A arte imita a natureza. Aristóteles dizia que a arte imita a vida. Mímeses é a imitação, a representação da sociedade através da Literatura
Leyla Perrone-Moisés, A criação do texto literário (1)
A epígrafe utilizada nesta resenha se associa ao que aparece representado no curta metragem Alike (2), na medida em que encontramos uma relação de verossimilhança entre a narrativa fílmica e o mundo moderno. A película Alike foi produzida e dirigida por Daniel Martínez Lara e Rafael Cano Méndez e trata-se de uma animação em 3D, originada na Espanha, mais precisamente na escola de animação Pepe-School-Land (3), que fica em Barcelona. Este curta-metragem tem duração de aproximadamente 8 minutos de narrativa audiovisual. Está produção pode ser interpretada como uma representação da (des)potencialização da vida, a partir das ações dos sujeitos adultos e uma criança que começa a estudar.
Essa (des)potencialização ocorre quando o filme Alike retrata exatamente o que acontece nos dias atuais, trazendo o personagem do pai, cognominado Copi, e o protagonista, representado pelo seu filho, uma criança chamada de Paste. Na película, observamos uma sociedade na qual as ações dos humanos aparecem ficcionalizadas de maneira mecanizada, a partir de comportamentos repetitivos, que impedem o ingresso da criança no universo artístico, bem como suas futuras escolhas (4).
A rotina automatizada na qual estão inseridos os dois personagens se revela por um cotidiano programado, que não permite qualquer mudança. No desenrolar do enredo, observamos que Copi parece reforçar toda a perpetuação de um comportamento instrumentalizado em Paste, na medida em que tenta orientá-lo para as mesmas práticas de sempre: acordar cedo, seguir para a escola pelo mesmo trajeto, realizando sempre as mesmas tarefas, não obstante o professor também se comporta como o pai de Paste, obrigando-o a fazer sempre os mesmos deveres na escola, da mesma maneira que é repetitivo o trabalho do pai, conforme observamos pelo recorte das duas imagens abaixo.
A (des)potencialização é reforçada pela fotografia da película fílmica, por cenários sem cores, em tons acinzentados, que lembram uma falta de vida. Entretanto, ao ver o violinista na rua, é despertado o desejo e a criatividade do Paste que mostra sinais de que quer tecer sua educação pelas vias artísticas, saindo de um modelo de ensino que lhe é imposto pelo pai e pelo professor, que também são vítimas de um sistema opressor/censurador.
Por outro lado, a criança se encanta com aquilo que foge de sua rotina, um artista tocando um instrumento musical chama a atenção do Paste, despertando nele uma espécie de gosto pela arte. A arte, nesse sentido do contexto da narrativa fílmica, é aquilo que desterritorializa a criança do lugar das mesmas práticas do cotidiano, da paisagem cinzenta da cidade, trazendo um colorido para a sua vida. Na medida em que ele é tomado pelo espirito da arte, com a experiencia da música que ouve, tenta ser criativo na escola, mas é sempre censurado pelo professor. Chegando a tal ponto da criança se ver na mesma vida do pai, uma vida infeliz, de quem não faz o que gosta.
Sucumbidos pelas regras ditadas pela sociedade moderna e robotizada, Paste e Copi vão perdendo gradativamente suas cores, como uma vela que se apaga. Contudo, quando o pai possibilita ao filho compartilhar a experiência do artista as coisas se transformam e a vida dos dois personagens se potencializa. A criança e o pai recuperam a alegria e o afeto, que no filme é reforçado pelo retorno das cores, que significa a retomada da própria potência de vida.
Após a exibição do filme, podemos nos questionar a respeito do papel da escola, do professor e da família na educação das crianças. O papel do professor na escola é o de castrar, censurar e reprimir a criança? Qual o papel da família na construção e história da criança? Diante dessas indagações, nos posicionamos criticamente ao cenário em que o protagonista Paste é colocado. A escola é um ambiente que deve encorajar e incentivar os seus alunos à criatividade e orientá-los a descobrir o seu papel na sociedade. A película traz em seu enredo a postura de um professor com processos de ensino-aprendizagem que mais castram, censuram e reprimem a criança do que ajudam na construção do seu caráter social. Lara & Méndes (2017) suscitam em sua obra fílmica a postura de um professor que vai contra o pensamento de educadores importantes na história da educação como Paulo Reglus Neves Freire (1921-1997) e Célestin Freinet (1896-1966).
Desse modo, a película Alike retrata a semiótica social do que acontece no mundo contemporâneo, “a arte imitando a vida”. Há muitas famílias que apenas inserem seus filhos na escola, deixando-os de lado. No processo ensino-aprendizagem, a família tem influência majoritária na vida de cada aluno. É importante observar e levar em conta os interesses de cada sujeito, para que nesse processo de ensino-aprendizagem não haja frustações e a criança e adolescente não se tornem adultos decepcionados com as carreiras escolhidas. O curta-metragem Alike deve ser encorajado em muitos cursos de capacitações, pós-graduações, bem como as demais formações continuadas para docentes, para que estes não se tornem antagonistas nas vidas de muitos dos seus alunos.
notas
1
PERRONE-MOISÉS, Leyla. A criação do texto literário. In: PERRONE-MOISÉS, Leyla. Flores na escrivaninha. São Paulo, Companhia das Letras, 2006, p. 100-110.
2
“Alike”, direção de Daniel Martínez e Rafa Cano Méndez curta-metragem, Espanha, 2015, 8min <https://www.youtube.com/watch?v=PDHIyrfMl_U>.
3
“Vários ex-alunos da escola juntaram-se à equipa que, com recurso a software open-source tal como Linux (sistema operativo) e Blender 3D (software generalista de produção 3D), produziu esta curta-metragem”. KORPYS, Paulo; TEIXEIRA, Pedro; FERREIRA, António. Barreiras de silêncio: um olhar sobre a curta-metragem Alike. CONFIA. International Conference on Ilustration & Animation Viana do Castelo. Portugal, jun. 2019.
4
Ver: idem, ibidem.
sobre o autor
Adriano Menino de Macêdo Júnior é farmacêutico-generalista, discente do curso de Letras Português na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN.