Terminei de ler Metrópole à beira-mar – o Rio moderno dos anos 20, de Ruy Castro, publicado pela editora Cia. das Letras em 2019.
Posso estar enganado, mas a impressão que o livro traz é a de que Castro se adiantou a provar que o Rio de Janeiro já era moderno antes de São Paulo e da Semana de Arte Moderna de 1922, antecipando-se, assim, às homenagens pelos 100 anos da dita Semana (para os distraídos, ocorrida em São Paulo em 1922).
Durante a leitura, essa impressão é confirmada por um discreto, mas sempre presente, “porquemeunfanismo” do Rio, acentuado por um detalhe: o restante do Brasil parece simplesmente não ter existido naquele período. Quando surge alguma citação a eventos e/ou personagens de fora da cena carioca, tudo é tratado com certo desdém elegante e ponto (o tratamento dado à Semana e seus protagonistas paulistanos dá bem o tom desse viés).
A meu ver, parece existir uma dificuldade nesta preocupação: a de compreender que, se a modernidade no Brasil – entendida como transformação geral da cultura como um todo –, se iniciou, de forma bastante problemática, bem antes de 1922 (não somente no Rio, mas em todo o país), o modernismo (enquanto movimento artístico, literário, musical etc., direcionado à transformação do campo da cultura, digamos, “erudita”) teve seu início simbólico marcado pela Semana. Se esse simbolismo foi construído após o evento, este é um problema historiográfico que vem sendo desconstruído já faz algum tempo por alguns estudiosos, não só de outros estados, mas de São Paulo também.
Igualmente me chamou a atenção o fato de que, no livro, o Rio de Janeiro dos anos 1920 é retratado como o território da criatividade e da alegria, apenas. As mazelas da cidade, bom, as mazelas – que, com certeza, complementariam o panorama traçado – ficaram de fora.
Mas não são nesses aspectos que reside o interesse maior do livro. O que transforma Metrópole à beira-mar em uma publicação indispensável a todos que se interessam pela cultura no Brasil no início do século passado, é sua capacidade de arrolar, com graça e humor, uma série imensa de participantes da cena carioca dos anos 1920, desde estrelas ainda brilhantes (Carmen Miranda, Procópio Ferreira, Pixinguinha, Ismael Nery, Villa-Lobos e outros) até figuras hoje absolutamente anônimas, mas não menos excepcionais (Roquete-Pinto, Gilka Machado, Bidú Sayão, Álvaro Moreyra e outros).
Terminada a leitura, fica na mente o reconhecimento de quantos intelectuais e artistas (homens e mulheres) contribuíram para a arte e a cultura do Brasil e hoje, quando muito, se transformaram em nomes de ruas obscuras. Terminada a leitura, surge igualmente a vontade de saber mais sobre eles, estudar mais suas produções. E apenas esse efeito que causa no leitor já valeria o mergulho em Metrópole à beira-mar. Recomendo muito.
nota
NE – texto originalmente publicado na página Facebook do autor.
sobre o autor
Tadeu Chiarelli é professor aposentado da USP e colabora atualmente como professor senior no Programa de Pós da ECA USP. Foi diretor geral da Pinacoteca de São Paulo, diretor executivo do MAC USP e curador-chefe do MAM/SP.