Nesta obra, o autor demonstra que há um novo ponto de vista para entender a cidade e a urbanização e reconhece que as formas tradicionais de entendimento sobre a organização territorial, espacial e cultural das sociedades não é mais pertinente. Para ele, são as metápoles e a metapolizações que orientam a organização social e espacial do mundo. Estas constituem as estruturas motoras essenciais da globalização, mas elas implicam igualmente em aspectos negativos, como a recrudescência das desigualdades sociais.
O objetivo desta obra é conhecer as novas dinâmicas que delineiam a paisagem das cidades francesas. Seus questionamentos podem ser transportados, de certa forma, para os outros contextos, como o norte-americano ou mesmo o latino americano. É possível aferir este fato tendo em vista que o autor faz uma síntese irreprochável dos conhecimentos atuais do fenômeno urbano, como evidenciado pela extensão de suas notas de leituras.
Como apresenta Ascher, seu objetivo específico é o de aferir e analisar a dinâmica recente da concentração dos homens, das atividades e das riquezas das grandes cidades. Estes fenômenos, embora não sejam necessariamente novos, causam o surgimento de uma nova forma urbana, a metápole, a qual aparece como sendo a fase final da metropolização. Esta hipótese central se encontrada no coração da obra. No entanto, as metápoles provocam novos problemas urbanos ou mesmo intensificam os já existentes, como a exclusão social e econômica, decorrente de uma sociedade dual. As metápoles fazem com que uma nova forma de aborda-las emerge por meio da governança metapolitana.
O livro é dividido em sete capítulos. Cada um deles evoca o início de uma série de perguntas de modo a facilitar a compreensão para o leitor sobre o trajeto intelectual que o autor pretende prosseguir. Resumidamente e de forma sucinta, é possível esquematizar o livro da seguinte maneira: (i) definição de metápole contrastando com a de metrópole; (ii) impacto de novas tecnologias de comunicação sobre as cidades; (iii) emergência de um novo tipo de cidade; (iv) criação de novos espaços sociais; (v) cidadania e urbanidade derivadas da metápole; (vi) renovação da apreensão do espaço urbano; (vii) elaboração de uma concepção metapolitana. Com base para sua estrutura de pensamento, o autor entende como metápole:
“um metapolis é o conjunto dos espaços em que a totalidade ou parte dos habitantes, das actividades econômicas, ou dos territórios, está integrada no funcionamento quotidiano (ordinário) de uma metrópole. Uma metápole constitui geralmente uma única bacia de emprego, de residência e de actividades, e os espaços que a compõem são profundamente heterogéneos e não necessariamente contíguos. Uma metápole compreende, pelo menos, algumas centenas de milha de habitantes” (p.16).
Para Ascher, não há nenhum arquétipo da metápole, porque cada cidade evolui de forma diferente dependendo da sua trajetória histórica e de seu quadro cultural. No entanto, todas as metápoles partilham certas características: o tamanho, de um lado, e a descontinuidade da malha urbana, por outro lado, ambas ligadas ao aumento das velocidades de deslocamento. As metápoles também são marcadas por uma forte heterogeneidade, com uma grande especialização, que é a segregação social por bairros. As metápoles aglomeram uma grande variedade de estilos de vida, grupos de pertencimento e de referência, atraídos pelo compartilhamento dos mesmos lugares centrais, mas confrontados com fortes e graves desigualdades nas localidades residenciais, dependendo dos níveis de renda e do setor econômico.
As metápoles também têm a característica de ser polinucleares. Elas são geralmente conectadas a redes internacionais e, por vezes, mantém muitas vezes conexões de relações econômicas e culturais com um ambiente distante da região que a rodeia. Esta última torna-se, muito mais, uma reserva para o lazer e a expansão. Tradicionalmente, as metrópoles regionais tiravam sua força da região nas quais elas estavam implantadas. Para Ascher, existe uma reversão, agora são as regiões que tiram suas forças das metápoles.
As metápoles se inscrevem no espaço como as exigências de um novo ciclo econômico, caracterizado pela versatilidade, pela maior autonomia de emprego e sua dependência das flutuações internacionais. No coração das metápoles aparecem as centralizações funcionais que envolvem uma relação múltipla dos gastos urbanos de diversos setores da economia: lojas de departamento, shoppings, bancos, sedes sociais e nós de transporte. As empresas são compelidas a formas de organização e de localização que procuram reduzir os custos associados, por um lado, e tirar o máximo rendimento, por outro lado. O autor atribui que a proximidade entre empresas e a densidade econômica do espaço central dão garantia as empresas contra riscos de produção.
