João Álvaro Rocha apresenta-se de uma forma muito discreta nesta monografia.
Podemos observar os projetos mais significativos de um breve mas intenso percurso que levou a obra de Rocha a definir parte do controverso e intrincado desenho que hoje define a arquitetura portuguesa contemporânea.
Francesco Craca, responsável pelo texto, subdivide o múltiplo trabalho do arquiteto em diferentes seções: Habitações Unifamiliares, Edifícios de Habitação Coletiva, Edifícios Públicos, Planos Urbanos: ação e interação. Percorrendo os diferentes programas, Rocha surge imediatamente como construtor coerente e firme, associando de forma inigualável os termos tradição, rigor, prática e técnica.
É o resultado de um trabalho silencioso, noturno, sob a ténue luz de uma lâmpada Naska Lux com numerosas folhas de croquis espalhadas sobre a prancheta. Não é raro depararmo-nos com Rocha, solitário e a qualquer hora do dia, desenhando um detalhe ou raciocinando atentamente sobre a forma de resolver de maneira mais “simples” o complexo compromisso próprio da “tectônica” do projeto.
José Manuel Pozo, na sua introdução ao texto, interpreta o gesto de Rocha: silencioso, calmo, aparentemente simples. Respeitar o território e reconhecer o papel protagonista do lugar, constitui a premissa de uma atividade que parece inspirar-se no anonimato. O projeto dissimula-se para fazer parte da paisagem através do uso dos materiais existentes na envolvente. Os pormenores são simples mas eficazes, o desenho na sua totalidade mostra-se sem estranhas surpresas nem maneirismos, em perfeita harmonia com o contexto.
É nesta procura de simplicidade e de exclusão do supérfluo que fica evidente a coerência e a técnica do seu trabalho. Técnica e não tecnologia, como refere Francisco Mangado: um diálogo através de materiais e formas, sem o uso de produtos standard ou de revistas técnicas. Os pormenores construtivos não são casuais, estabelecem-se na interação com o projeto diferenciando-se nas várias necessidades formais e funcionais. Minimalismo talvez, mas percebido como sinônimo de decantação, investigação, e processo determinado em resolver problemas complexos através do uso da sensibilidade e cultura.
Obras e projetos alternam-se demonstrando todos os pressupostos característicos de um percurso marcado pelo seu início na Escola do Porto. Refiro-me em particular à obra mais antiga (Casa I e II em Vermoim, Maia) na qual o “moderno português”, orientado pela entusiasmante obra de Siza, professor na época, influencia inevitavelmente o jovem arquiteto. Porém, à parte desta justificável inflexão, desde o princípio é sempre clara uma procura de uma identidade específica.
É com o edifício do ICP e com o Complexo Veterinário do LNIV, construídos imediatamente depois, que Rocha conquista maior liberdade expressiva e autonomia estilística, mantendo inalteradas todas as características típicas da Escola, mas estabelecendo uma posição de compromisso com o lugar, técnica e a linguagem européia contemporânea.
As numerosas casas espalhadas por Portugal recolhem indistintamente da paisagem circundante os elementos para a sua composição. Cores, formas, ambientes desenvolvem condições que em conjunto com as exigências específicas dos programas e forte capacidade crítica determinam as formas já divulgadas pelas publicações internacionais como a Casa de Carreço, ou a Casa da Marina. A Casa Várzea III constitui um capítulo, marcando com a mesma lógica, coerência e discrição a pequena área habitada em Vermoim, Maia. A diversidade de resultados, partindo de um pressuposto comum às três casas, demonstra além da sucessão temporal um evidente desenvolvimento do grau de maturidade.
O tema da habitação colectiva e em particular econômica, é tratado em Rocha atualizando escrupulosamente os princípios datados do antigo programa SAAL, no qual participou a primeira geração da Escola do Porto. Importância do contexto, economia de meios, e a atenção prestada aos aspectos sociais construíram numerosos edifícios do programa PER da Maia, tornando-os num exemplo acabado da compreensão de princípios como modulação, rigor e precisão. A contraposição entre amplas janelas em banda numa das fachadas, e pequenas aberturas pontuais na fachada oposta, denunciam imediatamente a distribuição interna, bem como a relação entre a pequena escala do pormenor e o respectivo reflexo na fachada e ainda, a consequente influência na escala urbana.
O Parque de Moutidos e a recuperação da Quinta da Gruta com o seu jardim colocam Rocha perante problemas de âmbito urbano. Intervenções pontuais, objectos quase caídos do alto, e percebidos de forma diversa em função dos diferentes percursos, compõem um excelente exemplo de Land Art Européia.
A numerosa quantidade de obras e projetos respondendo a diversos programas citados neste livro, definem-se como base de um trabalho recentemente começado, mas que por número, empenho e coerência, denota uma capacidade crítica madura. Os textos no seu interior são de Antonio Ravalli, Antonio Armesto, José Manuel Pozo, José V. Vallejo Lobete, Val K. Warke, Francisco Mangado, e do fotógrafo Luís Ferreira Alves.
[texto publicado originalmente em italiano, na seção “Books Review” de www.architettura.it.]
sobre o autorStefano Ferracini (Treviso, Itália 1974) é arquiteto formado pela Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto (FAUP) em 2002. Estudou também no IUAV de Veneza e na Universidade Strathclyde de Glasgow. Tem projetos publicados em Veneza e Porto em diversas exposições de estudantes. É vencedor do Concurso Iberico Pladur em 2001. Colaborador de João Álvaro Rocha, escreveu diversos artigos sobre a arquitetura portuguesa.