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Capa da Revista Moderna, n.1, 15 maio 1897
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Esgotado em livrarias (físicas e virtuais) o livro Revistas em revista – imprensa e práticas culturais em tempos de República, São Paulo (1890-1922) é merecedor de uma reedição (que venha em breve!). Esta resenha é a minha forma de pleiteá-la.
Publicado originalmente em 2001, fruto da tese de doutorado da autora, Ana Luiza Martins, Revistas em revista é uma obra de fôlego, em enfoque, fundamentação e alcance de leitores. Eu a li pela primeira vez em 2006, e citei-a em minha tese de doutorado, defendida em 2008. Seu referencial teórico, com fundamento na história do cotidiano e das mentalidades, faz desta uma obra de grande interesse para pesquisadores, e o público em geral, que certamente será cativado pela abordagem, o texto e as lindas ilustrações.
A remissão histórica da obra informa que as revistas remontam ao século 17. A experiência pioneira no periodismo literário é francesa e vincula-se ao lançamento do Journal des Sçavants (posteriormente chamado Journal des Savants), que circulou em Paris de 1665 a 1795. É o que assinala a historiadora Ana Luiza Martins como uma informação que “a bibliografia é unânime em apontar” (p. 38). A historiadora aponta a existência de revistas também na Itália e Alemanha, igualmente no século 17.
Martins salienta que o periodismo tinha seu fulcro em “agremiações e/ou grupos que se queriam colocar, valendo-se do aperfeiçoamento do papel e de suportes técnicos que uma imprensa secular vinha permitindo operacionalizar” (p. 39). Esta conjuntura, acrescenta a historiadora, era favorecida de modo especial pela evolução dos meios de transporte.
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Capa da revista A Farpa, n.1, 1910
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Segundo a auotra, primeiro os jornais, e depois as revistas, transformaram-se em meios usuais de informação. Em tal contexto, confiava-se aos jornais as notícias de teor político e de imediata divulgação. Às revistas consignavam-se temas variados, de informação mais apurada, anunciando as mais recentes descobertas sobre as matérias tratadas.
Na Europa, o avanço técnico das gráficas, o aumento da população leitora, e o alto custo do livro desenharam a conjuntura propícia para o sucesso das revistas naqueles oitocentos, lembra Martins. Mas é o mérito de condensarem um diversificado conjunto de informações em uma só publicação que a autora considera o motivo determinante para o êxito desses veículos no século 19.
Ana Luiza acrescenta que situadas entre o jornal e o livro as revistas contribuíram para aumentar o público leitor, colocando o consumidor em contato com o “noticiário ligeiro e seriado, diversificando-lhe a informação” (p. 40). A esses motivos, a autora acrescenta ainda o baixo custo da revista.
As principais características com que a autora distingue as revistas oitocentistas dos livros daquele tempo assemelham-se às que os diferenciam na atualidade. São elas: a leveza da configuração, o menor número de folhas e a leitura entremeada de imagens. No respeitante a este último aspecto, os recursos atingidos pela ilustração são apontados pela autora como o “marco revolucionário” na trajetória da revista.
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Capa da revista Fon-Fon!, n. 43, 1 fev. 1908
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Citando Robert (1989); Freire (1943); Rocha (1985), Martins resgata aspectos adicionais do periódico, a saber: o caráter mais ou menos especializado da publicação; a periodicidade geralmente mensal; o fato de ser datada, de apresentar artigos originais de crítica ou análise; de passar em revista vários assuntos; de facultar um tipo de leitura fragmentada, descontínua, e por vezes seletiva; de ser quase sempre uma criação do trabalho em grupo.
Parece-nos pertinente acrescentar, a essas características, três outras. A primeira é a facilidade de aquisição, pois a grande maioria das revistas é comercializada em bancas de jornais, nas ruas das cidades (excedem tal quadro as revistas acadêmicas e as publicações comercializadas unicamente por assinaturas). Esse caráter explica em parte a penetrabilidade das mais diferentes revistas nas diversas classes sociais. A segunda característica é a facilidade de transporte e manuseio, permitindo a leitura sob as mais variadas – e até adversas – condições, a exemplo do transporte coletivo. Nesta facilidade reside a consideração dessa mídia como fortemente companheira.
Por fim, outra característica é a interatividade que facultam ao público leitor, desde seções de cartas a colunas direcionadas para responder as questões dos leitores, a partir das quais estruturam sua temática e seu texto.
