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Paolo Colosso resenha o livro de Otília Arantes que analisa os casos das cidades de Berlim e Barcelona por meio de temas como planejamento estratégico, marketing cultural e gentrificação das cidades.

how to quote

COLOSSO, Paolo. Berlim e Barcelona. A governança urbana das cidades globais. Resenhas Online, São Paulo, ano 12, n. 138.03, Vitruvius, jun. 2013 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/12.138/4781>.


Torre Agbar e Sagrada Familia, Barcelona
Foto José Porras [Wikimedia Commons]

Foi lançada recentemente a segunda edição do Berlim e Barcelona de Otília Arantes. O livro trata das significativas mudanças pelas quais passaram as duas grandes cidades a partir da década de 1980, quando suas respectivas gestões aos poucos deixaram – cada uma a seu modo – o administrativismo característico dos trinta anos pós-Segunda Guerra, em direção a políticas onde a máquina pública ganha feições empresariais. Tendo Berlim e Barcelona como figuras ilustrativas, o livro reconstitui com acuidade processos engendrados pela governança urbana destas que hoje são global cities e traz reflexões cujos interesses estão muito além dos círculos restritos às universidades. Voltam aqui os temas do planejamento estratégico, do marketing cultural, da gentrificação das cidades e, sobretudo, do papel central da produção de cultura na sociedade espetacularizada. Os temas retornam agora por uma necessidade premente: com a Copa do Mundo e as Olímpiadas Rio 2016, cidades brasileiras tentam adentrar – não sem riscos – ao hall daquelas com grande visibilidade nos circuitos turístico-culturais e midiáticos.

Em ressonância com contribuições de David Harvey, Molotch e Sharon Zukin, Otília busca no contexto estadunidense da década de 70 as origens do modelo de urbanismo que foi posteriormente levado à Europa, para elucidar os traços característicos da cidade entendida enquanto growth machine ( a máquina de crescimento). Como destaca, nos EUA pós recessão de 73, nasceram as ideias segundo as quais gestões locais não deveriam tanto controlar o uso do solo e o crescimento urbano, mas incentivá-lo. O urbanismo, a partir de então, deixa de ser pensado na chave da regulação das forças especulativas, mas no sentido de criar condições para alavancar a economia. Assim nasceram as hoje tão conhecidas parcerias entre poder público e iniciativa privada, que nem sempre geram tantos benefícios aos cidadãos da cidade quanto lucros aos setores imobiliário, hoteleiro, turístico e de eventos culturais. Nesse quadro a “revitalização da cidade” e políticas de image-making, sugere Otília, aparecem não apenas porque a cultura é o campo fértil para expansão do capital, mas sobretudo porque são combustível na fabricação de consensos públicos, isto é, pois são dispositivos para que as cidades pareçam bem-sucedidas, dinâmicas, convincentes tanto aos investidores quanto a seus habitantes. A estetização urbana, nesse sentido, é um espetáculo com funções de marketing e de apaziguamento de tensões. Nas cidades, o turn point da cultura ganha caráter político-ideológico.

No percurso geopolítico do texto, passa-se rapidamente pelos grand projets na Paris de Miterrand – objeto de estudo de Otília na década de 90 -- até chegar às duas cidades aqui tratadas. Em relação à Barcelona, as análises resgatam os tempos gloriosos da década de 80 a meados de 90, quando a transformação arquitetônica e urbanística se transformou não apenas numa preparação para o megaevento das Olimpíadas, mas no “principal acontecimento cultural de Barcelona”. Em diálogo crítico com Montaner, o texto avalia com matização as perspectivas segundo as quais Barcelona teria tido duas fases distintas de políticas urbanas, sendo a segunda – quando ficaram mais visíveis o objetivo de fazer da cidade um ícone midiático mundial – um desvio de rota de uma primeira, com intervenções mais discretas e voltadas à criação de espaços aos cidadãos. Otília analisa os primeiros projetos de espaços públicos na área portuária, lembrando de que maneira se concretizaram ali os contextualismos então em voga. Nota como a região que, a princípio fora concebida como lugar de referências históricas e arquitetônicas da cidade, acabou por se tornar “um brica a brac de soluções materiais de todos os tipos, com citações que iam de Gaudí às ondas do mar, e passarelas avulsas que, mais do que acessos a portos pesqueiros, lembravam as de um jardim japonês” (p. 47). Já ali a história tendia a se tornar um cenário kitsch. Além disso, Otília destaca como a entrega das áreas publicas da orla são ilustrativas para vislumbrarmos a continuidade dos processos que, nos debates locais, foram distinguidos entre a fase pré e pós Olimpíadas. Ainda nos anos de 1980, a “concessão” aos restaurantes badalados, em seguida a construção do Maremagnum (1990-1995)no Moll d’España, abrigando shopping, bares, discotecas e estação marítima; entre 1990 e 1992 as torres Torre Mapfre e Hotel Arts com escultura peixe by Gehry, ambas com gabarito até então inédito na cidade; e mais recentemente Hotel W (2009) de Ricardo Bofill.

