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SANTOS, Ana Carolina Melaré dos. Viollet-le-Duc e o conceito moderno de restauração. Resenhas Online, São Paulo, ano 04, n. 044.01, Vitruvius, ago. 2005 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/04.044/3153>.


Viollet-le-Duc foi um dos primeiros estudiosos que, ao pensar no conceito moderno de restauração, tentou estabelecer princípios de intervenção em monumentos históricos e uma metodologia para esse trabalho. Suas teorias e projetos sempre foram muito questionados, aceitos por muitos e combatidos por outros tantos. Apesar de sua racionalidade, lógica e coesão de idéias, sua forma dogmática e abusiva de atuar acabou por condená-lo ao ostracismo nas décadas seguintes. E somente muitos anos após sua morte é que suas teorias foram revistas e avaliadas dentro do contexto em que foram produzidas, evidenciando a contribuição do seu trabalho para o restauro contemporâneo, principalmente em relação à metodologia de projeto (importância dos levantamentos detalhados do edifício) e atuação calcada em circunstâncias particulares a cada projeto (princípios absolutos podem levar a um resultado absurdo).

Viollet-le-Duc viveu na França em uma época em que a restauração se firmava como ciência, principalmente por causa dos eventos econômicos, políticos e sociais que vinham ocorrendo por toda Europa influenciados pelo Iluminismo, pela Revolução Industrial e Revolução Francesa. A ruptura com o passado que esses movimentos geraram, propiciaram o estabelecimento de uma identidade nacional e, conseqüentemente, o surgimento do sentimento de proteção aos edifícios e ambientes históricos.

Nascido em uma família burguesa que cultivava as artes e a cultura, iniciou seus estudos em 1830, época dos grandes debates sobre as artes e arquitetura, da sistematização da formação do arquiteto e da multiplicação de revistas especializadas. Viajou pela França e Normandia (1831/1833), desenvolvendo grande interesse pela arquitetura medieval, e pela Itália (1836) onde aprofundou seus conhecimentos sobre arquitetura clássica. Constatou, ao contrapor os dois estilos arquitetônicos, que existem princípios verdadeiros por trás da adequação da forma à função, da estrutura à forma e da ornamentação ao conjunto, independente de estilo adotado.

Em 1837 surgiu a Comissão dos Monumentos Históricos, órgão de suporte para a Inspetoria Geral, que designou muitos arquitetos para a direção das obras de restauro. Em 1840 Le-Duc foi indicado pelo Ministro do Interior, por recomendação de Mérimée (secretário do Conselho de Construção Civil da Comissão de Monumentos) para restaurar a Igreja de Vézelay, o que foi uma surpresa geral, já que Le-Duc não possuía experiência nesse campo e era uma obra bastante complexa. Sua atuação bem sucedida neste projeto alavancou sua carreira aparecendo diversos trabalhos no ramo da restauração: foi convidado por Jean-Batiste Lassus a participar do concurso para restauração da Catedral de Notre Dame de Paris (o projeto foi o vencedor), atuou em diversas missões para o Serviço de Cultos (1), fez o projeto de Saint-Sernin (Toulouse) e da Abadia de Saint-Denis.

Ao mesmo tempo em que seu reconhecimento crescia por sua atuação no campo da restauração, sua obra teórica também tomava corpo, discorrendo sobre o papel do arquiteto e suas condições de trabalho e elaborando documentos técnicos que ensinavam desde técnicas medievais de entalhe de pedra e rejunte, até formas de levantamento, verificação e análise de patologias e indicação de técnicas de restauro. Nesses escritos demonstrava grande conhecimento sobre arquitetura e construção, especialmente da arquitetura medieval, e uma forte preocupação com a adequação de formas, materiais, funções e estruturas que, na concepção de um projeto de restauro, deveriam formar um “sistema lógico, perfeito, e fechado em si” (p. 17) de forma a estabelecer o “modelo ideal” e retornar o edifício a “um estado completo que pode não ter existido nunca em um dado momento” (p. 29). Para isso, fazia uma análise profunda de como teria sido feito o projeto original se detivesse todo o conhecimento e experiência da época da concepção, concebia o “modelo ideal” e impunha sobre a obra esse esquema já montado. Por isso em sua obra muitas vezes percebe-se a falta de respeito pela matéria e pelas modificações sofridas pelo edifício ao longo do tempo, pois “acertava os defeitos” buscando a pureza de estilo através da retomada do projeto original ou, como aconteceu em diversas obras, reconstituía edifícios inteiros a partir desse “modelo ideal” resultando em um edifício completamente diferente do original.

De toda sua obra escrita, o Dictionnaire Raisonné de l´Architecture Française du XIe au XVIe Siécle teve a maior repercussão e difusão, tanto na França quanto no exterior. Através do verbete “Restauração”, pode explicar a origem e o conceito do termo que até então não existia como é concebido atualmente. Como ele próprio dizia “a palavra e o assunto são modernos” (p. 29) e foi somente a partir do segundo quartel do século XIX, principalmente através da sua colaboração, que se definiu o conceito aceito atualmente. Até então, nenhum edifício havia sido “restaurado” conforme o fazemos hoje. Na Ásia, deixavam o edifício abandonado e construíam outro edifício adjacente ao primeiro. Os romanos reconstituíam de acordo com o modo admitido na época da reconstrução através da substituição de peças quebradas e os gregos davam o cunho do momento, não reproduzindo as formas anteriores do edifício onde ocorria a intervenção. O gosto pelas restaurações como renovação se manifestou sempre ao final dos períodos das civilizações nas antigas sociedades, como no final do Império Romano na Grécia ou às vésperas da Reforma de Martinho Lutero.