Apesar do quão importante sejam esses aspectos na associação da revista com a memória, a afetividade sobrepuja-os todos. O público leitor de uma determinada revista tende a ver-se como uma comunidade, o que atualmente é muito incentivado pelas revistas, inclusive lançando mão de sites interativos. As revistas, assim como os livros, além de interagir com os leitores, tornam-se objeto de colecionismo e da formação de acervos.
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Capa da revista Careta, n. 222, 31 ago. 1912
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Do ponto de vista da relação da revista com a memória, há ainda algumas considerações a fazer. Martins assinala como traço recorrente da revista o seu caráter fragmentado e periódico, “imutável nas variações geográficas e temporais onde o gênero floresceu, resultando sempre em publicação datada, por isso mesmo de forte conteúdo documental” (nota 12, p. 46).
Além do aspecto datado, outras características associam um jaez documental à revista. São elas: a própria historicidade de sua trajetória; a sua permanência como mídia ao longo dos tempos; a sua durabilidade como suporte, graças ao material papel, embora de encadernação menos durável que a do livro. Na ótica documental, as revistas são preciosas para a memória cultural, nela incluída a memória das cidades, sendo, portanto, muito valorizadas pelos historiadores, reconhecimento este arrazoado por Martins nos termos que seguem.
“Fonte preferencial para pesquisas de teor vário, a revista é gênero de impresso valorizado, sobretudo por “documentar” o passado através de registro múltiplo: do textual ao iconográfico, do extratextual – reclame ou propaganda – à segmentação, do perfil de seus proprietários àquele de seus consumidores.
O caráter lúdico desse periódico, de leitura amena e ligeira, explica a opção expressiva por essa modalidade de suporte da leitura na produção da História em suas múltiplas dimensões” (p. 21).
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Capa da revista Illustração de S.Paulo, n. 17, 1917
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Apesar do quão importante sejam esses aspectos na associação da revista com a memória, a afetividade sobrepuja-os todos. As revistas, assim como os livros, além de interagir com os leitores, tornam-se objeto de colecionismo e da formação de acervos.
A afetividade por antigas revistas é flagrante nas falas de pessoas idosas, como se fossem esses periódicos parte integrante das suas famílias. No belo livro Memória e sociedade: lembranças de velhos, de Ecléia Bosi, isso se faz presente no seguinte relato de Dona Jovina à autora: “Meu pai assinava revistas francesas: L’Ingénieur, La Nature, L’Illustration, que era linda, no Natal vinham cópias de pinturas célebres que se punham em quadro” (1).
Ao iniciar a exploração do caso específico das revistas em São Paulo no período de 1890 a 1922, Martins abre seu capítulo com uma epígrafe de Afonso de Freitas. Ei-la:
“[...] a história da imprensa paulistana é a própria história intelectual e política, é a documentação mais abundante e valiosa da história da evolução social moderna de nossa terra, em suas ramificações várias, porquanto São Paulo, máximo expoente da civilização e do progresso brasileiros, reflete com intensidade extrema todas as irradiações de uma perfeita nacionalidade adiantada” (epígrafe do capítulo "Cidade mercadoria: a venda de uma imagem", grifo de Martins, p. 471).
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Capa da revista Klaxon, n.1, 1922
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Na sequência do capítulo aberto pela citação acima, desvela-se São Paulo por suas revistas em tempos de República. É um tratamento impecável do caso empírico, e um passeio literário fartamente ilustrado por capas de revistas da época. Entre elas, figuram: Illustração Paulista (1893); Vida Paulista (1905); O Álbum Paulista, (1913); São Paulo Magazine (1906), Illustração de S.Paulo (1917); São Paulo Illustrado (1920).
Chegando a este ponto do livro, penso que é o momento de silenciar. É hora de deixar que os leitores saboreiem as antigas revistas, no enfoque de Martins. Não quero que os internautas sejam incomodados por um spoiler desta que é uma obra tocante para quem, como eu, padece da paixão pela coisa impressa. Boa leitura a todos!
nota
1
BOSI, Ecléia. Memória e sociedade: lembranças de velhos. São Paulo, Companhia das Letras, 2003, p. 281.
sobre a autora
Eliane Lordello é Arquiteta e Urbanista (UFES, 1991), Mestre em Arquitetura (UFRJ, 2003) e Doutora em Desenvolvimento Urbano na área de Conservação Integrada do Patrimônio Histórico (UFPE, 2008). É Arquiteta da Secretaria de Estado da Cultura do Espírito Santo.