Your browser is out-of-date.

In order to have a more interesting navigation, we suggest upgrading your browser, clicking in one of the following links.
All browsers are free and easy to install.

 
  • in vitruvius
    • in magazines
    • in journal
  • \/
  •  

research

magazines

my city ISSN 1982-9922

abstracts

português
Cláudio Ribeiro parte da afirmação de Marx de que todos os fatos de importância na história do mundo ocorrem duas vezes: a 1ª vez como tragédia, a 2ª como farsa. A farsa que se torna tragédia será abordada no artigo nos exemplos de urbanização de BH e RJ

how to quote

RIBEIRO, Cláudio Rezende. Urbanismo: farsa e tragédia se encontram em Belo Horizonte e Rio de Janeiro. Minha Cidade, São Paulo, ano 11, n. 121.02, Vitruvius, ago. 2010 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/11.121/3522>.


Desenvolvimento, eficiência, economia e melhoria das condições de trabalho e atendimento à população...
Foto do autor


As eco walls na Linha Vermelha
Foto do autor

 

Ao analisar a luta das classes dominantes francesas que permitiram a tomada golpista do poder por Luiz Bonaparte, Marx cunhou uma de suas frases mais famosas:

Hegel observa em uma de suas obras que todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa. Caussidière por Danton, Louis Blanc por Robespierre, a Montanha de 1845-1851 pela Montanha de 1793-1795, o sobrinho pelo tio”. Karl Marx(1)

Sua atualidade se destaca a partir de algumas observações em nossas cidades contemporâneas. A farsa que se torna tragédia será abordada neste artigo de forma cadenciada na medida em que forem debatidos exemplos recentes da “urbanização” das capitais mineira e carioca: comecemos por Belo Horizonte.

Quando for publicado este texto, o Bar Brasil, um ponto tradicional da boemia belorizontina deverá estar demolido. Ficava em um casarão antigo da Zona Sul da cidade e era ainda referência na sua noite, cumprindo seu papel de encontro, de festa e, porque não, de geração de renda para seu dono e de sustento para seus empregados. Portanto, o Bar não fechou por se mostrar um empreendimento inviável, mas por ter se tornado menos rentável que seu futuro substituto: um espigão. Ora, se o Bar ficava em um bairro valorizado, era esperado, dentro do regime de gestão do solo urbano brasileiro, que um espigão substituísse um casarão... A curiosidade do evento reside no seguinte ponto: por que isso veio a acontecer agora? Arrisca-se uma análise e a resposta não se encontra na Zona Sul, mas em seu oposto, na Região Norte: a Cidade Administrativa.

A Cidade Administrativa: a farsa em forma de tragédia

No dia 04 de março o neto homenageou o avô ao inaugurar, com pompa e circunstância, a inacabada Cidade Administrativa Presidente Tancredo Neves (CAPTN). Este objeto geográfico deslocará todas as repartições públicas do governo do estado localizadas na capital para um único lugar em um vazio urbano na fronteira Norte da cidade. A justificativa do empreendimento (2) descreve quatro pontos estratégicos para sua implementação: desenvolvimento, eficiência, economia e melhoria das condições de trabalho e atendimento à população.

Estes pontos, espécie de Carta de Atenas sem o lazer, são importantes elementos de análise. Melhoria de atendimento à população, por exemplo: se há farsa nesta empreitada, ela aí está escancarada; o projeto contém em seu núcleo de sustentação a suposta facilidade de atendimento gerada pela centralização de todas as repartições em um único complexo. Ignora estarmos em um mundo onde as novas tecnologias de comunicação permitem uma saudável descentralização dos serviços que, por sua vez, se mostraria mais eficaz no que diz respeito à tentativa de construção de um ambiente urbano democrático: centralização espacial de poder e democracia não cabem no mesmo projeto. Além do mais, há que se destacar o óbvio: a centralização se dá na construção de um objeto urbano fora da região central da metrópole! (3)

Já o tripé quase cepalino “desenvolvimento, eficiência e economia” surge como que por mágica, pois não se sabe o que está sendo chamando de desenvolvimento, duvida-se da eficiência em um local ainda inacessível (a não ser de carro) e, por último, ignora-se quem se beneficia com esta “economia”.

