Your browser is out-of-date.

In order to have a more interesting navigation, we suggest upgrading your browser, clicking in one of the following links.
All browsers are free and easy to install.

 
  • in vitruvius
    • in magazines
    • in journal
  • \/
  •  

research

magazines

reviews online ISSN 2175-6694


abstracts

português
Esta resenha faz parte de um estudo preliminar acerca do método crítico-paranoico, forjado pelo pintor surrealista Salvador Dalí, e sua possível reprodutibilidade em outros campos das artes, como na arquitetura e urbanismo.

english
This review is part of a preliminary study about the critical-paranoid method forged by the surrealist painter Salvador Dalí, and its possible reproducibility in other fields of the arts, as the field of architecture and urbanism.

español
Esta revisión es parte de un estudio preliminar sobre el método crítico-paranoico forjado por el pintor surrealista Salvador Dalí, y su posible reproducibilidad en otros campos de las artes, más específicamente en arquitectura y urbanismo.

how to quote

SANTOS JR, Sérgio Antonio dos; PATELLI, Pedro Henrique Natalino. O método crítico-paranoico de Salvador Dalí. Resenhas Online, São Paulo, ano 21, n. 252.01, Vitruvius, dez. 2022 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/21.252/8670>.


Esse texto segue a seguinte estrutura metodológica, feito em seis etapas: a) identificação da obra apresentada; b) breve descritivo biográfico do autor e a identifique o público-alvo; c) contextualização sobre o momento em que a obra se insere; d) descritivo sobre a estrutura da obra; e) reflexão sobre seu conteúdo; f) por fim, uma análise crítica-interpretativa correlacionadas ao campo da arquitetura e urbanismo.

Escrito por Salvador Dalí, o livro Sim ou a paranoia – método crítico-paranoico e outros textos foi publicado em 1971, entretanto seus textos são anteriores a esta data, muitos deles sendo transcrições exatas de fitas gravadas no momento de seu pronunciamento e não revisados pelo autor. Trata-se, portanto, de uma coletânea de reflexões, mas com destaque a três focos: o primeiro, e talvez o principal, refere-se ao discurso sobre o método crítico-paranóico, que para o campo da arquitetura e urbanismo é de instigante curiosidade investigativa pelas declarações já feitas por Rem Koolhaas, em seu livro Nova York Delirante (1), uma das principais referências para a disciplina, ao dizer que faz uso desse método. Subsequente, o interesse do leitor recai sobre o Manifesto aos estudantes, escrito no homérico Maio de 1968. Por fim, o autor agrupa praticamente tudo o que escreveu durante quarenta anos – um conjunto de ideias dispersas – sobre arte, psicanálise, política, ciência, sexo, entre outras reflexões.

Nos textos autobiográficos de Dalí, um dos primeiros incômodos percebidos pelo leitor verte-se sobre seu nome. “Salvador” foi o nome dado ao seu irmão que faleceu, antes de seu nascimento e fez com que visse a si mesmo como fantasma do irmão morto. Por isso desde muito cedo sua obsessão pela morte, um dos temas presentes em quase todas suas obras (2). Como se sabe, Dalí entrou no movimento surrealista, incentivado por Miró, em 1928. Sua formação no curso das Belas-artes na Espanha foi conturbada, chegando inclusive a ser expulso da escola devido ao envolvimento em contestações polêmicas. Dalí era uma pessoa excêntrica e gostava de impressionar com suas obras e apresentações. O aspecto chocante de suas obras fez com que seus amigos, em 1929, ficassem temerosos de que houvessem tendências coprófilas (3).

“O grande masturbador”, de Salvador Dalí, 1929
Imagem divulgação

Pelo exposto, perceptível é que Dalí recebeu forte pressão psicológica por ter herdado o nome do irmão morto e, com isso, acreditava que seus pais depositavam dupla expectativa nele, o que quase o levou ao extremo da loucura por tal responsabilidade. E isso só não ocorreu, segundo relato do próprio Dalí (p. 34), devido a criação do método crítico-paranóico, e pelo amor à sua esposa, Gala. Por essa via de entendimento, sobre a “criação do método” ter aliviado a pressão psicológica e salvo uma vida, não fica difícil intuir que, além dos amantes das artes, os pesquisadores da mente despertassem um olhar crítico e investigativo sobre a questão. Desse modo, para melhor entendimento do autor, sua obra e de seus principais intérpretes, se faz necessário um pouco de conhecimento, ou ter interesse, em psicanálise.

Sigmund Freud (1856-1939) foi o criador da psicanálise, e seu grupo faz parte da primeira geração de psicanalistas. Mas é de especial relevância a segunda geração de psicanalistas, os sucessores de Freud dos anos 1930, pelos avanços teóricos em relação à teoria freudiana das psicoses, que emerge um campo de estudo específico: da paranóia (alucinante e delirante), sobretudo com Jacques Lacan (1901-1981). Coincide que nesse mesmo momento do contexto histórico, o surrealismo compartilha junto com a psicanálise, a efervescência cultural e intelectual, que encontra maior reverberação e amparado na França (4).

