O livro A casaca do Arlequim: Belo Horizonte – uma capital eclética do século XIX foi publicado primeiro em francês há muitos anos (1), e agora sai em português – ele é o resultado da reelaboração de uma tese de doutoramento apresentada em 1992 na École des Hautes Etudes en Sciences Sociales por Heliana Angotti-Salgueiro – trata-se de um livro que tem uma história, e uma história importante.
1. Parto do título, pois na minha opinião é um título belíssimo – quão bela é a “Casaca do Arlequim”! – eis um título particularmente apropriado, capaz de despertar curiosidade, tanto em francês, como em português, e sobretudo atualmente, uma vez que todos nós precisamos de cores e mesmo de alegria (ou pelo menos de serenidade) nesse momento. Faz alusão ao fato de que a veste do Arlequim é composta de pedaços de tecido costurados, podendo se referir à fragmentação da cidade. A expressão é de Paul Planat (como explicou Heliana na sua “Apresentação” à edição brasileira do livro), remetendo-a a um texto deste arquiteto francês em volume sobre habitações privadas de 1890 (2) – mas esse título também pode nos remeter à inevitável multiplicidade de perspectivas dos diferentes atores que intervêm no processo constitutivo de uma nova cidade, que neste caso é a nova capital (Belo Horizonte) de um estado brasileiro (Minas Gerais).
2. A “Apresentação” à edição brasileira abre o livro com uma longa reflexão sobre repensar a história e pensar a própria história retrospectivamente, ou o itinerário pessoal do historiador, na linha da ego-história, como lembrou Antoine Picon (3) – neste caso, de um historiador urbano –, atravessando inevitavelmente debates em curso tanto sobre “História da Arte”, como sobre “História da Cidade” enquanto uma história das decisões, dos atores, de técnicas de construção. Entraria aqui a questão imprescindível da interdisciplinaridade, pois não se pode falar de história da cidade sem se referir aos diversos operadores ligados a ela, e a pontos de vista de outras disciplinas. Nesse sentido, o percurso de Heliana é exemplar, pois ainda que a interdisciplinaridade fosse proclamada na EHESS, ela não era concretamente praticada (como também lembrou Antoine Picon). E eu diria que este discurso não se refere apenas há 24 anos atrás – creio que até hoje a fragmentação (à imagem da “casaca do Arlequim”...) é ainda uma grande verdade entre nós, embora não se possa pensar mais em história da cidade sem articular os discursos e os atores que fazem a cidade, como bem procedeu Heliana no seu livro. Ela recorda ainda, a necessidade de se cruzar os estudos historiográficos com a experiência de olhar e caminhar pelos espaços urbanos.
E não apenas isso, pois a autora insiste em uma outra questão que me parece de grande importância: ela soube aproveitar a vantagem de olhar para os acontecimentos de um país com um olhar externo, “de fora” – ou seja, sua experiência singular, inversa do procedimento habitual, de ter escrito o trabalho primeiro numa língua estrangeira, e depois de ver as coisas à distância, de ter tido a capacidade e a possibilidade de se distanciar do próprio objeto e retomá-lo após muitos anos, traduzindo-o então para sua própria língua. É igualmente um testemunho interessante sobre esse trabalho, o de tentarmos vê-lo à distância: os quatro apresentadores de hoje também falam cada um na sua língua – Antoine Picon em francês, eu no italiano, Alícia Novick em espanhol e Maria Lúcia Bressan em português.
Mesmo que o ponto de partida dos estudos de Heliana tenha razões acadêmicas, essa distância é significativa também do ponto de vista “ético” ao referir-se à Apologie pour l’histoire de Marc Bloch na “Apresentação”, ao narrar a seus leitores um momento escolhido, um lugar preciso e uma instituição. Daí sua evidente “filiação” à École des Hautes Etudes en Sciences Sociales e à renovação historiográfica em curso quando ela preparava a sua tese (finais dos anos 1980 e início dos anos 1990).
Vários pontos devem ser sublinhados sobre o livro:
a) O tempo longo da investigação filológica e da construção de uma “micro-história” para se chegar à divulgação a um vasto público.
