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abstracts

português
Este breve ensaio visa problematizar a expectativa gerada sobre o Metaverso e sua relação com a arquitetura, com intuito de provocar reflexões sobre o papel deste campo na era da especulação financeira digital.

english
This short essay aims to problematize the expectations generated about the Metaverse and its relation to architecture, in order to provoke reflections about the role of this field in the era of digital financial speculation.

español
Este breve ensayo pretende problematizar las expectativas generadas sobre el Metaverso y su relación con la arquitectura, para provocar reflexiones sobre el papel de este campo en la era de la especulación financiera digital.

how to quote

PEREIRA, Diogo Augusto Mondini. Problemas da arquitetura no dito Metaverso. Resenhas Online, São Paulo, ano 21, n. 251.02, Vitruvius, nov. 2022 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/21.251/8663>.


No blockbuster norte-americano A Origem (Inception, 2010) do diretor Christopher Nolan, uma estudante de arquitetura (interpretada por Elliot Page) recebe uma proposta tentadora: ela poderia projetar inúmeras arquiteturas e até cidades, as quais serviriam de palco onírico para uma organização obscura que tinha como objetivo inculcar ideias nas pessoas através dos sonhos.

Neste filme, vemos a estudante de arquitetura, como num passe de mágica, projetar edifícios e cidades inteiras que se “materializam” nos sonhos, além de suspender as leis da física, fazendo partes da cidade e edifícios se moverem, dobrarem e virarem de ponta cabeça (1). Esqueçamos que projetar com este grau de detalhe um edifício, muito menos uma cidade, seria obviamente uma tarefa hercúlea, mesmo para uma equipe de arquitetos, e que duraria, na melhor das hipóteses, meses. Esta é apenas uma das diversas liberdades poéticas tomadas pelo diretor; foquemos no que leva a estudante de arquitetura aceitar sua missão: neste ambiente virtual/onírico ela poderia explorar sua criatividade de uma maneira que jamais conseguiria na sua vida profissional.

Cena do filme A Origem (Inception, 2010), direção de Christopher Nolan
Foto divulgação

De fato, este é um problema que nossa profissão deve encarar cada vez mais: diferentemente do século 19 e 20, período em que a figura do arquiteto e urbanista moderno foi moldado, a tendência de crescimento da população mundial e de acelerada urbanização deverá se reverter no século 21, em muitos países já há cenários de decréscimo populacional. Nos encontramos, neste século, em um mundo com cidades consolidadas e um futuro com cada vez menos demanda para projetos ex novo. Prenúncio de futuras crises no campo.

Mas afinal, o que será da profissão de arquitetos e urbanistas neste novo cenário que se desenha? De certa forma, essa mudança já é sentida: crescem – e deverão crescer ainda mais – as demandas de restauro, reabilitação e readequação de edifícios e trechos de cidade, criação de anexos, reformas de interiores etc. Fora isso, cresce, também, a consciência de um campo ampliado da arquitetura. Arquitetos e urbanistas podem atuar em diversas áreas, além da construção civil, e isto não chega a ser uma novidade: há um campo de trabalho na cenografia, seja para peças de teatro ou produções audiovisuais, há campo de trabalho em planejamento e gestão de projetos lato sensu (2) e, por exemplo, há um crescente campo de trabalho para ambientes virtuais, como video games cada vez mais detalhistas.

Cena do filme A Origem (Inception, 2010), direção de Christopher Nolan
Foto divulgação

É neste último caso que emerge o conceito, ainda um tanto obscuro, de Metaverso. Ambientes virtuais não são uma novidade sequer desta década, a possibilidade de interação online em um ambiente virtual já estava dada em jogos como Second Life, The Sims, GTA, Assassin’s Creed entre tantos outros. Não obstante, neste exato momento, o campo da arquitetura tem sido bombardeado com uma mensagem constante: “o Metaverso será um importante campo de exploração para a arquitetura”.

No portal de divulgação de arquitetura e urbanismo Archdaily Brasil, com frequência quase semanal, há artigos que parecem encontrar no metaverso as mesmas promessas postas à estudante de arquitetura no filme de Nolan: “Metaverso: fim das limitações para os arquitetos?”, “Metaverso como uma oportunidade para arquitetos”. Só em 2022 já há neste portal mais de 20 artigos com este teor.

Antes de aceitarmos, tacitamente, tais promessas de um futuro deslumbrante, caberia questionarmos, parafraseando o artista Richard Hamilton: “afinal, o que torna o Metaverso tão diferente, tão atraente?”. Sabemos que a ideia de um ambiente virtual para interação entre usuários não é nova, e a possibilidade dos arquitetos atuarem numa área que não seja propriamente a construção civil, tampouco. A grande novidade posta pelo Metaverso, como se apresenta, é a possibilidade de replicar no ambiente virtual a especulação imobiliária-financeira em uma réplica do consumo do mundo real. Subverte-se, portanto, uma noção lúdica-recreativa do video game para uma promessa de retornos financeiros que por ora, não passa de uma aposta.

Cena do filme A Origem (Inception, 2010), direção de Christopher Nolan
Foto divulgação

Curiosamente, a aparência distópica desta mais nova investida do capitalismo tardio (3) – financeirização e especulação sobre o ambiente web – deriva justamente de um romance cyberpunk dos anos 1990 intitulado Snow Crash, no qual o termo Metaverso foi criado, que descreve um mundo futurista dominado por corporações. Talvez para as corporações de hoje esse cenário soe como uma utopia (4).

