"O historiador não é aquele que sabe, mas aquele que procura"
Lucien Febvre (1)
Vinte e nove anos. É o tempo transcorrido entre o início da pesquisa e a publicação do livro Cardozo: bibliografia de Joaquim Cardozo: vida e obra (Editora Universitária da UFPE, 2008. 289p.). O trabalho foi empreendido a partir de 1980 pela bibliotecária da UFPE Maria do Carmo Pontes Lyra, num tour de force concluído em 1984. Após sucessivas atualizações e a contribuição da também bibliotecária Maria Valéria Baltar de Abreu Vasconcelos, em 1998, Carminha – como é carinhosamente conhecida no CAC-UFPE – escreveu os agradecimentos àqueles que colaboraram com sua pesquisa. O livro foi dado aos prelos somente em 2008 – data de sua catalogação bibliográfica – e será efetivamente lançado em 8 de junho próximo.
O trabalho do bibliógrafo é árduo. Exige a uma vez conhecimento do tema tratado, disposição para extensivo labor de busca e habilidade nos contatos com outras pessoas, fontes e instituições – requisitos plenamente cumpridos pelas autoras, a julgar pela qualidade da pesquisa apresentada. A listagem de 991 referências divide-se em quatorze capítulos, separados pela forma do texto, pelo formato da documentação e por assunto. Os títulos iniciam-se por Poesia, passando por Prosa, Teatro, Fonografia, Discursos e Correspondência, e chegando a Arquitetura, O Calculista, Gameleira. Todos os temas são compostos tanto de livros e artigos em jornais, quanto de manuscritos e desenhos não publicados disponíveis apenas em arquivos. Este amplo espectro é reflexo da personalidade humanística do bibliografado – Joaquim Maria Moreira Cardozo (1897-1978).
Topógrafo, engenheiro, poeta, dramaturgo, desenhista, crítico de arte e historiador são apenas algumas das facetas conhecidas deste notável pernambucano responsável direto pelo mapeamento de parte do litoral nordestino, pela gênese do movimento moderno nas artes do Recife na década de 1910 e pelo cálculo estrutural de um sem-número de obras representativas de nossa arquitetura moderna brasileira – dentre elas, a Igreja da Pampulha (Belo Horizonte, 1940) e o Congresso Nacional (Brasília, 1958), ambos projetados por Oscar Niemeyer. Nesse nosso tempo de especialistas, a imensidão de uma personalidade como a de Cardozo gera confusão. Arquitetos e engenheiros costumam acreditar que se trata de nosso calculista maior, que nas horas vagas escrevia poesia. Literatos vivem na crença de que um dos grandes poetas de nossa literatura moderna também trabalhava com engenharia para garantir o pão. Obras como o livro de Maria do Carmo e Maria Valéria desfazem a confusão e nos ensinam que Cardozo talvez não tivesse horas vagas.
O ano de 2009 é especial para a historiografia acerca de Joaquim Cardozo. Além da bibliografia, no mês de maio foi lançado Joaquim Cardozo: poesia completa e prosa (Nova Aguilar / Massangana, 2008. 686p.), e em setembro deverá ser lançada a coletânea Forma estática- forma estética: ensaios de Joaquim Cardozo sobre Arquitetura e Engenharia (Câmara dos Deputados, 2009). Todas as publicações, invariavelmente, prestam contas a trabalhos pioneiros de Maria da Paz e Geraldo Santana – envolvidos em pesquisas sobre as obras literárias e edilícias de Joaquim Cardozo desde a década de 1960. O potencial aproveitamento e interesse de obras de referência como essas pode ser atestado pelo crescente número de trabalhos acadêmicos em torno à produção do pernambucano, dentre os quais podemos destacar a dissertação de mestrado de Elisa Fonseca, Arte e técnica na obra de Joaquim Cardozo (UFRJ, 2007).
Os vinte e nove anos de idade da pesquisa de Maria Carmen atestam a uma vez o rigor das autoras, a importância do tema e a robustez da natureza do labor empenhado. Bibliografias como esta – raríssimas na área de arquitetura e engenharia – não ficam datadas, não possuem a relevância efêmera dos estudos subjetivos/interpretativos que compõem a maioria do que se publica em teoria e história da arquitetura brasileira. É um tipo trabalho de base que está na raiz e no cerne de nossa formação cultural. É uma publicação duplamente fecunda, tanto por reabrir o campo de pesquisas bibliográficas quanto por fornecer em boa hora subsídios à pesquisa da obra de Joaquim Cardozo. É obra de referência de presença obrigatória em nossas bibliotecas universitárias.notas1
“L’historien n’est pas celui qui sait. Il est celui qui cherche“. Epígrafe emprestada de: Moraes, Rubem Borba de. Livros e bibliotecas no Brasil colonial. 2ª ed. Brasília: Briquet de Lemos Livros, 2006.
Resenha originalmente publicada em: mdc – revista de arquitetura e urbanismo em: http://mdc.arq.br/2009/06/04/cardozo-bibliografia-de-joaquim-cardozo-vida-e-obra/. O exemplar para esta resenha foi gentimente doado por Geraldo Santana.
sobre o autor Danilo Matoso Macedo, arquiteto e Urbanista (UFMG, 1997), Mestre em Arquitetura e Urbanismo (UFMG, 2002), Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (ENAP, 2004)