É sempre objeto de discussão, nos cursos de graduação e pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo das universidades brasileiras, a recorrente ausência da crítica ou de uma mínima matriz interpretativa da arquitetura brasileira que possa fornecer novas balizas e discussões.
Niemeyer é, certamente, o maior dos nossos arquitetos. Em um país que viu o relativo recente afloramento de personagens como Lina Bo Bardi e Paulo Mendes da Rocha, arquitetos que conquistaram um espaço em mostras, premiações e que entraram para um seleto rol de arquitetos que todos, em qualquer lugar do mundo conhecem, Niemeyer permanece com um reconhecimento muito especial e com um lugar na história da arquitetura brasileira que nenhum outro arquiteto jamais terá.
Isso porque Niemeyer, além de personagem astuto e talentoso, parece ter estado, ao longo de toda sua vida, sempre no lugar e na hora certa – e com amigos e companheiros que sempre foram uma base de bons trabalhos. Ter crescido e estudado no Rio de Janeiro em um período onde as ideias por lá floresciam certamente contribuiu para uma imagem profissional que se misturou não apenas com a arquitetura brasileira, mas com toda a cultura do país do século 20 – como a música, as artes plásticas e a literatura. Niemeyer, além de arquiteto, figura como um dos símbolos da cultura brasileira mesmo para quem não é arquiteto e não possui proximidade com a profissão, o que não é pouca coisa.
A existência deste personagem tão poderoso traz, no entanto, a dificuldade de como interpretar seu trabalho como arquiteto de forma consistente. A verdade é que faltam leituras e narrativas sobre Niemeyer, e o que prevalece é, em grande parte, uma leitura que o próprio arquiteto criou de sua própria obra. Um exemplo disso é a sempre presente e mencionada ‘curva’ como algo que tornaria a arquitetura moderna brasileira singular. Se isso é verdade, e se as linhas curvas de Niemeyer fizeram este arquiteto conhecido mundo afora, é verdade que Niemeyer também projetou edifícios de muitas técnicas construtivas, inclusive com componentes pré-fabricados e com soluções também muito interessantes.
É por este motivo que devemos considerar Oscar Niemeyer e o modernismo de formas livres no Brasil, livro de David Underwood, leitura obrigatória. Não para o termos como cartilha, mas para, em primeiro lugar, compreendermos o estado da arte de certa crítica e, ai sim, avançarmos em outras possíveis leituras.
Ao longo do texto, que está estruturado em três partes (Um intinerário carioca, O natural, o surrealista e o belo e O impulso utópico), o autor faz uma leitura já muito difundida da obra de Niemeyer. Em determinado trecho, o autor comenta:
“Talvez mais do que qualquer outro arquiteto moderno, Oscar Niemeyer tenha feito valer a liberdade em arquitetura – a liberdade sem amarras de expressar-se contra as limitações impostas pela história; a liberdade cultural de pronunciar-se em alto e bom som contra as injustiças de uma realidade colonial persistente e contra as banalidades da tradição acadêmica europeia; a liberdade instintiva de tirar suas ideias da topografia brasileira e de traçar projetos de acordo com suas curvas. A arquitetura de Niemeyer é antes de tudo uma vigorosa celebração do tropical e do erótico, das paisagens mágicas e do sensual modo de vida do Rio de Janeiro em que nasceu” (p. 19).
No ano de 2002 o arquiteto Otavio Leonidio publicou uma resenha na revista Bravo! sobre o livro de Underwood, posteriormente republicado no portal Vitruvius. Nesta ocasião ele afirmou: “É verdade, não se trata, nesse caso, de um grande livro” (1). Esta parece ser uma posição correta, vide a citação acima, repleta de generalidades e informações tiradas não de documentos e análises mais aprofundadas e sim das falas do próprio Niemeyer. Mas também parece importante reforçar que este é um livro merece sua leitura, principalmente para criticá-lo – já que no texto há muitas lacunas e brechas evidentemente frágeis e de onde podem surgir pesquisas e outras matrizes interpretativas do trabalho de Niemeyer.
nota
1
LEONIDIO, Otavio. Um lugar para Niemeyer. Resenhas Online, ano 01, n. 009.01, São Paulo, Vitruvius, set. 2002 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/01.009/3235>.
sobre o autor
Luiz Gustavo Sobral Fernandes é Arquiteto (FAU Mackenzie, 2014) e geógrafo (FFLCH USP, 2019), mestre (IAU USP São Carlos, 2019) e doutorando (ETSAB UPC, Barcelona). É professor substituto do curso de Arquitetura e Urbanismo da FCT Unesp (Presidente Prudente).