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architexts ISSN 1809-6298


abstracts

português
Analisamos aqui o IMS São Paulo, e o SESC 24 de Maio. O pano de fundo caracteriza-se pelo desafio de falar de obras tão sofisticadas em um cenário latino-americano marcado por desigualdades e conflitos intensos.

english
We analyze here the IMS São Paulo and the SESC 24 de Maio. The stage set is characterized by the challenge of talking about two such sophisticated buildings in a Latin American scenery marked by intense inequalities and conflicts.

español
En este artículo analizamos el IMS São Paulo y el SESC 24 de Maio. El escenario se caracteriza por el desafío de hablar de dos edificios tan sofisticados en un escenario latinoamericano marcado por intensas desigualdades y conflictos.


how to quote

BISELLI, Mario; LIMA, Ana Gabriela Godinho. Estratégias contemporâneas de projeto na cidade de São Paulo. Instituto Moreira Salles e Sesc 24 de Maio. Arquitextos, São Paulo, ano 18, n. 216.00, Vitruvius, maio 2018 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/18.216/6989>.

Da cidade ao artefato

Neste Brasil de notícias desconcertantes, a arquitetura tem oferecido algumas boas novas no que se refere a edifícios de destaque e espaços públicos urbanos. Duas delas são objeto de nossa análise aqui: os recém inaugurados Instituto Moreira Salles e Sesc 24 de Maio em São Paulo.

Como arquitetura, estes edifícios despontam como exemplares excepcionais em termos de qualidade projetual, técnicas construtivas, inserção urbana. Como objetos recém-aparecidos em um cenário urbano difícil, suscitam ainda outros níveis de discussão. Como falar, e o que falar desta arquitetura distinta, em um universo latino-americano em que 85% dos habitantes ocupa o território urbano, em grande parte precário, carente de infraestrutura básica, violento? Talvez em nosso contexto a escala dos problemas sociais e urbanos tenha atingido tal dimensão a ponto de nos induzir a acreditar que a única atuação legítima, e a única fala relevante, seja aquela voltada diretamente para a precariedade que parece não parar de crescer, em tamanho e complexidade.

Não obstante, é importante reconhecer o papel das construções que incorporam características de excelência projetual e que, desde pelo menos os anos 1920 ou 1930 no Brasil, não apenas pontuam o espaço urbano com suas qualidades espaciais, compositivas e construtivas, mas também apontam caminhos de entendimento das possibilidades de pensar o espaço construído. 

Enquanto produto intelectual e cultural, a arquitetura tem muito a dizer e contribuir: é uma atividade que convoca e mobiliza um tipo de inteligência sintética, sincrética e dinâmica. Por outro lado, o raciocínio projetual, como modo de conhecer e atuar no mundo, é um tipo elusivo de saber, em especial quando diluído por lógicas distintas, como a financeira, social, etc. Embora possa estar articulada a elas, a lógica do projetar em arquitetura também possui um componente de autonomia. No âmbito do saber espacial e construtivo, as estratégias convocadas para resolver problemas em uma ponta da escala social e econômica não são, necessariamente, distintas daquelas necessárias para o outro polo. Afinal a história da arquitetura moderna brasileira também pode ser contada pela perspectiva do interesse da profissão pela exploração de soluções para os problemas sociais e econômicos do ambiente construído. A habitação social e a arquitetura escolar são dois exemplos significativos desta trajetória.

A esse respeito cabe ainda lembrar que, ao longo do século 20, o aporte brasileiro a “esse modo peculiar de conhecer o mundo”, como certa vez Paulo Mendes da Rocha referiu-se à prática da arquitetura, foi reconhecido também internacionalmente. Um interessante ponto de vista pode ser articulado a partir das exposições organizadas pelo The Museum of Modern Art – MoMA, de Nova Iorque. Em um arco de sete décadas, vemos acontecer, em uma ponta, a exibição e a edição do catálogo Brazil Builds: Architecture New and Old, 1652-1942, organizada por Philip Goodwin em 1943. Em 1955, a mesma instituição mostrou um levantamento inédito do modernismo na América Latina com Latin-American Architecture since 1945, organizado, bem como seu catálogo, por Henry-Russell Hitchcock. Nesse momento, o interesse voltou-se mais para o avanço das cidades modernas, e não apenas “expor ao público Americano o trabalho dos arquitetos líderes da região”.