No começo do século XIX a Inglaterra e a Alemanha já ensaiavam técnicas de restauro sobre seus edifícios e esses princípios rapidamente se propagaram pela França. A Comissão dos Monumentos Históricos passou a utilizar o programa já adotado nesses dois países, na Itália e Espanha, cuja metodologia de trabalho dava indicações de como intervir, assinalando que cada edifício, ou parte dele, fosse restaurado no estilo a que pertencia (em aparência e estrutura), devendo-se constatar a idade e o caráter de cada parte para compor um relatório respaldado por documentos seguros (notas escritas e levantamento gráfico). Para isso era necessário ter conhecimento das escolas, seus princípios e meios práticos, assim como dos tipos de cada período de arte e dos estilos de cada época.

No Dictionnaire, Le-Duc apontou o grande preconceito que havia em relação à restauração, vista como uma “fantasia, uma moda, um estado de desconforto moral” (p. 33) pela maioria das pessoas que, na sua opinião, na verdade tinham medo de sair da zona de conforto, como se a descoberta do novo fosse uma perda da tradição. Esse preconceito se devia em grande parte à retomada e revalorização das obras da Idade Média, vista pelos estudiosos como o caminho para a identidade nacional e pelo povo como a volta àquele período marcado pela intransigência e castigo aos que saíam do caminho “correto”.

No verbete, Le-Duc descreve exemplos de algumas situações que poderiam se apresentar diante do restaurador e procedimentos passíveis de serem aplicados a elas, enfatizando que ao intervir, estando o restaurador diante de duas opções distintas de intervenção, “a adoção absoluta de um dos dois partidos pode oferecer perigos, e que é necessário, ao contrário, não se admitindo nenhum dos dois princípios de uma maneira absoluta, agir em razão das circunstâncias particulares” (p. 48/49). Ele afirmava categoricamente o perigo tanto de se reproduzir exatamente o original como de substituí-lo por formas posteriores, e deixa claro que nada deve ser encarado como um dogma, mas como algo relativo e específico de cada obra. Na prática, percebe-se que Le-Duc ao utilizar-se da constituição do “tipo” e do “modelo ideal” não conseguia atuar com imparcialidade e sem dogmatismo, pois intervinha com base em um modelo que ele considerava perfeito e adequado, e propunha soluções que não respeitavam o edifício, suas marcas, sua história e suas peculiaridades, mas que satisfaziam apenas a pureza de estilo que ele próprio determinava.

Em meio aos exemplos, Le-Duc levantou diversas questões quanto a obras mutiladas, substituição de materiais e recuperações estruturais, propondo o refazimento em estado novo, no estilo próprio e escala do monumento (sem alterar as proporções), de porções das quais não restasse traço algum, a substituição de toda a parte retirada por materiais melhores e mais duráveis e meios mais eficazes, aperfeiçoamento no sistema estrutural para suprimir deficiências. Pregava o indispensável conhecimento do que ele chamava de “temperamento” do edifício:, que nada mais era que a combinação da natureza dos materiais, qualidade das argamassas e do solo, sistema estrutural (pontos de apoio vertical e uniões horizontais), peso, concreção das abóbadas e elasticidade das alvenarias. Para esse completo entendimento, o restaurador deveria ser um construtor hábil e experiente, que conhecesse todos os procedimentos de construção admitidos nas diferentes épocas da arte e escolas.

Quase ao final do verbete, Le-Duc levanta outras questões pertinentes ao trabalho de restauração como a utilização do edifício como a melhor forma de conservá-lo, a importância da fotografia nos estudos científicos, como forma de fornecer documentos que pudessem ser sempre consultados e meios para justificar as ações, e a importância e presteza dos operários nos canteiros de restauração. Mais uma vez aponta a importância da investigação científica e do perigo das hipóteses quando diz que “é necessário, antes de começar, tudo buscar, tudo examinar, reunir os menores fragmentos tendo o cuidado de constatar o ponto onde foram descobertos, e somente iniciar a obra quando todos os remanescentes tiverem encontrado logicamente sua destinação e seu lugar” (p. 69). Um julgamento sem a certeza total pode levar a uma seqüência de deduções que afastam a restauração da realidade.

O que é importante lembrar e atentar na obra de Viollet-le-Duc é a atualidade de muitas das suas formulações e sua aplicabilidade nas intervenções de restauro atuais: a restauração tanto da função portante do edifício como de sua aparência, o estudo do projeto original como fonte de conhecimento para resolução de problemas estruturais, a importância dos levantamentos detalhados da condição existente, a reutilização do edifício para sua sobrevivência e, principalmente, a atuação baseada em circunstâncias e especificidades de cada projeto, pois como Beatriz Mugayar Kül coloca em sua introdução “restaurar não é apenas uma conservação da matéria, mas de um espírito da qual ela é suporte”.

notas1Até a separação definitiva da Igreja e do Estado no século XIX, as igrejas eram restauradas pelo “Serviço dos Cultos”, que possuía sua própria equipe de trabalho. Os monumentos ditos “pagãos” ficavam sob a responsabilidade da Comissão de Monumentos Históricos. Posteriormente os grupos foram unificados e passaram a atuar sobre todos os monumentos.

sobre o autorAna Carolina Melaré dos Santos, arquiteta e urbanista formada em 2001 pela FAUUSP e pós graduada em Administração de Empresas pela FAAP em 2003. Atualmente atua em uma instituição bancária com gerenciamento de projetos e cursa pós-graduação na área de Restauração de Patrimônio Histórico na Universidade Cruzeiro do Sul – UNICSUL.

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Restauração

Restauração

Eugène Viollet-le-Duc

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