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VAZ, Eduardo Verzola. O texto do arquiteto. Resenhas Online, São Paulo, ano 05, n. 060.02, Vitruvius, dez. 2006 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/05.060/3122>.


Há um grande receio em relação ao uso dos computadores para algo mais que a representação de um projeto, durante nossos estudos para resolução de um problema. Um medo até um tanto quanto ingênuo. Teme-se que a máquina venha a dominar o processo projetual, que a máquina vire o arquiteto e o arquiteto se torne apenas um gerente do processo criativo de um software inteligente de arquitetura.

Em uma primeira instância pode-se entender o computador apenas como uma ferramenta de representação gráfica que, se utilizada de maneira correta, pode ser tão útil como a régua paralela ou a curva francesa já o foram. No entanto, quando se pensa dessa maneira, são excluídas as várias possibilidades de seu uso durante o desenvolvimento de um projeto. Ou seja, por que não podemos deixar que o computador nos ajude a tomar decisões? Por que essa máquina não pode gerar algumas instâncias de um tipo, soluções para partes de um projeto, ou até mesmo criticar e tomar pequenas decisões quanto às formas mais coerentes a serem utilizadas ou as soluções técnicas mais viáveis para um projeto?

Segundo Guilherme Bittencourt (1), professor do Departamento de Automação e Sistemas da Universidade Federal de Santa Catarina, na medicina, sistemas especialistas já auxiliam no diagnóstico de algumas doenças. O sistema MYCIN, por exemplo, é um sistema especialista que tem como objetivo prover conselhos a respeito de diagnóstico e terapia de doenças infecciosas em ambientes hospitalares. O sistema inicia-se com a aplicação de um questionário, que deve ser respondido pelo usuário. Em seu banco de dados são armazenadas informações a respeito do paciente, como nome, idade, sexo, tempo de manifestação dos sintomas, resultados de exames etc. A partir dessas informações, e utilizando sua base de regras, o sistema é capaz de estabelecer um diagnóstico e propor uma terapia adequada. Ou seja, o programa propõe uma solução, o que não significa que ele comande o processo de tratamento de um indivíduo. A máquina não está tomando decisões de forma autônoma: ela ainda depende do homem, ou seja, do gerador do programa para simular o conhecimento e criar respostas.

Se fôssemos capazes de aceitar uma máquina que colabore não apenas passivamente, mas ativamente no processo de projeto, também poderíamos nos indagar quais seriam os benefícios obtidos no desenvolvimento de um software que não apenas represente, mas que também traga soluções projetuais para um problema. E a resposta não está no próprio software, mas na base teórica necessária para desenvolvê-lo, pois, acima de tudo, tal programa deverá aprender a criticar.

Contudo, a arquitetura, diferentemente da pintura, música e escultura, sofre de uma deficiência grave. Ela não apresenta uma teoria crítica que possibilite simultaneamente a análise das características formais e funcionais de um projeto de maneira satisfatória. Geralmente, quando lemos algum artigo sobre um projeto, encontramos referências às boas soluções técnicas tomadas pelo autor da obra, às características do local onde ela foi implantada e uma análise descritiva do projeto em questão. Por outro lado, não encontramos nada que nos diga quais foram os processos que geraram sua forma, qual a lógica do projetista durante o desenvolvimento do trabalho. Essa deficiência acaba se refletindo na metodologia de ensino de projeto nas escolas de arquitetura, pois o aspirante a arquiteto de certa forma entende o que é bom ou mau mas, na maioria das vezes, não se preocupa em explicitar o percurso por ele escolhido para chegar a uma solução.

Em 1990, o arquiteto e então professor de Harvard William J. Mitchell (atualmente professor do Massachusetts Institute of Technology – MIT) buscou responder às questões que envolvem a construção de softwares inteligentes para o desenvolvimento de projetos e, simultaneamente, encobrir a lacuna que existe na teoria da crítica arquitetônica. O livro, cujo título original é The logic of architecture, será em breve publicado em português, sob o título A lógica da arquitetura. A tradução de Maria Gabriela Caffarena Celani, professora da UNICAMP, incluirá notas explicativas que têm o objetivo de facilitar a leitura desta obra de grande complexidade. Nela o autor monta a base teórica para o desenvolvimento uma linguagem crítica para a arquitetura baseada na analogia lingüística das formas. Ou seja, analisa obras arquitetônicas, decodificando-as em forma de sentenças, estudando seu vocabulário e a maneira como ele pode ser usado na construção de composições, e as regras e operações sob as quais essas sentenças terão sentido funcional, técnico e formal. Segundo o autor, poderia se considerar que em um projeto, como neste texto, as frases reunidas formariam partes de uma resposta ou a construção de um raciocínio. Também, como em um texto, essas sentenças estariam impregnadas pela estilística do autor, pois como em qualquer outra linguagem seriamos capazes estudá-las de maneira a compreender as características, grafias ou formalismos de um conjunto de obras.

