Your browser is out-of-date.

In order to have a more interesting navigation, we suggest upgrading your browser, clicking in one of the following links.
All browsers are free and easy to install.

 
  • in vitruvius
    • in magazines
    • in journal
  • \/
  •  

research

magazines

reviews online ISSN 2175-6694


abstracts

how to quote

RIZEK, Cibele Saliba. Encolhimento e morte da vida urbana em São Paulo. Resenhas Online, São Paulo, ano 02, n. 013.02, Vitruvius, jan. 2003 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/02.013/3225>.


O centro tradicional, a Avenida Paulista e o eixo nucleado pela Avenida Luiz Carlos Berrini são examinados em Centralidade em São Paulo, de Heitor Frúgoli Jr., à luz de um conjunto de temas presentes nas discussões das grandes cidades contemporâneas: fragmentação, desertificação, abandono das velhas centralidades, dualizações de toda ordem, declínio e encolhimento e morte dos espaços públicos e da própria vida urbana. A indagação de Frúgoli pretende conduzir à discussão do significado dos processos de produção da uma centralidade múltipla, da hierarquização destes núcleos de acordo com sua "novidade" ou "decrepitude", da necessidade, do desejo e da possibilidade da cidade, da pergunta sobre a cidade que nasce destes processos.

No diálogo entre estes temas e os processos em curso na cidade de São Paulo, o livro obedece a um projeto ambicioso e bastante bem sucedido de identificação de três centros paulistanos, dos atores que os produzem ou que neles intervêm, das relações entre estes atores e as transformações no espaço da cidade. Estes atores - empresários, investidores e gestores do capital financeiro (ou mesmo um único sindicato que atua no interior da Viva o Centro), por um lado, "profissionais da cidade", arquitetos e urbanistas que estão envolvidos nas discussões, projetos e intervenções urbanas, por outro - são identificados em suas relações e conflitos internos e externos, para além das grandes categorias que são figuradas na discussão das cidades contemporâneas. Assim, o "mercado imobiliário" ou "o mercado financeiro", as "novas institucionalidades", os "novos atores", "os poderes públicos", os "saberes da arquitetura e da cidade" ganham contornos nítidos, ganham voz e identidade.

Por isso os estudiosos da cidade - e da cidade de São Paulo em particular - encontrarão, no livro de Frúgoli, um material de pesquisa fértil, que permitirá um conjunto de novas indagações e rumos de investigação, assim como a rediscussão de questões já clássicas a respeito da cidade. A primeira é a relação entre espaços centrais e periféricos, visivelmente instabilizada quer pela constatação da presença ou ausência de velhos e novos elementos (veja-se o exemplo dos investimentos culturais, na região da Luz, ou a argumentação da necessidade de novos serviços para novos clientes - especialmente grandes corporações e escritórios, no vetor sudoeste), quer pela crescente ocupação dos centros tradicionais pelas populações de baixa renda - apontada como fator de degradação urbana, por excelência.

A segunda é a constatação de que a realidade metropolitana da São Paulo acaba por ser marcada pela competição entre várias centralidades. Estas centralidades em disputa dependem de investimentos reais e simbólicos de empresas e bancos, de seu dinamismo econômico, de sua força política; de atores e grupos sociais que se localizam e interferem nestas áreas, projetos e concepções urbanísticas que propõem e enunciam concepções divergentes a respeito da vida urbana, das relações sociais, da metrópole e de seus usos, dos elementos de definição e redefinição do que se entende por centralidade e por metrópole.

Estes pontos de partida, em torno das discussões recentes sobre a questão urbana se ancoram na idéia de que, apesar da fragmentação e descentralização que caracterizam São Paulo, "é impossível postular que isto signifique a perda de um `centro', mesmo que não se possa mais falar (...) em uma única centralidade, de feição tradicional e histórica. Persiste, de toda forma, a importância constitutiva do papel desenvolvido pela centralidade no contexto urbano, porém em novos termos" (p. 42). Assim, mapear, descobrir e dar corpo aos conflitos em torno da centralidade, identificando claramente atores e interesses, acaba desvendando um conjunto de processos que vinculam "projetos de centralidade em disputa, suas semelhanças e diferenças", revelando um "padrão metropolitano de redefinição da centralidade" assim como "a dinâmica social que lhe é inerente" (p. 44).

O livro se compõe de três partes dedicadas aos três centros e seus processos de constituição, assim como sua situação nas curvas ascendentes ou descendentes de apogeu e queda. O centro tradicional e a Avenida Paulista recebem um tratamento mais generoso e mais homogêneo, desdobrando-se nos quatro primeiros capítulos que se dedicam aos processos de formação, assim como à caracterização das formas de associativismo - empresarial ou "interclasses" - que caracterizam, respectivamente, a Paulista Viva e a Viva o Centro.

A terceira centralidade, em torno do vetor sudoeste de crescimento de São Paulo, é tratada mais brevemente, ainda que coloque questões muito interessantes e dimensões ainda pouco discutidas, sobretudo em relação à forma pela qual esta região e sua centralidade foram produzidas. Segue-se, então, um conjunto de conclusões que permitem uma percepção mais clara da complexidade das relações entre a cidade, seus núcleos e os atores analisados.

