradição a todo momento. É o lar de uma enorme diversidade de grupos sociais que formam as classes médias urbanas, desde seus estratos mais populares até aqueles que atualmente formam novas elites dirigentes. Em outras palavras, para falar do Tatuapé, da Vila Carrão, da Vila Formosa, da Penha, da Água Rasa, da Mooca, do Belém, da Vila Prudente e outros bairros do entorno, se faz necessário considerar as vilas e as fábricas antigas, mas também os sobrados geminados, os sobrados burgueses, os edifícios populares, os edifícios de luxo de diferentes momentos históricos, o comércio popular de rua, as feiras livres, as pequenas praças, os shoppings centers, as linhas de trólebus, as ferrovias, o metrô, os terminais de ônibus ou mesmo os carros de luxo que se tornaram razoavelmente comuns em ruas badaladas da região.
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Dessa maneira, o PB 420 está inserido na contemporaneidade da metrópole, em processos que colocam em cheque algumas verdades construídas sobre a cidade, seus bairros, regiões, grupos sociais, disputas políticas e dinâmicas econômicas. É um pequeno edifício construído em uma rua que materializa o que talvez tenha sido almejado, em alguma medida, para a zona mista do marco regulatório: uma vila, casas construídas em diferentes décadas, edifícios residenciais baixos e altos, igrejas, empresas variadas em edifícios de pequeno e médio porte e até uma unidade da Fatec — projeto dos arquitetos Benno Perelmutter e Marciel Peinado, originalmente para ser uma delegacia tributária vinculada à Secretaria da Fazenda, mas com projeto readequado para receber a Faculdade de Tecnologia, de administração do Centro Paula Souza.
É uma variedade de usos e formas construídas que causam provocações no mínimo necessárias às leis urbanísticas, frequentemente lançadas para discussões públicas que pouco tratam desse tipo de território e seus agentes transformadores. Megacidade com seus mais de 21 milhões de habitantes na região metropolitana, é quase sempre mostrada por meio dos edifícios de grande porte, simbolizando poder e hegemonia. Até em festivais musicais que se dizem referenciar na cidade, pouco mostram as suas escalas mais cotidianas e próximas aos seus múltiplos grupos sociais. Seja na preservação de outros momentos históricos, seja na transformação do presente, ainda temos muito o que conhecer, estudar e aprender sobre a São Paulo dos paulistanos — ou melhor, da maioria deles.