Mas Otília também atenta para as mudanças. A autora sublinha que o momento das “intervenções modestas” foi seguido por outro, onde predominou a ideia de criar “novas centralidades”. Neste a promoção da cultura reaparece no centro das estratégias: tem-se então Museu da História da Catalunha, o Museu da Cidade de Barcelona, Centro de Cultura Contemporânea de Barcelona, Centro de Artes Santa Mônica, entre outros. Talvez o exemplo mais elucidativo seja o MACBA ( Museu de Arte Contemporanea de Barcelona) de Richard Meier, instalado no bairro deteriorado de Raval como o edifício capaz de dar um start na “renovação” da área – embora sem um acervo que o justificasse. Com MACBA, CCCB, Biblioteca de Catalunya, Universidades e novas praças Raval ganha o perfil de “bairro cultural”, agora mais qualificado e bem frequentado. A respeito do Raval, Otília deixa em aberto o diagnóstico se neste houve ou não uma gentrificação enquanto estratégia de definir atividades e perfil de cidadãos que de lá farão uso e consumo. Estes processos ligados ao planejamento estratégico se tornaram mais evidentes nos bairros de Poble Nou, Vila Olímpica, na região do Fórum e, sobretudo, no distrito 22@. Nestes fica mais evidente a gestão da cidade como negócio: há uma participação mais integrada entre poder público, promotores imobiliários, incorporadores transnacionais e grandes construtoras, fazendo a limpeza de áreas degradadas, reproduzindo o solo em maior escala por meio de habitações, escritórios e hotéis “diferenciados”. Há também nesta fase a proliferação dos edifícios ícones, entre os mais recentes estão a Torre Agbar de Jean Nouvel e o Edifício do Fórum de Herzog e De Meuron.

Otília confere destaque para o distrito 22@, pois este surge como um novo fenômeno: o cluster intraurbano. A ideia do cluster consiste em concentrar, no interior da cidade, indústrias de ponta e centros de pesquisas interconectados, formando assim um pólo tecnológico com grande potencial no desenvolvimento e circulação de conhecimento, de informação e de capital imaterial. Isto tudo sem perder o caráter plural da urbe, isto é, mantendo os usos da habitação e lazer. Deste modo, a qualificação do solo visa construir um cyber district, uma urbe digitalizada, na vanguarda dos negócios globais. E segundo Otilia, vale atentarmos para o fenômeno da clusterização, pois o discurso já emplacou entre as global cities como forma de requalificação urbana e atração de grandes investidores. Quanto ao caso do 22@, ainda não se sabe se este virá a ser como pretendido por seus idealizadores. O fato é que aqui gentrificação e empreendedorismo urbano são adotados de saída, sem se remeterem a questões de políticas cívicas.

Para a autora, de fato ocorreram mudanças da fase pré-olímpica para a dos anos posteriores, no entanto estas são, antes de tudo, desdobramentos que o próprio modelo Barcelona de urbanismo havia gerado. A argumentação de Otilia se alicerça, podemos dizer, na ideia de predominância. Isto é: na segunda fase vieram à tona com predomínio e de modo mais articulado as estratégias que na primeira eram mais tímidas, incipientes e fragmentadas.