As dinâmicas urbanas parecem estar ligadas às mudanças e evoluções dos padrões de tecnologia de trocas, ou seja, aos meios de comunicação, de preservação e de transferência de bens e informações. No entanto, não é possível concluir no desaparecimento do espaço, pelo contrário, Ascher propõe que é exatamente o inverso que se produzirá. Na hierarquia urbana, a metapolização chega ao topo da pirâmide urbana, enquanto a degeneração e aniquilamento se instala na base.
É evidente que as metrópoles obedecem, primeiramente, à lógica do mercado. Contudo esta é incapaz de garantir um desenvolvimento sustentável e socialmente aceitável, que não esgote as gerações presentes e futuras. É, portanto, necessário que se desenvolva sistemas de regulação por meio da governança metapolitana. As metápoles tornam-se o espaço que regem essa governança.
Confrontado com os efeitos negativos relacionados ao mercado, diversos atores sociais se organizam para preservar a coesão social e os agrupamentos locais, o que incentiva a formação de um ator coletivo "metápole". A pluralidade de atores sugere que a política local depende mais e mais de atores não governamentais. O termo governança retorna as funções e ações do governo, mas sem a ideia de uniformização e de racionalidade. Assume-se uma grande diversidade na maneira de organizar os serviços, uma maior variedade de atores, até mesmo uma transformação das formas que podem levar a democracia local. Este conceito permite reconhecer a fragmentação e se concentra nas formas de coordenação vertical e horizontal da ação pública e na capacidade estratégica dos atores sociais, bem como na diversidade de processo de cooperação, para não dizer compromisso social.
Para Ascher, os problemas são preferencialmente de ordem política do que técnica. É, portanto, fundamental fazer emergir uma nova urbanidade. Por urbanidade, ele compreende uma toma de consciência do fato de que há um compartilhamento de interesses coletivos com indivíduos que não se conhecem pessoalmente, mas que vivem e/ou trabalham na mesma aglomeração.
A questão que se coloca, hoje, é, portanto, de saber como fazer com que os habitantes de uma cidade tenham consciência de pertencer a uma coletividade metapolitana e que sejam capazes de iniciar projetos coletivos. Essa questão é fundamental de ser feita tendo em vista que ela deve ser coloca com grande acuidade tendo em vista a tentação de forte, atual, de versar sobre um localismo clássico e comunitarista perigoso.
Entretanto, não se pode controlar o presente e o futuro da metápole de maneira clássica, com uma democracia apenas representativa e construir sobre uma base comum. O que é, de fato, a democracia local quando se trabalha e vive numa escala de uma vasta conurbação e em rede com atores, muitas vezes distante? Este é um problema fundamental, mas que se coloca concretamente: como configurar as instituições democráticas, numa escala muito maior do que a das cidades, para gerir os problemas na escala onde pode haver soluções políticas e técnicas?
Faz-se necessário igualmente, não somente renovar as instituições, mas também as formas de governar, ou seja, de elaborar e desenvolver projetos, de tomar decisões e de implementá-las. Para isso, tem-se que reforçar os laços entre os poderes públicos e a sociedade civil. Este é um dos requisitos básicos da eficiência das políticas públicas urbanas num contexto metapolitano.
Ascher cativa os leitores a busca continua, em nossa opinião, para a apreensão do fenômeno urbano e permite enriquecer o debate sobre novas formas urbanas que se desenham. Neste debate, o espaço metapolitano designa uma nova concepção de territorialidade. Ele não é apenas uma simples realidade material, nem uma soma simples de objetos isolados (uma conexão entre áreas urbanas separadas). Ele é um conceito que exprime uma relação, complexa entre grupos humanos e seu meio ambiente. Essa nova territorialidade é, portanto, a base de novas reflexões. Ascher também nos encaminha a fazer novos e urgentes questionamentos sobre as novas territorialidades, tendo em vista que a solidariedade, a urbanidade, a cidadania e as instituições sociais estão atrasadas em relação às interdependências sociais e espaciais, econômicas e técnicas. Eis aqui uma boa base de reflexão sobre os fenômenos urbanos.
sobre os autores
Tomás Antonio Moreira é professor do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo – IAU USP. Arquiteto e urbanista graduado pela PUC-Campinas, mestre em Ciências Aplicadas pela Université Catholique de Louvain, Bélgica, e Ph.D. em Estudos Urbanos, pela Université du Québec à Montréal, Canadá.
Gisela Cunha Viana Leonelli é professora da Faculdade de Engenharia, Arquitetura e Urbanismo da Unicamp. Arquiteta e Urbanista pelo Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo – IAU USP, mestre em Engenharia Ambiental pelo CRHEA USP e em urbanismo pela PUC-Campinas e doutora em arquitetura e urbanismo pelo IAU USP.