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reviews online ISSN 2175-6694

abstracts

português
A resenha busca apontar a relevância da atuação do médico sanitarista no Recife, destacando seu envolvimento com questões urbanas, como um intelectual sensível à paisagem regional, com feitos na arquitetura e paisagismo local

english
The review seeks to present the relevance of the performance of the sanitary doctor in Recife, highlighting his involvement with urban issues, as an intellectual sensitive to the regional landscape, with achievements in local architecture and landscaping

español
La reseña busca presentar la relevancia de la actuación del médico sanitario en Recife, destacando su compromiso con las cuestiones urbanas, como intelectual sensible al paisaje regional, con realizaciones en la arquitectura y el paisajismo locales.

how to quote

BOAS, Bruna Peralva de Souza Vilas; CARNEIRO, Ana Rita Sá. Amaury de Medeiros e o Recife. Resenhas Online, São Paulo, ano 22, n. 260.02, Vitruvius, ago. 2023 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/22.260/8880>.


Amaury de Medeiros
Foto divulgação [Illustração Brasileira, a. V, n. 46, Rio de Janeiro, jun. 1924]

Nos descaminhos da saúde urbana global do ano de 2020, o livro Amaury de Medeiros e o Recife: Arquitetura, Cidade e Higiene na década de 1920 (1) de autoria da arquiteta e urbanista Telma de Barros Correia, professora aposentada do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo —IAU USP, nos oferece a oportunidade de repensar certos fatos que marcaram a construção do Recife moderno, sob a liderança de um personagem cuidador das pessoas e da cidade. Telma evidencia a competência do médico sanitarista e notável intelectual Amaury de Medeiros na função de administrador público que visando à saúde física e mental dos citadinos, pratica o saber interdisciplinar nas searas da arquitetura, do urbanismo e do paisagismo, entre os anos de 1923 e 1926.

Por meio de uma curadoria riquíssima em detalhes e iconografia, essa exaustiva investigação, que partiu das obras de Amaury para o Recife moderno, trata de pormenores da família e da atuação política do médico, perpassando temas como regionalismo, habitação social, administração pública, jardins públicos, arquitetura neocolonial e higienismo. No desdobramento de suas ações políticas, o olhar paisagístico surpreende na definição da composição arquitetônica e urbanística perseguindo o equilíbrio entre espaços construídos e espaços livres e verdes, portanto entre o edifício e o jardim, para proporcionar o bem-estar das pessoas.

O desempenho de Amaury de Medeiros como diretor do Departamento de Saúde e Assistência de Pernambuco — DSA, alguns anos após ter concluído o curso de medicina no Rio de Janeiro, e com trinta anos de idade, se deve ao convite do governador Sérgio Loreto. Os registros jornalísticos detalham os desafios enfrentados na cruzada sanitária diante de uma cidade insalubre e na interiorização dos cuidados de saúde para o controle de epidemias, o que gerou grande visibilidade ao governo de seu sogro. Por sua visão abrangente, Amaury assume, simultaneamente, o cargo de chefe do Serviço de Profilaxia e Saneamento Rural do Governo Federal — SPSR, desenvolvendo programas de educação sanitária nas escolas públicas e nas vilas operárias e exercendo o protagonismo dos profissionais de saúde pública. Esses assuntos são tratados pela autora nos dois primeiros capítulos.

Ressalta Telma que Amaury tinha o propósito de reverter o que entendia como uma decadência estética e sanitária das moradias recifenses e, logo, seus ideais se consolidaram nas ações de cadastramento, controle, regulação e vigilância das habitações visando à higiene, conforto e beleza. Cria a fundação A Casa Operária, gênese da política de habitação do Estado Novo em Pernambuco com o objetivo de implantar a habitação salubre, resguardada por um jardim, e participa da elaboração dos esboços dos planos e do projeto das casas, tratados nos capítulos três e quatro.

Outra temática que a autora explora é o envolvimento de Amaury de Medeiros no Movimento Regionalista, o que fomentou impacto nas discussões de arte, culinária, urbanidade e identidade nacional. Telma enfatiza a divergência de opinião entre Gilberto Freyre e o médico, por exemplo, na defesa do mocambo como habitação adequada ao clima assumida pelo sociólogo. Pontos em comum se referem à adesão à defesa do patrimônio histórico que carregava a identidade nordestina e à valorização da flora local e da paisagem do Nordeste. O interesse do grupo regionalista pela vegetação local proporcionou a realização da Semana das Árvores, uma das atividades que envolveu a conscientização popular sobre o aporte artístico, científico, urbanístico e literário das árvores do Nordeste, então aplicados na arborização urbana. A iniciativa levou conhecimento acerca das espécies arbóreas locais às escolas da cidade, apresentou a importância de uma cidade arborizada para o bem-estar da população e incentivou a contemplação e o envolvimento artístico com a natureza.