A metodologia utilizada pelo autor para análise de projetos de arquitetura se baseia nos trabalhos desenvolvidos por George Stiny e Gips nos anos 70 para descrever e gerar linguagens de projeto em duas ou três dimensões. Essa teoria, conhecida como gramática da forma, baseia-se na gramática generativa de Chomsky. Esse modelo é capaz de gerar formas pertencentes a uma mesma linguagem pela aplicação recursiva de um conjunto de regras ou relações a uma forma inicial. A gramática da forma já foi utilizada como método para estudo da linguagem de Giuseppe Terragni, Frank Lloyd Wright e Glenn Murcutt, entre outros arquitetos.

Contudo, Mitchell, além de utilizar a gramática da forma para caracterizar a linguagem arquitetônica dos edifícios, preocupa-se em evitar os vícios que um crítico humano pode apresentar em um texto, fugindo de interpretações baseadas em gostos pessoais, com contradições, sentenças com duplo sentido, ou seja, o que geralmente ouvimos em discursos críticos aferidos por arquitetos no meio profissional ou acadêmico. Portanto, como forma de representação de sua linguagem, ao invés de utilizar sentenças em português, ele elege a notação do cálculo de predicados da lógica de primeira ordem ou clássica. Essa ferramenta é essencial para a construção de um discurso que tem como objetivo chegar a conhecimentos verdadeiros, evitando assim as falácias tão usuais em nossos discursos.

Além de utilizar a analogia lingüística, baseada na lógica de primeira ordem, para a descrição e análise de projetos, Bill Mitchell também cria um suporte teórico para que ela possa ser executada. Conceitua o que é forma e estuda características como proporção, simetria e arranjo; nos dá subsídios para interpretarmos os mundos projetuais em que trabalhamos e a importância da escolha da mídia correta para o desenvolvimento de respostas coerentes para a resolução de um problema; define tipos arquitetônico e classes de objetos, suas características essenciais e relativas. Esses temas, tratados de maneira formidável no texto, são fundamentais para a montagem de um banco de dados de qualquer programa que tente tratar questões de projeto de forma a representar o conhecimento do arquiteto. Por outro lado, também são questões que muitas vezes passam desapercebidas durante o processo de formação, tornando-se, posteriormente, debilidades profissionais.

A lógica da arquitetura constitui-se, portanto, em um livro essencial para qualquer profissional ou estudioso que deseja fazer crítica arquitetônica, pois ambos o fazem, seja projetando, analisando obras ou ensinando. Sendo assim é interessante ressaltarmos sua importância pedagógica, como fonte de estudos, para um professor de projeto que pretende melhorar suas análises críticas sobre os trabalhos de seus alunos, evitando assim argumentações frágeis, trazendo para o aluno o auto-conhecimento de suas operações gramaticais, do seu vocabulário de formas e, também, das falhas lógicas de seu projeto. Enfim, colaborando para que os estudantes sejam capazes de construir seu raciocínio utilizando a lógica como ferramenta para a formulação de bons argumentos, seja em um projeto, seja em um discurso ou em um texto sobre uma obra. O arquiteto, como o próprio autor ressalta, deve saber comunicar suas idéias e não apenas dar respostas gráficas para um problema.

O livro pode assustar, pois não estamos habituados à leitura de sentenças construídas com notação simbólica da lógica formal, mas esse seria o menor dos motivos para interromper a sua leitura. O texto é forte e compacto, apresentando em poucas páginas diversos assuntos. Contudo, traz referências suficientes para seu entendimento e para o aprofundamento dos temas apresentados. A irreverência do autor colabora para que a leitura se torne um pouco mais agradável, mas mesmo assim, perder a linha de raciocínio de Mitchell de vez em quando é inevitável, devido à complexidade e novidade que o tema representa para a maioria dos leitores.

Enfim, a grande inovação do livro está na idéia defendida por Mitchell de que é possível entender a arquitetura como algo que podemos ler, da mesma forma como lemos as frases e parágrafos de um texto, com gramática e vocabulários próprios com os quais cada projetista escreve seu projeto. No entanto, devemos tomar cuidado com o emprego rígido e indiscriminado de “regras gramaticais” na analise de um projeto, pois em alguns momentos, no corpo do texto gerado pelo arquiteto, ou seja, em suas composições formais, ele também deve ter direito à licença poética e isso não é erro, é criação.

notas

1
BITTENCOURT. Inteligência computacional. Disponível em: <http://www.das.ufsc.br/gia/softcomp>. Acesso em 16 jun. 2006.

sobre o autor

Carlos Eduardo Verzola Vaz. Formado pela FAU-USP em 2003. Atualmente faço mestrado sobre metodologia de projeto na Faculdade de Engenharia Civil da Universidade de Campinas (FEC-Unicamp) na área de arquitetura e construção.

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