No outro extremo temporal, em 2015, foi organizada a exposição Latin America in Construction: Architecture 1955-1980 (1), na mesma instituição. O enfoque foi o intenso crescimento urbano dos países latino-americanos após a Segunda Guerra Mundial. O texto de apresentação da exposição anunciava a intenção de oferecer um panorama complexo das posições, debates e criatividade arquitetural abrangendo desde o México e Cuba ao Cone Sul entre os anos de 1955 e início dos anos 1980.

Esta convergência de interesses explorados nas três exposições do MoMA, da arquitetura para a cidade, ocorrida ao longo das três exposições mencionadas, não é surpreendente. A dimensão dos problemas urbanos, a enormidade de escala dos territórios urbanos abrangidos pela Cidade do México e São Paulo, que se reflete na vastidão de problemas que parecem só aumentar sob o peso das últimas reviravoltas políticas, direciona nossas atenções para aquilo que identificamos como os principais desafios sociais, intensificados nas disputas territoriais no âmbito das cidades. A vultosa expressão dos conflitos latino-americanos teria, talvez, pautado o espírito da última exposição temática na célebre instituição nova-iorquina?

Acerca da última exposição no MoMA, escreve Gustavo Rocha-Peixoto:

A chegada aos amplos salões do sexto andar, ocupados pela mostra Latin America in Construction: architecture – 1955-1980, não lembra as exposições mais sofisticadas do MoMA, com paredes cuidadosamente diagramadas, luz baixa, tons refinados e curadoria altamente estetizada que muitas vezes associamos às realizações do museu nova-iorquino. A aproximação à exposição latino-americana toma o visitante com uma sensação de força, de vigor. Logo na entrada, sete telas com projeção simultânea precipitam sobre o público as imagens e sons de um tempo de intensa esperança no desenvolvimento. E o projeto, a arquitetura e o planejamento das cidades vêm animados de um élan épico (2).

Difícil avaliar se o épico pretendido pela exposição referia-se à enormidade da tarefa de enfrentamento de nossos problemas. Ou, pelo contrário, à tarefa corajosa que se impõem arquitetas e arquitetos brasileiros ao acreditar que ainda vale cultivar o conhecimento projetual, ao se disporem a enfrentar, como rotina de trabalho diária, os problemas da técnica, dos custos, dos orçamentos, dos prazos, das leis, das condicionantes locais, das circunstâncias políticas e econômicas, para oferecer edifícios que qualificam o espaço público da cidade. O conhecimento projetual é um tipo de saber que se transmite, e desenvolve-se, em grande parte pelo fazer, pelo saber fazer, e pela reflexão contínua sobre o fazer. Eis como tratamos os dois casos cujas estratégias projetuais analisaremos a seguir.

Estratégias projetuais: o artefato na cidade

Do ponto de vista do partido arquitetônico, tanto o IMS São Paulo, quanto o Sesc 24 de Maio, indicam operações projetuais que evidenciam o que podemos identificar como um modo de projetar contemporâneo.  Propõem espacialidades singulares no plano tridimensional e, trabalhando a arquitetura como ação estratégica na cidade, como a possibilidade de estabelecimentos locais em que se dão a realização da aventura existencial de sermos num certo lugar, como queria Paulo Mendes da Rocha.

Um primeiro olhar induziria a uma avaliação comparativa com ênfase na observação de semelhanças, aproximando os dois exemplares ao mencionado contexto da tradição moderna e também ao âmbito intelectual da FAU USP, onde os criadores destas obras tiveram passagem em algum momento de suas vidas, Paulo Mendes da Rocha como professor, Andrade e Morettin como alunos. As semelhanças fáceis continuariam com a expressão mais evidente, ambos se apresentam como caixas envidraçadas, que em uma primeira leitura podem parecer mais parecidas do que na verdade são.

