“World is our Temple”
Tracy Chapman
Em 1982, foi lançado nos cinemas um filme de nome bastante incomum – Koyaanisqatsi, cuja tradução é ainda melhor se descoberta assistindo ao próprio filme. Dirigido por Godfrey Reggio e produzido por Francis Ford Coppola, Koyaanisqatsi recebeu vários prêmios e fascinou plateias pelo mundo a fora. Feito apenas de música e imagem, o filme focaliza, em especial, as cidades e sua gente, com tocantes closes em grupos e indivíduos, como se neles quisesse nos espelhar. Ao começar com a inesquecível cena de máquinas pesadíssimas encetando a destruição de uma paisagem, Koyaanisqatsi oferece um presságio do desequilíbrio cada vez mais atual do ser humano no mundo por ele produzido (1).
Em 1988, a mesma parceria de diretor e produtor, exitosa com Koyaanisqatsi, lança Powaqqatsi, cuja tradução também vale conferir no próprio filme. Igualmente narrado apenas por música e imagem, trata-se agora de um enfoque mais particularizado, ocupado da modernização de cunho tecnológico em países em desenvolvimento. É, sobretudo, mais detido no labor humano e sua crueldade, com estarrecedoras cenas de trabalho desumano de efeitos devastadores para a natureza, a exemplo do garimpo de Serra Pelada.
Em 1992, o cinema nos brinda com Baraka, uma sinfonia de imagens e sons dirigida por Ron Fricke. Focalizando culturas religiosas milenares e sua estreita relação com a natureza, percorrendo diversos países, levando-nos a escutar as mais variadas vocalizações da fé, Baraka nos entrega a divindade da natureza em todo o seu esplendor. Desse modo, é um contraponto esperançoso para os dois filmes antes descritos.
O cinema nos oferece também este Home – Nosso Planeta, Nossa Casa, dirigido por Yann Arthus. Tendo muito em comum com os títulos antes citados, pela amplitude do âmbito geográfico, por seu apelo à sensibilização para a realidade do planeta, pela grandiosa harmonia de som e imagem, Home diferencia-se dos demais pelo didatismo. Muito pertinente, aliás, é este tom didático, para um filme lançado em esfera mundial em 5 de junho de 2009, data decisiva para conscientização sobre o meio ambiente.
Seguindo seu propósito de conscientização, Home começa pela origem do planeta Terra, e a partir daí nos faz viajar por mais de sessenta países, mostrando-nos a grandeza de nossa casa, e a amplitude e a seriedade de seus problemas. Tudo isso é entrelaçado pelo conceito de rede, sempre enfatizando que, desde a sua origem, tudo na Terra é interligado.
A rede é tecida por culturas que ainda hoje têm de sobreviver à escassez dos mais básicos recursos, a água, por exemplo, mas que, mesmo assim, vivem em sintonia com a natureza, como as tribos africanas. É também urdida pela ganância de poucos para terem muito, a triste rede. É o caso das cidades implantadas à força do capital em desertos os mais inapropriados possíveis, e, que, ricas em dinheiro e pobres em consciência, não buscam sequer soluções mais inteligentes. Para nossa grande tristeza, há ainda, na trama-rede, a matança desenfreada de animais, e o filme toca fundo nesta ferida, ao colocar em cena o bailado de uma baleia no seu grande palco, o mar, para, em seguida, cortar para um cruel barco baleeiro japonês.
Por outro lado, em conformidade com o seu objetivo didático, o filme mostra também exemplos de soluções ambientalmente corretas e favoráveis à manutenção das boas tramas da rede, como a geração de energia eólica na Dinamarca. Ainda conforme a meta didática, Home é todo narrado por uma só voz, o que cria também grande cumplicidade entre a narração e a plateia. A narradora original é a atriz Glenn Close, mas, para que o didatismo seja pleno, o filme é dublado para os mais diversos idiomas, e vale dizer que a dublagem brasileira é de notável qualidade.
Ao retomarmos um breve recorte de filmes focados na questão ambiental, vemos que o cinema vem tentando dar a sua contribuição. Podemos dizer que Home vem a culminar a amostra antes dele exposta, sendo, portanto, parte de uma genealogia maior de filmes que apelam com justiça para a necessidade crucial de melhor zelarmos pela Terra. Mais ainda, para sobrevivermos no planeta que é a nossa casa, como mostra Home, e no mundo que é o nosso templo, como dizem os versos de Tracy Chapman – World is our Temple. Cuidemos, pois, da casa e do templo.
Home – Nosso Planeta, Nossa Casa, de Yann Arthus-Bertrand (filme completo)
nota
NE – Home – Nosso Planeta, Nossa Casa. Yann Arthus-Bertrand, França, 2009, documentário 2h. Com Salma Hayek, Glenn Close e Jacques Gamblin.
1
Sobre o filme Koyaanisqatsi, ver: GUERRA, Abilio. Quimpassi. O registro dos momentos fugidios do cotidiano. Arquiteturismo, São Paulo, ano 09, n. 097.05, Vitruvius, abr. 2015 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/09.097/5562>.
sobre a autora
Eliane Lordello é arquiteta e urbanista (UFES,1991), Mestre em Arquitetura (UFRJ, 2003) e Doutora em Desenvolvimento Urbano na área de Conservação Integrada (UFPE, 2008). É arquiteta da Gerência de Memória e Patrimônio da Secretaria de Estado da Cultura do Espírito Santo.