Na Europa, a inserção das áreas verdes já fazia parte da estrutura organizacional de suas cidades desde a Antigüidade. Quem afirma é Carlos Terra em seu artigo “Influências externas para a arborização no Brasil”, que integra o livro Arborização. Ensaios historiográficos.
Terra refere-se à ocorrência de bosques sagrados na Antiguidade clássica. Cita documentos iconográficos da Idade Média que mostram como a árvore frutífera e as ervas medicinais estiveram presentes na estrutura monástica, indicando como exemplo o Mosteiro de Saint Gall, na Suíça, que se utilizava de um pomar-cemitério em área anexa.
O jardim italiano, que teve grande influência no paisagismo europeu durante o Renascimento e o Maneirismo, caracterizou-se inicialmente por sua forma racional, com árvores de pequeno porte em que era utilizada a arte da topiária. Só num segundo momento, foi que passaram a predominar as massas vegetais de maior porte e volumes significativos. Nesta época, Leoni Alberti em seu tratado De re aedificatoria, chega a estabelecer bases teóricas para os jardins italianos.
Porém, o paisagismo associado aos castelos e aos espaços públicos só se destacou de fato, a partir do século XVII, com os jardins barrocos de André Le Notre para o Castelo Vaux-le-Vicomte e para o Palácio de Versailles. Os jardins franceses, que se caracterizavam por mostrar a natureza dominada pelo homem, prevalecendo a geometria e a uniformidade simétrica, com uma perspectiva visual acentuando a idéia da monumentalidade, tornam-se então a referência para o paisagismo em todo o mundo.
No século XVIII porém, em conseqüência do movimento de artistas e intelectuais em prol da natureza, destacou-se o jardim inglês, com seus elementos sinuosos, românticos. Esta nova linguagem, que trazia um outro modo de pensar e reproduzir a paisagem natural, repercutiu fortemente sobre o jardim francês.
Terra faz uma importante análise da influência do modelo inglês sobre as transformações que ocorreram ao longo dos séculos XIX e XX no conceito dos parques públicos, com conseqüência sobre a paisagem urbana das cidades européias que passaram por reformas urbanas significativas depois do impacto causado pela revolução industrial. Com riqueza de informações, são apresentados os parques franceses que absorveram este novo modelo de incorporação da natureza ao tecido urbano, com destaque para os grandes parques que se constituíram em elementos chave da reforma urbana de Paris, Bois de Boulogne e Bois de Vincennes.
A investigação desenvolvida por Rubens de Andrade e Jeanne Trindade em seus artigos, respectivamente, A Construção da Paisagem Urbana no Brasil e O Século XX e a Consolidação do Elemento Arbóreo no Desenho Urbano das Cidades Brasileiras, tem como base as influências européias analisadas por Terra. Desta forma, os três artigos se complementam, o primeiro apresentando as origens e os outros dois, a gradativa inserção da vegetação no espaço urbano brasileiro desde o período colonial ao fim do século XX.
Rubens, utilizando-se de valioso material iconográfico, mostra como a introdução da vegetação nas cidades coloniais se deu num tímido processo em que a árvore era um elemento muito mais circunscrito à paisagem natural do que à organizada pelo homem. Destaca porém, algumas ocorrências importantes, que se constituíram em exceção ao que era praticado na época:
- o Palácio de Nova Friburgo em Recife (1642), com seu belo jardim onde o elemento vegetal se destacava por sua disposição formal e função definida. A ação de Maurício de Nassau porem, não se consolidou como um ideário de organização urbana, nem mesmo em Recife, a obra do arquiteto italiano Antonio Landi em Belém, a partir de 1753, por sua contribuição como naturalista identificado com a paisagem amazônica; além de diversas outras atividades, foi o responsável pela introdução da mangueira no Pará, vegetação que no final do século XIX veio a caracterizar a paisagem urbana de Belém;
- o caráter científico dos jardins botânicos criados no Brasil, começando em Belém (1796), seguido pelos de Pernambuco, São Paulo, Rio de Janeiro, Olinda e Ouro Preto;
- o projeto do Passeio Público do Rio de Janeiro (1781), de inspiração no jardim francês porém, com utilização de espécies vegetais tropicais que não permitiam a aplicação da arte topiária e que resultaram em grandes copas que se tocavam, promovendo generosas áreas sombreadas que quebravam a rigidez geométrica do desenho;
- a criação no Brasil de outros dois espaços públicos em áreas centrais: o Passeio Público de Salvador (1803) e o Largo Redondo em Belém (1809), ambos com grande destaque para o elemento arbóreo em sua composição.
Rubens desenvolve instigante estudo comparativo da vegetação utilizada no projeto original de Mestre Valentim com a que foi acrescentada por Auguste Glaziou quando de sua reforma do Passeio Público do Rio de Janeiro, a partir de 1861, com traçado baseado no desenho do jardim inglês, então em voga na Europa, como assinalou Terra. Conclui afirmando que “entende-se que as transferências de modelos externos na criação de espaços livres de nossas cidades, em função da arborização, em geral se adaptaram às características próprias de nossa paisagem. [...] Talvez seja esse um dos fatores decisivos para julgar o grau de distanciamento criado entre a forma de uma paisagem pretensamente nacional e aquele modelo externo que teimou em não se disciplinar na imagem de nossas cidades”.
Na segunda metade do século XIX porém, com as medidas adotadas em todas as cidades brasileiras relacionadas à higiene, à salubridade e ao embelezamento urbano, a questão da arborização urbana adquire outra dimensão, em que a árvore se torna elemento fundamental na estruturação dos espaços públicos, seja por seu aspecto estético, funcional ou morfológico. Rubens se detém sobre importantes medidas adotadas em diversas cidades, principalmente Belém, sua cidade natal, de onde traz preciosas informações, como o Plano de Arborização de 1897-1902.