Trata-se, em suma, de um livro ambicioso, e tentarei explicar em que sentido: é um trabalho sistemático, histórico, acadêmico, acompanhado por referências bibliográficas muito numerosas, por documentos de arquivo muito exaustivos, por uma rica seleção de desenhos, mapas, plantas gerais e desenhos de projetos de edifícios individuais, e por fotografias – mas a autora não se contentou com esse trabalho, de certa maneira rigorosamente acadêmico, destinado especialmente a um público de experts, professores, colegas, estudantes (como é o caso de uma tese de doutoramento) –, ela se colocou o problema da divulgação de uma pesquisa sofisticada – ou seja, de como fazer chegar a pesquisa a um vasto público. Assim, foi curadora de uma exposição em 1996 (4), que nos reuniu no livro que ela mostrou a capa no power point. A divulgação a um público mais amplo, aos cidadãos de Belo Horizonte, significa que ela conseguiu comunicar o trabalho a um público diverso do acadêmico.
Assim, o tempo longo de uma pesquisa filológica e o da construção de uma “micro-história” não podem, então, deixar de registrar também as mudanças historiográficas em curso e de viver intensamente as reflexões metodológicas que se desenvolveram dos anos 1960 aos 1990, assimilando-as e fazendo delas um trabalho que chega ao cotidiano das pessoas. Isso me parece uma passagem muito significativa do trabalho do historiador, a qual acredito.
b) A utilização de um cruzamento muito rico de fontes selecionadas nos arquivos da École des Beaux-Arts, nos Archives Nationales, no serviço de documentação do Museu d’Orsay, na antiga Bibliothèque Nacionale de France, sob a cúpula de Labrouste – de que me recordo ter transcrito, como Heliana, uma série de documentos, naquela época em que a Internet não existia –, todas as fontes foram mobilizadas para trabalhar as duas personagens fundamentais do livro: o engenheiro politécnico Aarão Reis, autor da planta de Belo Horizonte, bem como o engenheiro-arquiteto José de Magalhães, autor dos projetos de arquitetura, após uma estadia na École des Beaux-Arts de Paris. As fontes de referência ajudaram a autora a refletir sobre as profissões, as instituições, os instrumentos que utilizavam (tratados, manuais etc.), o ensinamento que esses personagens frequentavam nessas escolas, a sua estrutura, enfim. Com um alargamento de perspectiva (ou de escala), emergem os temas a explorar, como o papel dos engenheiros – entre a Escola Politécnica e o “sonho de uma utopia urbana” na primeira parte – o engenheiro Aarão Reis (a sua formação e pensamento), no âmbito do renascimento historiográfico do século 19, renascimento que teve lugar nas décadas de 1980 e 1990, quando o livro foi escrito.
Do mesmo modo, para José de Magalhães, seu horizonte parisiense foi especificado – essencialmente o sistema da École des Beaux-Arts, que lhe confere grande prestígio, mais tarde, quando regressa ao Brasil. Aprendeu princípios desta escola (a hierarquia, a importância de um programa para edifícios públicos, e dentro deste grupo, para certos tipos de edifícios); em suma, vivenciou modelos que depois transformou e adaptou ao panorama brasileiro na realização das suas obras mais importantes. Trabalhar sobre a adaptação, sobre a transformação me parece uma escolha de parâmetros metodológicos muito coerente com o raciocínio sobre o ecletismo, também coerente com o raciocinar sobre o século 19, e nos traz sugestões para todos nós, mesmo se pesquisamos outros contextos da arquitetura. Heliana trabalhou num período em que o revival do oitocentos, de sua descoberta como objeto de estudo era significativamente importante – antes, o oitocentos não estava na moda, ninguém queria estudá-lo... – o importante a destacar é a forma como ela aborda questões, independente do período, como já adiantou Antoine Picon.
E assim, para além do que se ensinava na École des Beaux-Arts naqueles anos de 1870, quando o arquiteto de BH estava em Paris, ela analisa em paralelo uma rica bibliografia recente. Por exemplo, ela recorda o livro de Jean-Pierre Epron, Comprendre l’Éclectisme (5): ou seja, o apelo relativamente novo nos anos 1990 para a oportunidade de se analisar cuidadosamente o século 19, estudando o “ecletismo como forma de liberdade de composição”, tanto em pensamento como nos projetos – observa Heliana, citando Jean-Louis Cohen (6). Mais uma vez um “jogo de escala”.
Neste sentido, ela desenvolve uma reflexão sobre o ecletismo no Rio de Janeiro e depois em Belo Horizonte, como liberdade de desenho e inovação industrial ao mesmo tempo, ou seja, como um “estilo da atualidade”, quase uma forma de “anarquia” (7), de empréstimos de elementos e linguagens estilísticas de diferentes épocas da história (que graças à circulação de ideias e de formas envolve uma forma de cosmopolitismo, validando a análise para outros países).