A luz dessas considerações, cabe destacar que outros textos do autor, inclusive a própria obra aqui resenhada, teve sua primeira versão publicada em francês, intitulada: Oui, em 1971, já com a corrente artística (o surrealismo) em crise ideológica – de produção e prática da disciplina –, mas que chamou a atenção de arquitetos pós-modernos que se familiarizavam com suas ideias, pois o modernismo na Europa também estava em crise.

No decorrer de suas 168 páginas, em folha no folha A5 (retrato), Sim ou a paranoia – método crítico-paranoico e outros textos, é dividido em vinte e um capítulos, intitulados: 1) A conquista do irracional; 2) Novas considerações gerais sobre o mecanismo do fenômeno paranoico do ponto de vista surrealista; 3) Aspectos fenomenológicos do método crítico-paranoico; 4) As novas cores do sex appeal espectral; 5) Primeira lei morfológica sobre o pelo nas estruturas moles; 6) Honra ao objetivo; 7) Aparições aerodinâmicas dos “seres-objetos”; 8) Objetos psico-atmosféricos-anamórficos; 9) Devaneio; 10) O fenômeno do êxtase; 11) O grande masturbador; 12) Minha revolução cultural; 13) Homenagem a Meissonier; 14) O surrealismo espectral do eterno feminino pré-rafaelita; 15) Da beleza terrificante e comestível da arquitetura modern style; 16) A visão de Gaudí; 17) Psicologia não-euclidiana de uma fotografia; 18) Os chinelos de Picasso; 19) Objetos surrealistas; 20) A metamorfose de Narciso; e 21) O tricentésimo milionésimo aniversário de Kooning. Estes capítulos podem ser lidos de forma independente, haja vista que as ideias neles expressas não estão concatenadas.

E eis que surge a questão: o que o campo da arquitetura e urbanismo pode aprender com a obra e como ela informa projeto? Para responder tal indagação, destaca-se aqui, de maneira sintética, alguns pontos chave de leitura e de interesse para a arquitetura e urbanismo.

Em “A conquista do irracional”, o autor propõe que as artes – em sentido amplo – devem romper com o originalmente proposto pela racionalização e que é seu dever estimular diversos estágios mentais de excitação (emocional). Com tonalidade crítica, fala sobre a “atual fome pela cultura do mundo”, onde a palavra “atual”, refere-se ao “estado da modernidade – algo em constante atualização, sempre novo, moderno e racional” que deve ser ponderado. Se lido de modo sequencial, no capítulo 2, Dalí zomba do pensamento lógico, exaltando os desejos hedonísticos humanos, que não são padronizados, mas abstrações subjetivas.

"A Rendeira", de Johannes Vermeer, c.1669-1670
Imagem divulgação

Àqueles não acostumados ao do processo criativo, dificilmente compreendem o capítulo 3. Por “Aspectos fenomenológicos” subjaz o entendimento do empirismo. Semelhante a uma parábola, Dalí conta uma história que antevê a elaboração de uma de suas pinturas, envolvendo o quadro Dentelière (a rendeira), de Johannes Vermeer (1669-1970), que ficou marcado em sua memória, pois seu pai possuía uma réplica no escritório e ao tentar reproduziu uma cópia, é tomado pela lembrança de seus cotovelos apoiados sobre a mesa, marcados por cascas de pães, e o som de um rouxinol. De fato, esses elementos poderiam servir de inspiração para uma nova criação, mas, ao invés disso, se lembrou da geometria dos girassóis e dos chifres dos rinocerontes, e assim o fez. A mensagem que Dalí quer transmitir é: não temos controle! Traçamos um percurso que parece linear/planejado, mas, repentinamente, somos desviados e, colhemos resultados in-esperados – e assim, normalmente é do processo criativo.

Outro ponto relevante para se pensar em arquitetura, que informa projeto, está no capítulo 4, onde Dalí apresenta dois conceitos seminais pertencentes ao método crítico-paranoico: os “fantasmas” e os “espectros”, categorizados segundo a visão psicanalítica de Jacques Lacan sobre a paranoia.

  • O Fantasma: trata-se de um elemento alucinante, o paranoico sente certeza que é real, pois permeia seu sinestésico, mas é uma projeção subjetiva do real (5).
  • O Espectro: trata-se de um elemento delirante, um achismo, que o paranoico não tem certeza da realidade experienciada, surreal.

A partir desse ponto, nos próximos capítulos do 5 ao 12, Dalí intercala a seguinte relação: corpo; corpo-espaço-objeto – matéria; corpo-espaço-abstrações – pensamentos/ideias, sentimentos. Aqui, assume especial relevância os capítulos 6 e 8, onde Dalí exemplifica que os desenhos, as formas geométricas, como a cruz, recebem a valoração simbólica (crítica) e que cada cultura a interpreta, em conformidade a sua visão política-filosófica-religiosa. Para as artes, as formas informam posturas críticas-interpretativas e atuam como verdadeiros manifestos.