Neste particular elemento, que é a pele, a diferença é o que nos interessa. No Sesc 24 de Maio, a pele é superfície que não constitui barreira entre interior e exterior. Ao contrário, escancara através da transparência o desejo de que esta fronteira desapareça. A equipe lida com a transparência imemorial moderna e é o que estabelece para o SESC, tal como já vimos muitas vezes em projetos de Paulo Mendes da Rocha, como o edifício Jaraguá e no Keiralla Sarhan. Este último tem brise soleils de concreto na fachada norte, que se pretendia também para o Sesc, conforme vemos na maquete do projeto que está em exposição no próprio edifício, mas que por algum motivo não foram executados.

No IMS a pele de vidro é translúcida, mais típica das vanguardas recentes, em que o desejo de propor uma relação suave e ambígua entre interior e exterior, como a Maison de Vèrre (Pierre Chareau - 1932, Paris, França), em que a intimidade é preservada, mas não completamente omitida. Esta translucidez aparece com força na obra de arquitetos como Renzo Piano e Steven Holl, mas também na primeira obra de destaque dos arquitetos Andrade e Morettin, a residência P.A. em Carapicuiba (1998). No IMS esta estratégia proporciona também o efeito noturno de transformar o edifício em uma lâmpada em plena Avenida Paulista.

Sesc 24 de Maio, planta 11o pavimento, São Paulo, 2017, arquiteto Paulo Mendes da Rocha + escritório MMBB
Croqui de Mario Biselli

Mais uma semelhança fácil se observaria no pavimento praça que ambos oferecem, o Sesc no 11o andar e o IMS no 5o. Ambos abrigam uma cafeteria e pouco mais, o que importa é o espaço livre e uma vista panorâmica de arregalar os olhos. Entretanto, no caso do IMS este é proposto como um térreo alçado às alturas, que ainda por cima consiste em itinerário obrigatório para quem visita o museu, pois aí está a recepção. Qualquer trajeto no edifício vai obrigar o visitante a subir escadas ou tomar elevadores para cima ou para baixo a partir desta praça elevada, fazendo-o subir para conseguir descer à rua, ou subir e depois descer para, enfim, tomar as escadas rolantes e descer à rua, em operações que em nada se assemelham a uma funcionalidade elementar.

A dificuldade de compreensão imediata do edifício parece, na verdade, constituir-se numa de suas maiores qualidades, uma vez que se realize que a excentricidade funcional em nada prejudica, ao contrário, intensifica a percepção da beleza dos espaços e a presença da aurática da arte.

Instituto Moreira Salles – IMS, planta do 5o pavimento, São Paulo, 2017, Andrade Morettin Arquitetos
Croqui de Mario Biselli

No caso do SESC a estrutura funcional é aparentemente mais simples, uma função para cada pavimento - restaurante, vestiários, exposições, dança, oficinas e assim por diante - e o sistema de circulação vertical atende a todos eles igualmente. O conjunto pode ser apreciado do modo como comumente se faz no Museu Guggenheim de Nova Iorque (Frank Lloyd Wright, 1937), tomando-se o elevador até o topo e percorrendo o edifício no sentido descendente através das rampas. Neste ponto o projeto concentra atenção na espacialidade; o edifício rompe a sequência de laje sobre laje, a tridimensionalidade é intensificada pela vidraçaria de altura integral que acompanha o sistema de rampas, trazendo luz e uma surpreendente perspectiva de um fragmento de interior de quadra.

O pavimento-praça estabelece o fim da sequência de espaços funcionais específicos e fechados, e tem acima de si a piscina da cobertura que encerra de modo dramático o edifício. A piscina poderia ser associada ao Terrace-Jardin de Le Corbusier, porém, o repertório projetual de PMR, que frequentemente inclui a estratégia da inversão, oferece um caminho mais interessante de interpretação. A água do teto, já a havíamos visto em sua obra desde os anos 1970, nas casas Millan e Junqueira, bem como proposto em outros projetos não realizados, como para o SESC  Belenzinho.