Merecem ser reiteradas aqui a precisão do livro em dar conta das fontes utilizadas e da vasta bibliografia, bem como do manejo e seleção das imagens que, não por acaso, permitiram à autora ser “curadora” de exposições.
c) O estudo da cidade emerge não só como uma soma de projetos (desenhos e documentos), mas como “a cidade construída” – sabe-se que para fazer uma cidade não basta projetá-la, ou pensá-la através dos projetos, mas passar à mão de obra que a realiza, que a executa, ao “triunfo dos mestres de obras”, aos diretore dei lavori, diríamos em italiano. Em geral, os que fazem história da arquitetura e colegas da história da cidade tendem a fazer uma história apenas dos projetos, dos desenhos (sem falar da quantidade de projetos não realizados e outros adaptados), sem tratarem de como se forma um contexto urbano. A metodologia que aborda a questão de como chegar de um projeto à cidade construída, e para quem a cidade é construída, ou como os usuários se apropriam, introjetam a experiência cotidiana, são questões tratadas no livro que valem até hoje, são atuais e se prestam ao estudo de outros períodos cronológicos.
d) O desenvolvimento da reflexão refere-se, em particular, a uma “nova cidade”, mas não é indiferente ao que já existia na povoação – trata da escolha do local para instalar a capital e os discursos em torno. Sabemos muito bem que quando uma cidade tem de ser criada ex-novo (como é o caso de uma nova capital), a escolha do lugar é uma operação complexa que deve responder a diferentes razões: este capítulo parece levar-nos de volta à cultura clássica e à operação de fundação da polis, para a qual eram os harúspices que podiam ditar os critérios de escolha do ambiente natural – segundo os ventos, a água, o relevo, a vegetação... Por conseguinte, estuda-se a passagem das ideias às decisões e escolhas operacionais, bem como os passos necessários para as implementar: por exemplo, a constituição de uma comissão construtora, a racionalidade positiva dos seus membros e as divergências políticas que estes enfrentam.
E assim, o livro passa pelas diferentes etapas que o processo de realização da cidade envolve, basta percorrer os demais títulos dos capítulos da Primeira parte e depois da Segunda:
- “Do caminho das mulas ao caminho dos homens: a planta da cidade moderna”. A passagem do território natural ao território construído. “Símbolos da pátria” e do “espaço republicano” – o que significa compreender o processo singular (especialmente para aqueles que leram esta história a partir da Europa onde havia muitas poucas cidades novas no século 19), da passagem da natureza, ou de um território com vocação agrícola, para um território urbano, e ainda, refletir sobre as imagens que também desempenharem um papel fundamental nesta passagem.
- Na questão “expropriação e segregação urbana” também se pergunta sobre o resultado – neste processo muito particular, Heliana examina a concretização da necessidade de se expropriar terrenos para as construções, em que já está inevitavelmente presente o contraste potencial entre a criação de uma cidade artificial, burocrática no lugar de uma cidade habitada e vivida.
- “Arquitetos e engenheiros: as condições de um debate” entre as profissões, fecha os capítulos da Primeira parte – discute-se o que significa refletir sobre as duas diferentes formações, sobre as fontes utilizadas (revistas, manuais, congressos, com exemplos de discursos de outros países) a respeito de contextos diversos, não necessariamente apenas o de Belo Horizonte e o do Rio de Janeiro.
Voltando à figura específica de outra personalidade que emerge na segunda parte do livro: o arquiteto José de Magalhães no cenário parisiense e na École des Beaux-Arts; discute-se a obra do seu mestre Honoré Daumet e o ecletismo mundial; os princípios do ensino da prestigiosa escola – de uma “arquitetura baseada em fragmentos”, em “elementos analíticos” (e aqui emerge todo o sentido do título: A casaca do Arlequim). Ao passar da aprendizagem do sistema Beaux-Arts ao nível dos projetos para Belo Horizonte, a autora analisa: o contexto da paisagem: arquitetura e lugar; arquitetura e natureza; tamanho e escala: “o grande no pequeno”; mas também o fato de que nessas operações do passado a questão da “dimensão” ideal (da escala) era o verdadeiro determinante.
Os demais capítulos referem-se à: “composição, legibilidade e promenade arquitetural”, à análise de “estilo como uma questão de caráter e de décor”; aos “modelos e sua adaptação”, ou transformação; à “Paris de Magalhães”; aos materiais e ao desafio, ou às condições impostas pelo canteiro e obras (e portanto, também à questão do efêmero).
e) Na Terceira parte do volume, Heliana Angotti trata em paralelo às ideias e aos modelos, o tema da cidade construída, ou melhor, “o triunfo dos mestres de obras” ou executores, em relação ao papel assumido pelos projetistas (novamente com “saltos de escala”) – essa Terceira parte apresenta os seguintes capítulos:
- “Discursos, instituições e formas de uma arquitetura progressista: a longa duração do clássico (o Vignola ao alcance de todos)”; “o ecletismo: ‘anarquia’, liberdade e indústria – o estilo ‘atual’“; “o cosmopolitismo e a busca do nacional, representações e vicissitudes estilísticas: o país do barroco convertido ao neogótico”; “a arquitetura civil da nova capital: as casas tipo ou variedade na uniformidade”. E ai emerge um novo “protagonista”: a figura do italiano Luigi Olivieri (8), que projeta um “liberty” derivado do ecletismo, e leva à análise da escala dos detalhes.
As “Conclusões” do volume referem-se a questões em torno da arquitetura e os seus destinatários, ou sobre “a cidade representada e a cidade vivida” que constituem um conjunto de temas particularmente pertinentes para a história da cidade e tocam no dever civil e ético do estudioso de história urbana – o fato de se de pensar também em quem são os receptores da arquitetura (algo que aqueles que fazem história da arquitetura nem sempre estão habituados a pensar).
Quanto à história da arte como “prática cultural” (neste caso, eu diria história da arquitetura, em vez de “arte”) – eu acrescentaria como “prática operacional” –, aqui também, mais uma vez, é no extraordinário entrelaçamento de fontes e no uso sistemático de “saltos de escala” que reside, na minha opinião, a atualidade do livro, apesar dos seus quase 24 anos desde que foi publicado pela primeira vez, uma prática que responde ao seu público específico, um público que terá necessariamente um livro de história. Mas que responde também a um público muito mais vasto do que o de acadêmicos (especialistas, estudantes) – tenho a certeza – a todos os cidadãos (aqueles que percorrem e olham para a cidade em que vivem, trabalham, vão à escola...), em particular, os habitantes de Belo Horizonte. Parece-me útil reiterar a atualidade desses enfoques, sobretudo do ponto de vista metodológico, para que brasileiros e sul americanos venham a conhecer o livro (9).
notas
NE – Tradução e notas de Heliana Angotti-Salgueiro a partir do texto e comentários de Donatella Calabi por ocasião do lançamento virtual do livro em questão, a 8 de março passado, organizado no âmbito do “Curso internacional de especialização em planejamento urbano e politicas públicas: urbanismo, paisagem, território”, promovido pela FAAC Unesp, Campus de Bauru, do qual a autora do livro é professora-colaboradora.
1
Heliana Angotti Salgueiro, La Casaque d’Arlequim: Belo Horizonte, une capitale éclectique au 19e siècle. (Prefácio de François Loyer). Paris, Éditions de l’EHESS, 1997.
2
Paul Planat, “Les Villes modernes. Hier et aujourd’hui”, in Habitations particulières. Hôtels privées. Paris, Dujardin, 1890. Ver o sentido da expressão escolhida para o titulo, na contracapa do livro e especialmente nas páginas 60, 415-416.
3
Donatella Calabi refere-se à fala de Antoine Picon que precedeu a sua no lançamento do livro, publicada nesta revista em português e francês: PICON, Antoine. Observações sobre "A casaca do Arlequim". Resenhas Online, São Paulo, ano 20, n. 231.02, Vitruvius, mar. 2021 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/20.231/8037>; PICON, Antoine. Remarques sur "La casaque d’Arlequin". Resenhas Online, São Paulo, dates.year 20, n. 231.02, Vitruvius, dates.mar 2021 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/20.231/8037/fr>.
