Escrever a história da arquitetura do século 20 no século 21 tem vantagens que Jean-Louis Cohen soube aproveitar. A mais óbvia é a mais importante: a distância histórica. O que se lê nestas páginas não é um discurso apaixonado e partidário, nem tampouco contestador e recalcado. Cohen adota o ponto de vista rigoroso do historiador da cultura, buscando flagrar o modo como a arquitetura se transforma em meio às mudanças radicais da modernidade. Por isso, não se pretendeu escrever a história do modernismo arquitetônico – isso seria dar um caráter de hegemonia a seus princípios ideológicos e temporais no século, consubstanciados na ideia do novo com o fator de progressão histórica.
A narrativa historiográfica se estrutura aqui a partir de eixos de simultaneidade, no qual as formas predominantes (estão aí o justo destaque aos mestres Mies, Gropius, Aalto, Wright e Kahn) não são homogêneas nem muito menos inevitáveis. Em paralelo, correm inúmeras proposições alternativas, que Cohen trata com igual cuidado. Para citar um caso exemplar: Le Corbusier é, sem dúvida, um grande centro de força, mas seu protagonismo se mede tanto pela maneira que pensou a arquitetura perante os desafios da modernidade e as várias respostas poéticas que formulou, quanto pela influência que provocou em arquitetos de diferentes nações – isto é, como tal presença foi assimilada, processada, deglutida e eventualmente transformada. É assim que, particularmente, o caso da moderna arquitetura brasileira é exposto: um exemplo de recepção produtiva.
Para Cohen, a arquitetura é igualmente a história dos fatos e a história dos debates intelectuais. Por isso, analisa não só as obras construídas, mas também os projetos não realizados, as formas de divulgação para o grande público e os documentos teóricos produzidos.
Em O futuro da arquitetura desde 1889, os “fatos de transição” – em geral tidos meramente como ocorrências preparatórias aos grandes eventos e tratados de forma rápida na historiografia da arquitetura moderna – recebem especial atenção. Momentos de revelação surgem: a importância de Auguste Perret é fundamentada, o perfil de Robert Mallet-Stevens adquire clareza e até mesmo a exposição art déco de 1925 é descrita com isenção, dando a ver o trânsito entre alguns designers e os arquitetos radicais. Outro tradicional ponto cego, a arquitetura no período das guerras mundiais – normalmente sinônimo de “paralisia cultural” – é visto pelo autor como um momento de aceleração da modernização, em que a produção da arquitetura não se interrompe, mas se desloca para o aparato da guerra (hangares, indústrias, alojamentos, fortalezas etc.). Cohen não deixa de apontar, inclusive, o processo pelo qual os avanços tecnológicos da guerra são aplicados, logo após o término do conflito, em outras esferas da produção industrial, sobretudo a habitação e as obras de infraestrutura.
Ao longo do século 20, o “futuro da arquitetura” foi pensado de modo variado por correntes distintas, independentemente de sua coloração ideológica. Todavia, o século que alimentou esperanças no progresso, no socialismo, na tecnologia e na nova cidade, também produziu catástrofes inéditas – veja-se a incomparável mortalidade nas grandes guerras. O texto de Cohen assinala claramente as diferentes expectativas de futuro: uma é projetiva, esperançosa nas novas formas estéticas e sociais do mundo, exemplarmente demonstrada por Corbusier e pela Bauhaus; a outra, de desconfiada confiança e ceticismo, é explicitada nas extravagantes e corrosivas imagens do Archigram e de Constant, fundadas na imaginação técnica e lúdica.
Depois de expor a crise do moderno, acossado pelo pós-modernismo, o livro se detém nos novos centros que promovem uma autêntica renovação intelectual da arquitetura no período de 1960 a 1980, quando a hegemonia se torna americana. Para o autor, os limites da definição de uma arquitetura dominante no século xx se vêem na obra de Frank Gehry, Peter Eisenman e Rem Koolhaas, que retomam as bases da arquitetura moderna para criticá-la e assim formular novos paradigmas de projeto.
Ao final de sua narrativa, Cohen aponta os desafios do novo milênio nesse mundo de alta tecnologia, sim, mas onde o futuro não passa de uma pálida imagem passada.
O fim do colonialismo, do socialismo, do domínio do estado-nação e a fatal crise do urbanismo impuseram uma nova cartografia na qual os arquitetos agora atuam em escala multinacional e em parceria com grandes corporações globais nessa realidade aberta e pluralista da contemporaneidade.
Não sem uma leve melancolia, a narrativa do século 20 na arquitetura termina com o reconhecimento do abandono exacerbado do compromisso dela com a sociedade, compromisso esse que teria gerado os projetos da modernidade. Afinal, pode um presente existir sem um horizonte de futuro?
nota
NE
Texto publicado originalmente na orelha do livro.
sobre o autor
João Masao Kamita é professor da PUC-Rio