Neste ponto cremos que seja oportuno contrapor esta estratégia de PMR, à igualmente potente, porém oposta, de Lina Bo Bardi no SESC Pompéia. Ambas requerem grandes esforços estruturais que implicam desafios à engenharia de concreto. No caso de PMR a estrutura necessária para elevar e manter no topo o peso descomunal da piscina, com estrutura independente daquela que já existia no antigo prédio na Mesbla. No caso de Lina Bo, a estratégia consistiu em construir uma laje nervurada capaz de vencer integralmente o vão livre necessário para abrigar a piscina, tendo acima múltiplos pavimentos de quadras esportivas com vãos livres semelhantes.

Além dos citados aspectos já pouco sólidos enquanto critério de semelhança, já quase nada os aproxima para além de serem edifícios destinados ao uso cultural, lembrando que o SESC oferece um programa arquitetônico mais amplo de lazer e atividades físicas. Examinemos, portanto, mais atentamente, a questão do partido arquitetônico, recorrendo a aspectos conceituais de base histórica, para empreender uma análise apropriada das profundas distinções entre os projetos em questão.

Comecemos com o conceito da Planta Livre, elemento central da proposição modernista. Virão somar-se a este mais três elementos: o piloti, a janela em fita, o terraço jardim. Desde o início da modernidade, a Planta Livre, que se tornou realidade com o desenvolvimento da engenharia do concreto armado e do aço, não somente veio a caracterizar os principais edifícios deste movimento como, pode-se afirmar, sem ela não haveria nenhuma arquitetura essencialmente moderna. O que teríamos visto seria uma vanguarda moderna epidérmica, nada além de uma reforma estilística, motivo pelo qual outros estilos modernos como o art nouveau e o art dèco, não se impuseram.

De fato não se pode imaginar a planta livre como aspecto estilístico, mas como elemento central do Partido Arquitetônico daqueles arquétipos fundamentais como a Villa Savoye (1929) de Le Corbusier, o Pavilhão de Barcelona (1929) de Mies van der Rohe, o Ministério da Educação e Saúde - MES (1936) do Rio de Janeiro e mesmo o Johnson Wax (1939) de Frank Lloyd Wright. Na sequência histórica, observaremos a planta livre como aspecto chave também do modernismo brasileiro.

A afirmação que se permite aqui é vincular a arquitetura do SESC a este modelo de modernidade, uma vez que a arquitetura de PMR se desenvolve no contexto moderno do pós-guerra, tomando forma com as experiências da Arte Bruta de Le Corbusier e do brutalismo inglês, com o desenho estrutural das obras de Nervi e Breuer, e com a obra Miesiana deste período, um cenário de grandes avanços que não altera o estatuto modernista de origem.

Desse modo, ao lidar com um edifício a ser reformado, PMR + MMBB tratam de afastar a estrutura existente de seus vínculos com alvenarias de fechamento, possibilitando assim a liberdade necessária à distribuição do programa por pavimentos em plantas muito distintas.

Mas, não seria o IMS também um projeto caracterizado pela planta livre? Ora, é claro que sim, mas aqui há um elemento novo, mais importante enquanto definidor do Partido Arquitetônico, e mais emblemático, quanto à distinção entre os dois exemplos que estamos examinando.

Trata-se do Corte-Livre, uma fronteira posterior ao estatuto modernista, apresentado enquanto tal por Rem Koolhaas/OMA em seu projeto para a Bibliotéque de France em 1989, concurso do qual não saiu vencedor, tendo obtido o segundo prêmio.

Muita experimentação espacial, a partir da visualização do projeto em corte, foi realizada ao longo do século 20 no âmbito da modernidade, inicialmente enunciado por FLLW no demolido Larkin Building e depois no projeto já mencionado dos escritórios da Johnson Wax, mas especialmente enfatizado no período do brutalismo e do chamado Tardomoderno, tal como caracterizado por Charles Jencks ao referir-se à modernidade dos edifícios corporativos de concreto-e-vidro ao longo dos anos 1970 (a Avenida Paulista tem um grande número de edifícios que se encaixam nesta categoria).