Neste contexto de especulação imobiliária-financeira sobre "terrenos virtuais", emergem problemas que dificilmente se veem abordados nos artigos que advogam um futuro iluminado nesta nova trincheira do capitalismo tardio. Em primeiro lugar, tais ambientes, como o próprio Metaverso do antigo Facebook, se apresentam com uma interface gráfica tosca e uma experiência virtual muito aquém do que video games já vinham entregando há décadas (5). Este tipo de dado é um sinal de que, diferente do que é propagandeado até agora, não há um investimento numa nova interface, experimentação e usabilidade. A expectativa de retornos financeiros especulativos parecem ser o verdadeiro motor, que move a mais nova bolha de capital fictício (6).

Há também de se pensar, qual é o público disposto a investir em NFT (sigla para token não fungível, isto é, terrenos, espaços e outras parafernálias virtuais comercializadas na expectativa de que gerem alguma valorização futura, meramente enquanto objetos de desejo). Este público é muito mais específico do que o público que jogaria video games, criando um ambiente homogêneo que, aparentemente, demonstra-se pouco atraente para as interações sociais ubíquas que almejam – isto considerando que almejem alguma interação, além da simples especulação financeira. Trata-se na maioria das vezes do perfil do investidor em ativos de alto risco: homem, branco, jovem de classe média-alta. Não é espantoso, portanto, ver constantes relatos de assédio a mulheres e minorias neste tipo de ambiente (7).

Cena do filme A Origem (Inception, 2010), direção de Christopher Nolan
Foto divulgação

Outro problema imediato é que, com o arrefecimento da pandemia de Covid-19, há uma grande demanda de retorno aos lugares públicos e coletivos: bares, restaurantes, cinemas, eventos, estabelecimentos comerciais e parques estão constantemente lotados, mesmo diante da crise econômica decorrente do próprio contexto pandêmico (8). Há uma nítida saturação de interações virtuais. Tendo este cenário atual posto, parece difícil acreditar que um ambiente virtual pago possa superar a experiência real.

A grande maioria, se não a totalidade, dos projetos feitos por arquitetas e arquitetos não é construída: são muitas vezes esboços, trabalhos acadêmicos ou propostas recusadas, muitos destes já são modelos virtuais. Estamos, portanto, acostumados a projetar a virtualidade muito mais do que a realidade. Naturalmente, espaços virtuais podem ser um dos possíveis campos de atuação futura da profissão. Longe de qualquer ponderação, vemos, contudo, o campo da arquitetura pautado pela agenda das big techs e investidores, sedentos por um verniz cultural sobre seu capital especulativo. Cabe um distanciamento crítico dos fenômenos, para que a profissão não seja cooptada pela expectativa de lucros imediatos e corrobore com algo que ainda se apresenta como promessa de um futuro um tanto turvo. Analisando os fatos, por enquanto, o Metaverso não apresenta nada de verdadeiramente novo e redentor para o futuro da profissão.

notas

1
Ainda é possível ver uma reminiscência desta ideia transferida para uma tecnologia em que, num futuro, isto poderia ser aplicado ao mundo real em Interestelar (2014), outro filme de Nolan.

2
BARROS, Gil Garcia de. A contribuição das profissões de projeto no enfrentamento de problemas complexos. 2019, Anais. São Paulo, FAU USP, 2019 <https://bit.ly/3ub3Ef5>.

3
Neste caso, a interação social web, já existente e profundamente difundida, no Metaverso vira um pano de fundo para a mais pura especulação capitalista, ilustração para a fase do capitalismo tardio de “penetração e colonização do inconsciente e natureza” conforme Jameson, ver: JAMESON, F. A lógica cultural do capitalismo tardio. Pós-modernismo, a lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo, Ática, 2007, p. 27-79.

4
NAUGHTON, John. The metaverse is dystopian – but to big tech it’s a business opportunity. The Guardian, jan. 2022 <https://bit.ly/3VC3J78>.

5
MACHADO, Simone. Metaverso do Facebook é alvo de críticas por design ruim. Tilt Uol, ago. 2022 <https://bit.ly/3gJ24xX>.

6
INVESTING.COM. Morgan Stanley alerta que NFTs e metaverso podem ser a próxima bolha a estourar. Investing.com, mai. 2022 <https://bit.ly/3VBTQq0>.

7
POWERS, Benjamin. The metaverse is everything you hate about internet, strapped to your face. Grid News, feb. 2022 <https://bit.ly/3ETGtLd>.

8
SILVEIRA, Daniel. Setor de serviços cresce 0,2% em abril. G1, Jun. 2022 <http://glo.bo/3VmU9oV>.

sobre o autor

Diogo Mondini Pereira é doutorando, mestre e arquiteto e urbanista pela FAU USP. Integrante do Grupo de Pesquisa CNPq Representações: Imaginário e Tecnologia (RITe). Desenvolve a pesquisa de doutorado “Imaginários e representações da tragédia do desenvolvimentismo brasileiro: Arquitetura e Urbanismo de Brasília à redemocratização” com apoio da Fapesp (Processo: 2021/03549-0).

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