Uma das questões centrais no livro segue o caminho do próprio trabalho de investigação: trata-se de pensar, em relação a cada uma das três centralidades analisadas, um eixo de conflitos que, por assim dizer, alinha e desalinha atores e interesses diversos, para além de perceber as discordâncias e concordâncias relativas aos processos de manutenção, requalificação, "reparação", prevenção do esvaziamento e desertificação ou consolidação das áreas em questão.

No caso do centro tradicional, trata-se especialmente da espinhosa questão dos camelôs e de suas formas de alocação do espaço da cidade. Esta questão se mantém quando a análise se volta para a Avenida Paulista, mas muda de foco quando se trata de pensar o vetor sudoeste de crescimento da cidade de São Paulo. É interessante notar que, para cada uma das centralidades analisadas, há a figuração de um outro - camelôs e favelados, respectivamente - responsáveis por outros modos de uso da cidade e de seu espaço, sempre vinculados à esfera da sobrevivência e do domínio imperioso da necessidade. De certo modo, este eixo central de conflitos em torno da cidade põe em cena, nos três casos, a questão geral da "pobreza" e da "pobreza urbana", que ganha contorno pelas falas e matizes dos "novos atores" como a Viva o Centro, a Paulista Viva, o pool de empresários do vetor sudoeste e os urbanistas que trabalharam nas consultorias a estes movimentos e associações.

Ao final deste percurso, algumas das conclusões relativas especialmente a estes eixos de conflitos entre as novas dimensões associativas, mais empresariais do que "interclasses" (com uma única exceção - o Sindicato dos Bancários e o Projeto Travessia), quando submetidas ao exame de suas práticas, acabam apontando, para além de todas as boas intenções, para um tratamento da questão social, figurada tanto pelos camelôs quanto pelos favelados, como "caso de polícia".

No caso do centro tradicional, importa ressaltar a oposição, flagrada pelo autor nos discursos das lideranças da Viva o Centro, entre os trabalhadores - empregados e disciplinados - e o trabalho ambulante e informal, criminalizado e culpabilizado pela degradação dos espaços que ocupa "ilegalmente", desfigurado e esvaziado por seu enredamento na esfera da sobrevivência. Por outro lado, a novidade do associativismo que marca a Viva o Centro e a Paulista Viva é, ao mesmo tempo, reconhecida como parte integrante das iniciativas da sociedade civil e relativizada, pelos dilemas e aporias que resultam da combinação impossível entre cidadania e mercado no Brasil; pela hegemonia ou exclusividade de setores empresariais no interior destas formas de associação, que, nas palavras de Frúgoli, podem ser lidas como "acordos políticos articulados sob a forma de lobby" que apóiam "intervenções urbanas que dialogam bastante com interesses mais gerais do mercado" (p. 229).

Do ponto de vista dos horizontes de democratização da cidade e de suas centralidades, a situação piora consideravelmente quando o autor examina o vetor sudoeste de crescimento de São Paulo. O que se verifica, na produção desta nova centralidade, por meio da ação que combina um pool de empresários e o poder municipal, pode ser caracterizado como um exemplo empírico da "desnecessidade do público" e, no limite, da desnecessidade da cidade e de seus moradores de baixa renda, de seu caráter supérfluo.

Utilizando os dados coletados em sua pesquisa, assim como o trabalho de investigação de Mariana Fix, Frúgoli aponta, por um lado, o ideário de uma arquitetura e de uma intervenção urbana marcadas pelo caráter privado e de mercado, que ganha as qualificações de "espontânea", "voltada para a realidade", em "benefício dos usuários", no discurso do arquiteto e empreendedor responsável pela maior parte dos projetos ali executados; por outro lado, a violência de uma operação de "limpeza" e remoção de favelados marcada pelo engodo, pela manipulação, pela expulsão e apropriação, valorização e especulação imobiliária, sem falar da vigilância e interdição da presença de camelôs pela Administração Regional. Aqui, a já escassa pluralidade de atores do centro tradicional se extingue, já que poder público e empresários atuam conjuntamente, quer na expulsão da população de baixa renda, quer em operações que vincularam o vetor sudoeste da cidade a outros eixos de especulação, como a "Nova Faria Lima".

Deste modo, ao procurar os novos fenômenos e os novos atores da cidade, Frúgoli reencontra redefinições e conflitos, revisões e recomposições de uma velha questão: o caráter excludente, ainda que em graus e de modos diversos, de diferentes práticas de intervenção na cidade, permitindo que se observe o que há de velho nos novos atores e nas novas práticas que buscam constituir ou requalificar e reparar as centralidades da cidade.

nota

Texto originalmente publicado no Jornal da Tarde, Caderno de Sábado, 26 de agosto de 2000. Reprodução proibida sem autorização da autora.

sobre o autor

Cibele Saliba Rizek é professora do Departamento de Arquitetura eUrbanismo da Escola de Engenharia de São Carlos/USP. Pesquisadora doCentro de Estudos dos Direitos da Cidadania

comments

newspaper


© 2000–2024 Vitruvius
All rights reserved

The sources are always responsible for the accuracy of the information provided