Abraçando a tradição, o médico sanitarista valorizava os monumentos históricos da cidade quando se assistia a perda de seu patrimônio em reformas modernizadoras. E, apesar de seus ideais higienistas, defendia o patrimônio urbano, em um contexto no qual boa parte de seus pares da área médica assumiam a derrubada de bairros inteiros sob pretexto da preservação da saúde pública. Seus ideais estéticos e sanitários, que se assemelhavam aos do engenheiro Saturnino de Brito da primeira década do século 20, eram destacados pelo jornalista Annibal Fernandes no Jornal A Provincia: “de fina sensibilidade […] um artista e um poeta, encantado com a belleza das coisas” (2). Essa é a discussão dos capítulos cinco e seis.

Amaury de Medeiros, de perfil inquieto e admirador da arte ousou arquitetar e projetou prédios para abrigar instituições de saúde e escolas, segundo princípios da arquitetura neocolonial. Apesar de suas ressalvas aos mocambos, insistia em seus discursos sobre a possibilidade de alinhar a arquitetura preexistente com práticas de higiene como a circulação de ar e a iluminação. Por sua sensibilidade à preservação do patrimônio natural priorizou o plantio de árvores, o ordenamento urbano e a drenagem urbana se fazendo paisagista, como assinala Telma, na implantação de parques nos quais empregou espécies vegetais da flora regional da qual era bom conhecedor. Isto se confirma na concepção e execução de dois parques densamente vegetados, o Parque Oswaldo Cruz e o Parque do Derby, ambos de apelo ao rústico e ao bucólico inspirados no jardim pitoresco inglês, perseguindo seu lema de “Trabalhar pela conservação da nossa paysagem, conservando as velhas árvores e plantando novas” (3). Nesse propósito, idealiza esses dois conjuntos arquitetônicos urbanos que permanecem até os dias atuais como espaços livres públicos de valorização da paisagem urbana do Recife. No Parque Oswaldo Cruz integra o edifício do DSA a um jardim público que projeta e no Parque do Derby colabora com a equipe de engenheiros responsáveis pelo plano de conjunto urbano e paisagístico inspirado nos preceitos de cidade-jardim com eixos de visibilidade do paisagismo francês, alamedas e um grande jardim central, em torno do qual foi projetado o prédio da Faculdade de Medicina do Recife, tema do capítulo sete denominado “Cidade e natureza”.

O humanista Amaury de Medeiros deixa sua marca no Recife no campo da saúde pública, mas também nos campos da arquitetura, do urbanismo e do paisagismo, priorizando a moradia saudável e os espaços públicos vegetados, concebendo paisagens especiais da cidade do Recife. Após o fim do mandato de Sérgio Loreto, Amaury de Medeiros passa a atuar como deputado federal em 1927, apresentando o mesmo perfil vigoroso, vivaz e entusiasta na defesa de um projeto de país e dos ideais de Saúde Pública, que não chegou a realizar como planejava. O jovem médico e político teve seu mandato e sua vida interrompidos por um trágico acidente de avião em 1928, quando participava no Rio de Janeiro de uma homenagem a Santos Dumont no seu retorno ao Brasil, assunto do capítulo oito.

O livro de Telma Correia é um convite ao leitor que quer conhecer a história da cidade por meio dos personagens que atuaram nos desdobramentos de ideais modernos expressos e que influenciaram gestões subsequentes, como a do interventor Carlos de Lima Cavalcanti quando se instala o Departamento de Arquitetura e Construção sob a direção do arquiteto Luiz Nunes e participação do paisagista Roberto Burle Marx. Certamente assimilaram a preexistência procedente das ações urbanas competentes do governo Sérgio Loreto por vezes desprezadas, item assinalado pela autora. É relevante essa contribuição de Amaury de Medeiros voltada ao tratamento da paisagem do bem-estar que prioriza os preceitos de uma cidade saudável, de áreas verdes e habitações salubres em prol da dignidade do ser humano.

notas

1
CORREIA, Telma de Barros. Amaury de Medeiros e o Recife. Arquitetura, cidade e higiene na década de 1920. São Paulo, Intermeios, 2020.

2
Idem, ibidem, p. 490.

3
Idem, ibidem, p. 482.

sobre as autoras

Bruna Peralva de Souza Vilas Boas é arquiteta e urbanista pela Universidade Federal de Pernambuco (2018). Mestranda no departamento de Desenvolvimento Urbano da mesma universidade, na qual compõe a equipe de pesquisa do Laboratório da Paisagem, onde desenvolve estudos sobre a relação da paisagem, identidade e bem-estar nos jardins públicos do Recife na década de 1920

Ana Rita Sá Carneiro é professora titular da graduação e da pós-graduação em Desenvolvimento Urbano e coordenadora do Laboratório da Paisagem do DAU UFPE. Doutora em Arquitetura pela Oxford Brookes University e membro do Comitê Internacional de Paisagens Culturais Icomos-Ifla e da Abap. Líder do grupo de pesquisa Jardins de Burle Marx e membro do grupo de pesquisa Pensar paisagem, ambos do CNPQ

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