Nos capítulos 10 e 11, “O fenômeno do êxtase” e “O grande masturbador”, outros dois pontos de operacionalização metodológica: o prazer em excesso e o excesso de prazer, subsidiado pela insistente abordagem sobre o ato repetitivo.

De fato, as principais chaves de leitura para a recaem sobre os capítulos 15 e 16. Em “A visão de Gaudí”, o autor explica que o desejo, gozo e o amparo, são próprios de uma reinterpretação do catolicismo e do gótico mediterrâneo, que foram levados ao extremo de seu paroxismo por Gaudí. E em a “A beleza terrificante e comestível da arquitetura modern style”, todo o elogio e virtuosismo do passado (de Gaudí) foi deixado de lado, e Dalí diz ser o primeiro a considerar a arquitetura moderna como delirante e depreciativa, pelo seu caráter extra plástico, puramente funcional: baseada nas mecânicas racionais, mas lamentáveis da perspectiva sentimental, pois “é na arquitetura que poderemos admirar a essência de todo elemento, em toda sua existência, uma arte superior, onde o vivido acontece” (6). Dalí dizia que deturpado foi o sentido que muitos arquitetos atribuem as retas e as curvas, respectivamente como elementos anti-decorativos e decorativos.

Os outros textos não encontram ecos imediatos com a disciplina arquitetura e urbanismo. Dessas instâncias apresentadas, pode-se dizer que o método crítico-paranoico é uma chave de leitura e um instrumento de produção subjetivo, típico da arte surrealista, que tem o intuito de oferecer uma possibilidade interpretativa. O método opera, pela vertente paranoica, em uma realidade: a) fantasmagórica a fim de torná-la espectral – das convicções às incertezas –, e dessa perseguição em desvendar seus mistérios criados; b) consubstanciar um êxtase de prazer, o que requer repetição e densidade; c) e forte desejo, gozo (reincidência) e o amparo.

Casa da Música, Porto, Portugal, 2005. Arquitetos Rem Koolhaas e Ellen van Loon
Foto Marinho Paiva [Wikimedia Commons / Licença CC BY-SA 3.0]

Em um exercício breve de imaginação, se nos recordarmos da Casa da Música de Rem Koolhaas e Ellen van Loon, na cidade do Porto, Portugal (2005), perceberemos as caracteristicas em uso do método, por meio da lapidação excessiva da forma (repetição e densidade) de seus recortes chanfrados na geometria; das incertezas da estabilidade estrutural (mistérios: fantasmagórico–espectral); além do convite para adentrá-la e explorá-la, que promovem forte desejo, gozo (reincidência) e o amparo. Espera-se que esta reflexão sobre a obra seja um convite para se explorar mais essa questão metodológica no campo da arquitetura e urbanismo sobre diversas obras e sua reprodutibilidade.

notas

1
KOOLHAAS, Rem (1978). Nova York delirante. Prefácio de Adrián Gorelik. Tradução Denise Bottmann. São Paulo, Cosac Naify, 2008, p. 15.

2
Cf. LIMEIRA, Claudio de Souza. Psicanálise e surrealismo: uma análise lacaniana do método paranoico-crítico de Salvador Dalí. Dissertação de Mestrado. Florianópolis, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em Psicologia, UFSC, 2010.

3
Cf. REBOUÇAS, 1986 apud LIMEIRA, Claudio de Souza. Op. Cit., 2010, p. 43.

4
Cf. LIMEIRA, Claudio de Souza. Op. cit., 2010, p. 12.

5
Se reuníssemos uma amostra e solicitássemos as pessoas que cada um desenhasse um fantasma, obteríamos resultados tão diversos quanto o folclore nos permitirá. Cf. DALI, Salvador. Sim ou a paranoia – método crítico-paranoico e outros textos, p. 46. 

6
Cf. Idem, ibidem, p. 123.

sobre os autores

Sérgio Antônio dos Santos Júnior é graduado em Turismo (2008) e em Arquitetura e Urbanismo (2013), mestre em Arquitetura e Urbanismo (2015) e doutor em Arquitetura e Urbanismo (FAU USP, 2022).

Pedro Henrique Natalino Patelli é graduado em Design de Interiores (2016) e em Arquitetura e Urbanismo (2021).

comments

resenha do livro

Sim ou a paranoia

Sim ou a paranoia

Método crítico-paranoico e outros textos

Salvador Dalí

1974

252.01 livro
abstracts
how to quote

languages

original: português

share

252

252.02 filme

A (des)potencialização da vida

Um novo olhar a partir do curta-metragem Alike

Adriano Menino de Macêdo Júnior

252.03 momento político

2023 vai ser o que você fizer

Ailton Krenak

newspaper


© 2000–2024 Vitruvius
All rights reserved

The sources are always responsible for the accuracy of the information provided