A respeito de Berlim, a autora frisa que a reurbanização da cidade ocorreu a partir de acontecimentos de maior importância histórica: a Queda do Muro e a reunificação alemã. A cidade não sediou nenhum dos megaeventos, tampouco seguiu o receituário catalão, mas estavam lá o conjunto de expedientes do empreendedorismo urbano: “megaprojetos emblemáticos; urbanismo acintosamente corporativo, nenhuma marca global ausente; gentrificações se alastrando por todo o canto; exibicionismo arquitetônico em grande estilo; parques museográficos; salas de espetáculos agrupadas em complexo multiservice de aparato – e muita, muita ‘animação cultural’ disponível para 24 horas de consumo” (p. 110). Para ilustrar sua tese, a autora se foca no maior dos projetos, o da Potsdamer Platz. Analisa de que modo em tal complexo articularam-se a ideia de mistura social – presente no imaginário político europeu dos anos 2000 enquanto medida integracionista – e as tendências mais gerais que fazem espaços públicos ganharem feições de parques temáticos. Seguindo os expedientes das parcerias, o projeto do complexo teve a participação de corporações do porte da Sony, Daimler-Benz e Brown-Bovery, além da contrapartida estatal de 5 bilhões de marcos em infraestrutura. A construção do lugar contou com a presença de muitos dos arquitetos do star system: Renzo Piano e Richard Rogers estiveram em escritórios, residências “exclusivas”, no Cassino, no Music Hall; Isozaki no Banco de Berlim, Cinemas, Hóteis; Moneo também em escritórios e no Hyatt Hotel. Deste modo, o complexo da Potsdamer Platz é lido pela autora na chave das operações que têm como modelo inicial o Rockefeller Center, cujo escopo é ser uma cidade em miniatura, uma cidade dentro da cidade. E como lembra Otília, temos como resultados dessas operações um super adensamento cultural, espaços bastante destoantes do restante da cidade e, ainda, algo em torno de um milhão de metros quadrados de escritórios ociosos. Neste sentido, para a autora ocorreu sim na Potsdamer Platz alguma mistura: de funções e atividades, mas nem de longe uma mistura social.

Otilia aponta ainda, em tom de ressalva, que a Potsdamer Platz poderia ser considerada uma tentativa de cosmopolitismo, uma “lufada de ar ocidental sadio”, quando comparada com projetos de posturas um tanto duvidosas, como o da praça dos poderes. A restauração do Reichstag, o resgate da monumentalidade e, de modo um tanto dissimulado, do gosto pelo neoclassicismo no edifício da nova chancelaria, retomam ali valores de tempos obscuros da historia alemã. E para a autora, se a Potsdamer Platz e praça dos poderes por um lado são contrastantes, por outro parecem se complementar, à medida que modernização e tradição nacional tentam novamente ser combinados.

Berlim e Barcelona é uma obra de maturidade, onde Otília Arantes retoma e desenvolve perspectivas lançadas em obras anteriores como Urbanismo em fim de linha, Virada cultural no sistema das artes, Uma estratégia fatal, Vendo cidades, ou mesmo em Chai-na. Estas perspectivas são agora reforçadas pelo estudo mais detido nos dois casos ilustrativos. Temos aqui novos objetos de análises, mas permanecem a densidade e a perspectiva crítica de uma obra que opera transversalmente, por meio de interdisciplinaridades. A autora consegue realizar mais uma vez as mediações necessárias para entendermos em quais transformações mais amplas os fenômenos das cidades se inserem: formas arquitetônicas e urbanas são tratadas sempre ligadas ao solo político sobre o qual se assentam, deixando claro como na construção de cada cidade estão imbricados processos históricos coletivos e decisões de agentes individuais, tendências teóricas e forças econômicas. Tais procedimentos analíticos conferem a obra uma complexidade presente nas anteriores, no entanto inevitável à medida que se pretende enfrentar os diferentes fenômenos no todo dos processos sociais.

Aos ouvidos mais atentos, o livro soou como um sinal de alerta. A própria autora é quem ressalta: as fórmulas usadas nos países centrais são as que migram para as cidades dos países semi-periféricos – assim como muitas vezes são os mesmos agentes transnacionais. Vejamos agora como planejamento estratégico, empreendorismo urbano e marketing cultural ganham corpo em nossos territórios.

Sony Center, Berlim
Foto Jaime Ardiles-Arce [Wikimedia Commons]

sobre o autor

Paolo Colosso estudou Arquitetura na ENSA de Grenoble, tem graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas e é bacharel em Filosofia pela Unicamp. Atualmente faz mestrado em Estética Contemporânea na Faculdade de Filosofia da USP.

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