Os interessados na obra de Roberto Burle Marx têm poucas oportunidades de encontrar publicações que tragam fontes diretas sobre sua produção e sobre o contexto em que se situam suas obras. Burle Marx pouco escreveu sobre seus jardins e as publicações, de forma geral, não enfocam com profundidade suas diferentes obras nem os períodos nos quais foram realizadas.

O livro Dos parques. Um equipo, de autoria do arquiteto paisagista chileno Fernando Tábora constitui-se exceção nesse contexto. O livro apresenta relato minucioso e agradável do autor, complementado por abundante documentação fotográfica e projetos, tornando-se importante fonte de primeira mão sobre um dos períodos mais fecundos da obra de Roberto Burle Marx. Este foi o momento da constituição da firma Roberto Burle Marx e Arquitetos Associados, formada por Roberto Burle Marx e os pelos arquitetos Maurício Monte, Júlio Cesar Pessolani Zabala, John Godfrey Stoddart e Fernando Tábora. Essa equipe, que trabalhou com Roberto Burle Marx desde 1957 até 1964, teve papel fundamental no conjunto da sua produção, no entanto não é destacada em sua biografia oficial.

O livro apresenta detalhadamente os dois projetos mais importantes desenvolvidos pela equipe: o parque do Flamengo e o Parque del Este. O primeiro situado na cidade do Rio de Janeiro e o segundo, na cidade de Caracas. Ambas as obras permanecem como paradigmáticas do desenho urbano moderno, apesar da degradação que têm sofrido quer pela falta de manutenção adequada, quer pelas ingerências da especulação imobiliária e pela  irresponsabilidade de políticos (1).

Ao tratar de métodos de projetos, conceitos de desenho, problemáticas de planejamento, o livro tem, em meu entendimento, um valor adicional por apresentar-se concomitantemente como uma proposta de aprendizagem da realização de projetos na paisagem. Ele é também um trabalho de reconstrução dessas paisagens, guiado por critérios baseados nas próprias obras que apresenta. É uma extensão de um modo de ver a arquitetura da paisagem a partir de obras e de profissionais exemplares.

O livro, escrito à maneira de relato autobiográfico, leva- me a intuir o desejo implícito de Fernando Tábora de elaborar uma difícil despedida; de deixar constância de alguns temas, projetos e processos que lhe pareciam importantes; de apresentar as vivências únicas que teve.  Pode-se também ler, nas entrelinhas, a vontade de reconciliação e  de resgate de um tempo querido.

Fernando Tábora é filho de seu tempo e de seus espaços. vindo do Chile para o Brasil no ano de 1955, concretizou o desejo de muitos que “queriam experimentar a sensação de ver realizada a teoria da Arquitetura Moderna” (2). As mesmas circunstâncias que propiciaram a realização do Parque del Este, permitiram-lhe vivenciar outro momento excepcional da Arquitetura Moderna na América. Este ocorreu na Venezuela que, graças ao auge econômico, abriu os “caminhos de liberdade” a ele e a centenas de jovens profissionais estrangeiros relacionados ao desenho e à construção, formados nas melhores universidades dos Estados Unidos e da Europa.

A influência que exerceram na formação de Fernando Tábora estes períodos de efervescência cultural no Brasil e na Venezuela e a convivência com Burle Marx não pode ser minimizada. A partir de seus escritos, se deduz que o caráter interdisciplinar dos projetos, as propostas inovadoras, as novas formas de conceber paisagens precisas e evocativas marcaram sua maneira de aproximar-se do projeto. O livro nos ensina que estes anos foram importantes, pelas contínuas viagens, pelo contato com inúmeros arquitetos, artistas, botânicos, em um mundo totalmente novo, muito enriquecedor. Outra atividade foram as expedições de coletas de plantas, com uso potencial em paisagismo, em diversas áreas do território brasileiro e venezuelano. Esta é uma vivência que Tábora descreve em profundidade. Ele destaca a oportunidade que supunha esta “convivência com Burle Marx”, com os botânicos, os horticultores, os trabalhadores e os mateiros da costa ou da montanha que, pouco a pouco, iam transformando os arquitetos em um híbrido desconhecido até o momento: “o arquiteto paisagista”.

O fascínio de Fernando Tábora por Burle Marx não deixa de evidenciar-se no livro. O autor  recorda a ampla gama de interesses que Burle Marx e seus associados compartilhavam, com atividades que para um arquiteto parecia insólitas, como o redesenho de um mural, as expedições de vários dias na selva em busca de plantas nativas, o cenário para um baile de carnaval. Seu trabalho, no entanto, não parou à sombra de Burle Marx. Como se deduz pela leitura de seu livro, Fernando Tábora, ao longo dos projetos dos dois parques, foi consolidando sua formação como paisagista de modo integral. No entanto, as dificuldades em manter os dois escritórios, um em Caracas, outro no Rio de Janeiro, agravadas na década de 1960, pela guerrilha urbana em Caracas e pela ditadura militar no Brasil, provocaram a necessidade dele e de John Godfrey Stoddart  optarem, em 1964, pelo Brasil ou pela Venezuela. Como bem explica Tábora, entre voltarem a ser assistentes de  Burle Marx ou assumirem um escritório de arquitetura paisagística moderna com responsabilidade compartilhada, ambos optaram por essa última possibilidade, instalando-se definitivamente em Caracas.

A produção madura de Fernando Tábora começa com o Parque del Este e o Aterro do Flamengo, os projetos que motivam o livro e encerra-se na metade de 2005, quando veio a falecer na Venezuela onde, em 1998, como arquiteto e paisagista, recebeu o Prêmio Nacional de Arquitetura Paisagística da V Bienal de Arquitectura, Arquitetura paisajista y Diseño Urbano. Neste mesmo país, juntamente com Roberto Burle Marx e John Godfrey Stoddart, contribuiu para a construção do paisagismo moderno desde seus inícios.

À vista do livro e da lembrança da pessoa de Fernando Tábora, não posso deixar de  compartilhar a idéia de Guimarães Rosa o qual escreveu que “as pessoas quando morrem, não morrem, ficam encantadas”. O material compilado no livro tem o dom de apresentar temas importantes para Fernando Tábora, pessoa encantada e encantadora, ao mesmo tempo em que mantém o tom bem humorado característico do autor. Para ler e refletir com prazer.

notas1
Sobre os dois parques de Burle Marx, ver os seguintes artigos: BERRIZBEITIA, Anita. “Defesa do Parque del Este”. Minha Cidade, ano 9, vol. 3, out. 2008, p. 236. São Paulo, Portal Vitruvius < www.vitruvius.com.br/minhacidade/mc236/mc236.asp>; OLIVEIRA, Ana Rosa de; BARROSO, Cláudia Maria Girão. “SOS Parque do Flamengo”. Minha Cidade, ano 6, vol. 10, maio 2006, p. 162 <www.vitruvius.com.br/minhacidade/mc162/mc162.asp>.

2
TÁBORA, Fernando. “El Roberto Burle Marx que me tocó conocer”. Diario Economía Hoy. Sección Arquitectura, Caracas, 2 jul. 1994.

sobre o autor Ana Rosa de Oliveira, Pesquisadora do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro