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LEONIDIO, Otavio. Palavra de arquiteto. Resenhas Online, São Paulo, ano 08, n. 096.03, Vitruvius, dez. 2009 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/08.096/3011>.


A publicação deste livro do arquiteto espanhol Rafael Moneo é, sob diversos aspectos, oportuna. A obra é a consolidação de curso dado no início dos anos 1990 para os estudantes da prestigiosa Harvard Graduate School of Design – escola de que Moneo foi professor e de cujo Departamento de Arquitetura foi diretor entre 1984 e 1990.

Para Moneo, a opção pela análise da obra de oito arquitetos contemporâneos se justifica na medida em que, em suas palavras, “as escolas de arquitetura deveriam prestar atenção no cenário contemporâneo, nos arquitetos que ainda não passaram ao Olimpo dos manuais”. Ainda que fruto de uma escolha pessoal, o recorte proposto pelo autor não deixa de ser coerente: reflete a concepção mais ou menos generalizada hoje de que o chamado mundo contemporâneo pode ser definido em termos de uma superação do universo moderno (superação que, por diversas razões, tem como marco histórico a Segunda Guerra Mundial). No caso da arquitetura (como também das artes em geral), o contemporâneo se identificaria com a percepção de certo esgotamento de fundamentos e esquemas formais da arquitetura do movimento moderno. Ao eleger James Stirling (1926-1992) como ponto de partida de sua análise, Moneo, coerentemente, reconhece no colega britânico “o arquiteto que nos anos 1950 e 1960 fez um esforço admirável para conferir uma estrutura nova à linguagem da arquitetura moderna”. Não surpreende tampouco que, na esteira de Stirling, sejam tratados dois dos maiores ícones do chamado pós-modernismo arquitetônico – o italiano Aldo Rossi (1931-1997) e o norte-americano Robert Venturi.

Como sugere o título, o livro não aborda genericamente a obra dos oito eleitos. O propósito de Moneo é tratar especialmente da relação entre teoria e prática na arquitetura contemporânea. Ou melhor – entre inquietação teórica e estratégia projetual. A ênfase tem como fundamento a premissa de que “o modo de abordar o estudo da arquitetura nos últimos tempos resulta mais em ensaios críticos que na elaboração de uma teoria sistemática”. Ao afirmá-lo, Moneo deixa claro como, propositalmente, ele se afasta de uma reflexão estritamente teórica.

Na prática, tal premissa serve como uma espécie de salvo-conduto. Salvo-conduto, sobretudo, para uma reflexão que, não obstante alguns momentos de grande inspiração (particularmente quando ele trata da descrição e análise formal de projetos e edifícios), é caracterizada pela insipiência teórica. Mais do que a erudição vazia (para falar do arquiteto português Álvaro Siza, por exemplo, faz referência, entre outros, a Aristóteles, Heráclito, Santo Agostinho, Fernando Pessoa e Henri Bergson), incomoda a imprecisão conceitual. As ocorrências são inúmeras, e destaco apenas duas: (1) ao vincular o “valor de instante” e a valorização da “surpresa” – características supostamente centrais na obra de Siza – à idéia de “contemplação”, Moneo inadvertidamente articula constelações estéticas e temporalidades não apenas divergentes, mas antagônicas: “contemplação” pertencendo ao domínio da idealidade atemporal clássica, ao passo que “instante” e “surpresa” pertencem a um ‘mundo da vida’ por definição anti-clássico; (2) a confusão sistemática entre imagético, figural e figurativo, como atesta a seguinte passagem: “Há portanto neste primeiro Eisenman uma resistência ao figurativismo que convém sublinhar; a geometria como alternativa à figura, à imagem”.

Não chega a surpreender, portanto, que a precariedade do aparelhamento teórico de Moneo (e, não obstante toda inquietação, o aparente desinteresse pela teoria strictu senso) acabe comprometendo a análise de arquitetos cujas obras têm um viés mais conceitual. O estudo da obra do holandês Rem Koolhaas, por exemplo, fica muito aquém de sua complexidade. Definir sua obra como um “coquetel” – “considerando que nela encontramos múltiplas referências, distintos sabores” – diz muito do comentador e praticamente nada da obra comentada. Algo, aliás, que Moneo reconhece: “Não entendo como o arquiteto [Koolhaas] que associou estrutura e planos inclinados no Kunsthal em Roterdam agora trabalhe de forma tão descuidada”. Et pour cause...

Assim, fica claro que, embora não trate de sua própria produção, Moneo de algum modo fala neste livro também de si mesmo. Afinal, trata-se de um arquiteto que, como boa parte dos oito eleitos, soube conjugar com enorme sucesso, não exatamente teoria e prática (como, inversamente, sempre procurou fazer pelo menos um dos analisados, Peter Eisenman), mas precisamente “inquietação teórica” e “estratégia projetual”. Ora, foi o compromisso atávico com o sucesso (dos projetos, das carreiras, dos escritórios de arquitetura) aquilo que sempre afastou a teoria da prática da arquitetura (e, simultaneamente, o que distinguiu esta das artes em geral, por definição desinteressadas). Pois, entendido como pensamento, o exercício da teoria só pode ser livre – livre, sobretudo, de qualquer compromisso programático com o sucesso.

Não deixa de ser sintomático nesse sentido que Moneo trate o domínio do projeto de arquitetura nos termos de uma “estratégia” – palavra que, como se sabe, advém do universo militar e que, etimologicamente, remete tanto ao alcançamento de objetivos como ao emprego de ardis e subterfúgios. Razão porque este livro – destinado em primeiríssimo lugar a jovens estudantes de arquitetura – é tão bem-sucedido quanto fracassado.

[texto originalmente publicado na revista Ciência Hoje, agosto de 2009]

sobre o autor

Otavio Leonidio, arquiteto, doutor em História, professora da PUC-Rio

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