Jeanne Trindade dá continuidade ao tema e ao foco temporal, analisando outras experiências urbanísticas ao longo do século XX nas quais a vegetação se consolidou como elemento dominante. Traz uma excelente contribuição ao estudo da arborização urbana no Brasil, relacionando as espécies vegetais predominantes nas diversas cidades em cada momento.
Cita uma intervenção urbanística inovadora para a época, o Jardim América em São Paulo, que infelizmente não teve continuidade e que se baseava no modelo de cidade-jardim, do inglês Ebenezer Howard. Entre as primeiras áreas de lazer que surgiram no começo do século XX, decorrentes do novo modelo de desenho urbano das cidades brasileiras, Jeanne destaca o parque linear que margeava a orla das praias de Santos, finalizado na década de 30 e que acompanhava o estilo eclético dos parques urbanos do Rio de Janeiro.
Experiência revolucionária na relação árvore – cidade, foi a preconizada pela Carta de Atenas, contribuição dos urbanistas modernistas europeus, liderados por Le Corbusier, que reunidos no 4º CIAM redigiram a Carta de Atenas: “Doravante todo bairro residencial deve compreender a superfície verde necessária à organização racional dos jogos e esportes das crianças. [...] Os volumes edificados serão intimamente amalgamados às superfícies verdes que os cercam”.
Abriu-se assim espaço para a implantação do projeto de Lúcio Costa (1957) para Brasília, no qual a cidade é considerada como um grande parque urbano em que se inserem o sistema viário e as edificações.
Ao longo do século XX, diversos parques urbanos foram se formando, destacando-se em sua implantação a fundamental contribuição de Roberto Burle Marx para o paisagismo no Brasil. À sua experiência de paisagista associada aos arquitetos modernistas no Palácio Gustavo Capanema, seguiram-se dezenas de projetos em que “a cada curva, relevo ou textura descobrem-se novos contrastes de grande impacto visual que dão dinamismo ao seu trabalho. As formas, as cores, as texturas ganham uma importância extraordinária em seus projetos”, como tão bem analisa Jeanne.
Nesses parques, a árvore passou a ser um elemento chave do projeto. Jeanne deu destaque ao Parque do Flamengo, no Rio de Janeiro, que se tornou um dos projetos mais emblemáticos de Burle Marx. Trata-se de concepção de parque urbano totalmente inovadora para a época, em que duas grandes vias expressas de ligação centro-sul foram compatibilizadas com a oferta de áreas de recreação, esportivas, culturais e de lazer contemplativo, através de uma vegetação predominantemente nativa, disposta em novos arranjos, com árvores e palmeiras de formas e florações exuberantes, que levam a uma outra relação com o usuário, diferente do praticado até aquele momento.
A partir da década de 70, o aumento vertiginoso da população urbana no Brasil, acrescido da demanda por novos meios de transporte e serviços de infra-estrutura, foi responsável pelo intenso processo de verticalização das cidades brasileiras. No paisagismo urbano, destacaram-se soluções que também tiveram origem em modelo europeu do século XX: as ruas de pedestre, os calçadões, as praças com seus novos usos, os parques urbanos com funções próprias. Em todas estas soluções, a vegetação ocupa um lugar fundamental, é a partir de suas características que se desenvolve um projeto.
Os três autores, Carlos Terra, Rubens de Andrade e Jeanne Trindade respondem pela coordenação do Grupo de Pesquisa História do Paisagismo, da EBA – Escola de Belas Artes da UFRJ. Alfredo Benassi é argentino, engenheiro agrônomo, professor da Faculdade de Ciências Agrárias e Florestais, mantém com os outros três autores, relações sociais e profissionais de longa data.
Em seu artigo “El paisajismo, una voluntad en la llanura argentina”, nos transmite uma excelente contribuição de cunho teórico, apresentando um panorama do paisagismo argentino ao resgatar momentos do processo de consolidação do paisagismo como exercício profissional e como disciplina acadêmica. Benassi centra seus estudos na cidade de Buenos Aires e na região dos pampas argentinos, que segundo ele contêm as principais características paisagísticas, ambientais, sócio-econômicas, culturais e políticas do país.
A leitura de seu texto nos traz muita satisfação, pela quantidade de valiosas informações e pela constatação de que o processo argentino não diferiu muito do brasileiro, inicialmente com a incorporação do modelo francês e posteriormente do inglês, consolidando-se ao longo do século XX com o conceito de espaço verde, definindo novas funções para o espaço público urbano. Assim como no Brasil, o compromisso com a questão ambiental gerou a instituição da primeira Reserva Ecológica em Buenos Aires. E numa reflexão final sobre o futuro do paisagismo, sinaliza para a valoração do patrimônio histórico ambiental e considera que “o olhar paisagístico tem muito que questionar sobre a natureza e a cultura como dignidade de um acervo para as gerações atuais e vindouras”.
Obrigada Benassi por seus ensinamentos, principalmente neste momento às vésperas do 1º Congresso Internacional da ABAP, em que conviveremos intensamente durante três dias com nossos colegas da América Latina.
Parabéns aos três amigos brasileiros que abriram mais um espaço para divulgação de seu saber, contribuindo para preencher a enorme lacuna da bibliografia especializada no nosso campo de trabalho.
sobre o autor
Márcia Nogueira Batista, arquiteta paisagista, nos anos 70 trabalhou no Departamento de Parques e Jardins de Brasília, nos anos 80 dirigiu a Superintendência de Parques e Jardins de Salvador. Atualmente leciona na Universidade Santa Úrsula. É coordenadora do Núcleo Rio da ABAP.