4
Donatella Calabi refere-se à exposição internacional “Belo Horizonte: o nascimento de uma capital”, que reuniu obras centrais do século 19 (plantas, projetos de arquitetura, livros e álbuns raros, fotografias e outros documentos de época sobre arquitetura e urbanismo), procedentes do Museu d’Orsay, École des Beaux-Arts de Paris, Bibliothèque Historique de la Ville de Paris, de arquivos e museus de Belo Horizonte, Rio de Janeiro, e biblioteca da Politécnica da USP. A exposição fez parte das comemorações do centenário de Belo Horizonte e foi montada na Escola Guignard, naquela cidade e no MASP, em São Paulo de abril a junho de 1996, acompanhada de uma Jornada de Estudos, cujos textos de Bernard Lepetit, Donatella Calabi, Antoine Picon e Heliana Angotti-Salgueiro (organizadora) foram publicados no livro esgotado, em vias de reedição: ANGOTTI-SALGUEIRO, Heliana (Org.). Cidades capitais do século XIX – racionalidade, cosmopolitismo e transferência de modelos. São Paulo, Edusp, 2001.
5
Jean-Pierre Epron, Comprendre l’Éclectisme. Paris, Institut Français d’Architecture/Norma Editions, 1997. (O relatório da pesquisa original é de janeiro 1991, École d’Architecture de Nancy/Institut Français d’Architecture).
6
COHEN, Jean-Louis. Architecture, modernité et modernisation. Leçon inaugurale, Paris, Collège de France/Fayard, 2017, p. 48. A passagem completa citada é: “Se houve bem um estilo internacional [...] este foi sobretudo, o que se elaborou na École des Beaux-Arts um século antes daquele definido pelas obras de Gropius, Mies van der Rohe e Le Corbusier – o sistema de pensamento e desenho reivindicando o ecletismo como forma de liberdade de composição, revelou-se, nesse sentido, particularmente eficaz”. Questão analisada na “Apresentação” à edição brasileira de A casaca do Arlequim.
7
A expressão é do século 19 e reflete o olhar negativo que lhe é contemporâneo. Ver a respeito, no livro lançado de Heliana Angotti-Salgueiro, o capitulo 17: “O Ecletismo: ‘anarquia’, liberdade e indústria – o ‘estilo atual’”.
8
O mestre de obras italiano Luiz Olivieri, ativo por vários anos nos canteiros de obras de Belo Horizonte, publicou o livro O architecto moderno no Brasil – edifícios públicos e particulares, um manual que circula seus modelos ecléticos por outras cidades brasileiras. A primeira edição publicada em Turim é de 1911 e a reedição, de 1922, se dá no Rio de Janeiro. As duas edições eram inéditas até a descoberta e análise por Heliana Angotti-Salgueiro em A casaca do Arlequim: Belo Horizonte, uma capital eclética do século XIX.
9
Ao final das apresentações, encerrando o debate sobre A casaca do Arlequim, Paulo César Garcez Marins, autor da “orelha” do livro fez observações, das quais transcrevo fragmentos: “como historiador só posso saudar o lançamento deste livro, retomando as palavras de Donatella (o que sempre pensei a respeito desse livro), ou seja sua importância metodológica, pois o país ainda carece de metodologias que estudem a produção arquitetônica e a concepção urbanística para além da monografia tradicional. Também no esforço em superar a noção de ‘influência’, que, custo a crer, ainda é tão presente no Brasil, e para que se possua argumentação para colocar-se a questão da transferência e das apropriações de modelo sob uma perspectiva realmente sólida, para que entendamos as trajetórias, e sobretudo as materializações que tanto as correntes historicistas como o ecletismo assumiram no país. O livro de Heliana tem esse papel, e agora traduzido para o português, ensinará várias gerações sobre como proceder diante das fontes. Sabemos o desafio que representa atravessarmos o Atlântico para conseguirmos reestabelecer esses fluxos, o esforço para entender as circulações entre Europa e América do Sul, mas também dentro da própria América do Sul com o trânsito dos profissionais, das publicações ilustradas, no âmbito do historicismo e do ecletismo [...]. Nós ainda não conseguimos compreender o impacto da presença dos modelos italianos [...] um desafio na historiografia. Como historiador, professor e leitor fico muito entusiasmado com este livro, com a luz que a autora joga de maneira renovada para o artesão, para o mestre de obras que é um personagem fundamental na produção arquitetônica brasileira. Ela dá pistas fundamentais para compreender-se a circulação das imagens, a capacidade criativa dos profissionais na partilha de circuitos de saberes arquitetônicos e sua recriação”.
sobre a autora
Donatella Calabi é professora do Departamento de Arquitetura, Construção e Conservação do Università Iuav di Venezia, Itália.