Banco de Londres, Buenos Aires, Argentina, 1969, arquiteto Clorindo Testa e escritório SEPRA
Croqui de Mario Biselli

Para exemplificar, basta lembrar o projeto da sede do Banco de Londres e América do Sul em Buenos Aires, Argentina, um projeto de 1966 de Clorindo Testa e SEPRA Arquitectos, os hotéis de John Portman (recentemente falecido) como o Bonadventure de Los Angeles, a Ford Foundation de Kevin Roche, o edifício da FAUUSP de Vilanova Artigas, todos eles precursores na exploração de uma espacialidade integral e nova, por seus vãos livres e alturas internas vertiginosas.

Bonadventure Hotel, Los Angeles, USA, 1976, arquiteto John Portman
Croqui de Mario Biselli

No entanto, no que se refere ao Corte-livre especificamente, coube a Rem Koolhaas apresentar uma formulação integral, acompanhando o projeto que se tornou célebre por esse motivo.

Biblioteca Nacional da França, concurso, 1989, arquiteto Rem Koolhaas e escritório OMA
Croqui de Mario Biselli

Biblioteca Nacional da França, concurso, 1989, arquiteto Rem Koolhaas e escritório OMA
Croqui de Mario Biselli

O IMS apresenta um Partido Arquitetônico de corte livre e o enfatiza desde a fase do concurso em todas as peças gráficas e na maquete, em que se distinguem de maneira inequívoca os volumes soltos dentro de uma caixa de vidro, e que nem sequer procura disfarçar o exoesqueleto metálico que não é tocado por nada nele contido. Aspecto decorrente desta estratégia é a conexão necessariamente vertical entre os volumes e espaços.

Instituto Moreira Salles – IMS, corte esquemático, São Paulo, 2017, Andrade Morettin Arquitetos
Croqui de Mario Biselli

Certamente podemos vincular a obra do IMS à obra de Koolhaas, mas também a obras recentes de Renzo Piano como a Maison Hermès em Toquio (1998-2001) e a sede do New York Times (2000-2007), quanto ao manejo da transparência-translucidez e particularmente quanto ao padrão e linguagem do detalhamento.

Instituto Moreira Salles – IMS, perspectiva esquemática, São Paulo, 2017, Andrade Morettin Arquitetos
Croqui de Mario Biselli

Ponderações finais

Pode-se dizer tanto do IMS quanto do Sesc 24 de Maio, que são dotados de virtuoso detalhamento, cada um a seu modo. Paulo Mendes da Rocha e MMBB manejam seus repertórios de simplicidade e economia de meios traduzidos em desenho apurado. O edifício surpreende na expressão de habilidades projetuais no uso do concreto, em que parece deixar-se escapar a obsessão (e verdadeira delícia?) reservada à elaboração dos elementos em ferro - corrimãos, parapeitos, mobiliário ou estruturas auxiliares como a que suporta a vidraçaria junto ao conjunto de rampas.

Surpreendente é também o objeto translúcido que se encaixa sutilmente entre os edifícios da Avenida Paulista. Mantendo a característica própria à trajetória do escritório de Andrade e Morettin, de manejo de um repertório variadíssimo de referências, em vários níveis de citações e abstrações, produzindo soluções precisas, ao mesmo tempo ousadas e contidas. Por um lado, a ousadia no emprego de um sistema estrutural esbelto, que permite o emprego das amplas aberturas, e se completa e amplifica na geometria do espaço vertical, que permite vislumbrar e verdadeiramente experienciar a espacialidade do edifício em seus vários níveis. Por outro, a sobriedade e disciplina no uso das cores, na expressão dos materiais e em seu emprego. Por fim, o trajeto peculiar de circulação, que não faz concessões à lógica tradicional, mas antes convida seus visitantes a adotar uma nova forma de experimentar o espaço físico de um edifício, aproximando-se talvez da intenção da experiência artística. 

