Esse livro fala da civilização ocidental através da experiência corporal, das sensações dos homens e mulheres que habitaram as cidades desde a Atenas de Péricles até a Nova York pós Robert Moses. Neste percurso, passamos por Roma, Paris, Veneza e Londres em diferentes momentos.
O autor começou a estudar a história do corpo com Michel Foucault, no fim dos anos 1970, e podemos observar sua influência no estudo da exploração do corpo na sociedade pelo prisma da sexualidade. Apesar de colocar as questões relativas à sexualidade no tema geral da insensibilidade corporal, este livro foca a passividade diante da dor tanto quanto as promessas de prazer, “com embasamento na crença judaico-cristã do conhecimento espiritual a ser adquirido pelo corpo, mostrando como aqueles que foram banidos do Éden poderiam encontrar um abrigo na cidade”.
Começamos então em Atenas, onde o corpo nu simbolizava a autoconfiança de um povo na época de Péricles e da Guerra do Peloponeso, quando a cidade estava no seu apogeu. Esse ideal, da perfeição física, causou distúrbios que influenciaram no espaço urbano, na política e nas relações entre homens e mulheres.
Roma é a próxima parada, quando Adriano é o imperador e está concluindo a construção do Panteão. Os romanos pagãos eram submissos à visão, o que anestesiava seus outros sentidos. Eles acreditavam firmemente na geometria do corpo, isso era traduzido na concepção urbanística da cidade e na forma como o imperador governava.
Mais tarde, quando Constantino, primeiro imperador romano convertido ao cristianismo, assume o poder as crenças cristãs sobre o corpo começam a dar forma ao desenho urbano. Observamos isso, durante a idade média e o renascimento, quando o sofrimento físico de Cristo na cruz é o que dá forma aos santuários.
Ainda falando do cristianismo, mas agora em Veneza durante o renascimento, aonde o autor mostra como o povo cristão age com a ameaça de estrangeiros e povos de outras crenças, atraídos para a cidade portuária graças ao comércio. São criados guetos para os Judeus, a partir de 1516, fora da cidade com apenas uma ponte de acesso que só abria durante o dia.
Harvey, com a descoberta da circulação sanguínea no século 17, revoluciona a forma como o homem vê o corpo ainda influencia o espaço urbano. Essa é a deixa final do livro, que fala desta descoberta como estimulo para as experiências de livre locomoção na cidade. A liberdade de movimento, junto à passividade aprendida na Paris revolucionária, fez surgir cidades onde os “corpos movem-se à vontade, sem perceber a presença dos demais”. Como Londres e Nova York, cidades multiculturais contemporâneas.
Podemos concluir que a forma dos espaços urbanos deriva das vivências corporais especificas a cada povo, por isso, o entendimento a respeito do corpo que temos, precisa mudar. Talvez assim, as pessoas voltem a reparar umas nas outras, a se sensibilizar com a cidade, pois jamais seremos capazes de captar a diferença alheia enquanto não reconhecermos nossa própria inaptidão.
Ainda hoje observamos uma grande dificuldade de convivência entre as diferenças, como acontecia em Veneza no renascimento. As pessoas buscam cada vez mais seu individualismo e conforto, no Brasil temos exemplos clássicos, como o crescimento vertiginoso dos condomínios fechados, dos shoppings e de todo tipo de atividades onde as pessoas buscam se relacionar apenas entre iguais.
Como disse Freud, isso é o desejo de volta ao útero, a uma situação confortável, segura e ausente do mundo que leva as pessoas a desengajar-se. Com certeza uma atitude bem normal ao ser humano, mas não podemos nos esquecer que as dificuldades não desaparecem, apenas por procurarmos evitá-las.
nota
1
A publicação em Vitruvius aconteceu em abril de 2011, em procedimento de acerto da periodicidade da revista Resenhas Online.
sobre a autora
Patrícia Morales Bertucci é arquiteta e professora. Trabalha na Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente da Prefeitura de São Paulo e na Escola Técnica Estadual de São Paulo – ETESP.