Retomamos então a pergunta proposta no início deste artigo: como falar da relevância da arquitetura do edifício excepcional, em uma América Latina mesmerizada por seus problemas de precariedade, desigualdade, esfacelamento? A perspectiva construída a partir das Exposições do MoMA nos serviu para a construção de uma perspectiva que nos posiciona, internacionalmente, como uma região do mundo que enfrenta problemas de uma escala e complexidade próprias. As escalas de projeto, em sua dimensão urbana e na dimensão do edifício, convivem em meio a tensões e conflitos e dúvidas.

Talvez seja mesmo uma expressão apropriada, o “épico” como forma de representar, e testemunhar, a aventura que é viver na América Latina, como diria o próprio Paulo Mendes da Rocha. Tanto o IMS São Paulo quanto o SESC São Paulo podem ser entendidos como um gesto de coragem, aceitando o enfrentamento das grandes questões que dilaceram há séculos a América Latina, com suas intervenções pontuais e estratégicas no coração da capital paulistana. Em tudo, lembram o que Paulo Mendes da Rocha havia pensado, e que nos serve como fechamento destas ponderações finais:

"temos que saber andar passo a passo nesta América, mesmo porque ela sempre viveu de rupturas. A gente tem procurado não estabelecer rupturas, mas uma recomposição histórica capaz de fazer da experiência humana uma sublime “cantata” e “andante” em relação ao nosso destino de pleno gozo da vida, de abolir a miséria, o sofrimento. A Arquitetura não resolve essas questões, mas é uma grande coadjuvante, dá forma aos ‘artefatos’, ao abrigo, às instalações que teremos que fazer para realizar a aventura existencial de sermos num certo lugar" (3).

notas

1.
MoMA - Latin America in Construction 1955-1980. Organização: Barry Bergdoll, curador; Patricio del Real, Assistente de curadoria, Departamento de Arquitetura e Design do Museu de Arte Moderna; Jorge Francisco Liernur, Universidade Torcuato di Tella, Buenos Aires, Argentina; Carlos Eduardo Dias Comas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil. <https://www.moma.org/calendar/exhibitions/1456?locale=en>.

2.
ROCHA-PEIXOTO, Gustavo. A América Latina existe. A exposição Latin America in Construction: architecture – 1955-1980 no Museum of Modern Art de Nova Iorque: uma resenha. Resenhas Online, São Paulo, ano 14, n. 162.03, Vitruvius, jun. 2015, <www.vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/14.162/5544>.

3.
ROCHA, Paulo Mendes. Trajetória pessoal e modernidade: entrevista a José Wolff. Arquitetura e Urbanismo - AU, ano 5, n. 18, 1988, p. 79-81. Apud VILLAC, Maria Isabel. Reconsiderar a história da América: arquitetura, mito e utopia. Óculum ensaios, Campinas, 10(2), jul./dez. 2013, p. 263 <http://periodicos.puc-campinas.edu.br/seer/index.php/oculum/article/viewFile/2144/1790>.

sobre os autores

Mario Biselli, nascido em São Paulo, Brasil, em 1961, estudou na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Mackenzie, onde se formou em 1985. Em 2000 titulou-se Mestre e em 2014 Doutor, ambos pela mesma instituição. A partir de 1992, iniciou sua carreira docente em Projeto da Faculdade de Belas Artes de São Paulo e desde de 1999 integra o corpo de professores de Projeto do Mackenzie.

Ana Gabriela Godinho Lima é arquiteta e Urbanista (FAU USP, 1994), mestre em Estruturas Ambientais Urbanas (FAU USP, 1999), doutora em Educação (FEUSP, 2004). Pós-doc School of Creative Arts (Hertfordshire, 2009). Professora adjunta PPGAU Universidade Presbiteriana Mackenzie. Coeditora Cadernos de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo (PPGAU-UPM). Co-editora BAc Revista de Investigación y Arquitectura Contemporánea (Espanha).

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