É aí que reside a tragédia! O projeto sugere que estes três elementos como condicionantes de um novo pólo de “urbanização” da cidade. Ora, é sabido que Belo Horizonte não necessita disto: não há crescimento populacional significativo na cidade. Ela caiu, nos últimos anos, de terceira para sexta no ranking das mais populosas do país. Esta nova “urbanização” esconde seu nome que é valorização do solo obtida através de obras públicas destinadas à especulação imobiliária.

O efeito foi quase imediato: a construção da linha verde e ampliação da Av. Antonio Carlos, mesmo sem nova linha de metrô, disparou o preço do solo da Zona Norte. A necessidade de deslocamento fácil para o trabalho de milhares de funcionários que, como é sabido, não se resolverá com o automóvel, isto pressionará a criação de novas moradias, via mercado, em local mais próximo do trabalho: pergunto-me quem são os donos das terras vizinhas à CAPTN...

A tragédia se completa: o adensamento especulativo da região Norte serve de álibi para o aumento do preço do solo em todas as áreas da cidade que já eram mais caras, em um efeito de cascata que culmina na Zona Sul onde a nova sanha imobiliária começa, como sempre, a demolir lotes ainda pouco adensados, captando o máximo de mais-valia possível: C.Q.D. – adeus Bar Brasil (4).

Esta experiência belorizontina atualizou o projeto modernista de urbanização criando na cidade uma aberração extemporânea que repetirá os erros tão conhecidos dos urbanistas que acreditavam na separação funcional das áreas da cidade conectadas por automóveis como a perfeição em forma de urbe: a farsa se converte em tragédia!

As formas e seus conteúdos: a tragédia se converte em farsa

O Rio de Janeiro também tem fornecido exemplos de políticas urbanas agressivas e desastrosas para a maioria de sua população. Sem falar no transporte, que merece um artigo exclusivo e nunca necessitou de farsa para produzir sua tragédia; ocorrem duas intervenções contemporâneas na cidade que merecem destaque: uma bem sutil, outra escancarada e anunciada. Nas duas, uma origem trágica: a pobreza e vulnerabilidade de boa parte de seus moradores que é subjugada por políticas que privilegiam de forma obtusa uma minoria que, além de rica, é agressiva.

As formas dos objetos urbanos não são neutras. Milton Santos já dizia que as “condições históricas presentes facilitaram o mecanismo de expansão do capital no espaço através do uso das formas” (5). Estas carregam consigo um conteúdo que se apóia em um discurso político e num apuro técnico. E a parte técnica costuma ganhar destaque na percepção do espaço em tempos onde a política se traveste de eficiência gestionária.

Um viaduto, por exemplo, parece uma peça saída diretamente das pranchas de cálculo de engenheiros com todos os seus detalhes estruturais, vãos livres... Nada mais aparentemente neutro. No entanto, quão política é a decisão de sua construção! Ela implica apoio à política rodoviarista em detrimento de outras formas de transporte; ela determina a escolha das áreas onde passará; ela costuma revelar a importância dada aos pedestres com sua costumeira ausência de calçadas e proteção... Enfim, a decisão de construir um viaduto revela, no limite, um modelo de cidade que o detentor de poder escolheu seguir.

Mas as formas urbanas costumam ser reapropriadas. São criações humanas e, como tal, estão sempre sujeitas a modificações que podem reforçar a política de sua implementação, mas podem contrariá-la. É nesta última vertente que se encontram os grafites que transformaram, desde Gentileza, os pilares imensos destas estruturas em painéis para a arte, para o protesto. É também neste mesmo caminho que os pobres da cidade aproveitam sua estrutura para morar na falta de políticas habitacionais, ou simplesmente utilizam de seus espaços cobertos como proteção à chuva ou como abrigo provisório para passar a noite: não mais no Rio de Janeiro!

Os viadutos do Rio agora aprofundam a tragédia urbana dos sem-teto. Discretamente criaram-se planos inclinados em suas bases para evitar que pessoas durmam por lá. Se não em todos, pelo menos nos que ficam em frente ao edifício da Prefeitura Municipal da Cidade do Rio de Janeiro. Como se não bastasse, para garantir a eficiência da obra, os tais planos são salpicados de pedras grandes o suficiente para impossibilitar qualquer tentativa de apropriação minimamente confortável.

A tragédia da pobreza é expulsa silenciosamente do centro da cidade enquanto a farsa do acolhimento carioca se constrói em imagens belas do seu projeto olímpico.

Além desta sutileza técnica dos viadutos, ocorre a implantação de barreiras acústicas na Linha Vermelha (6). Muito já foi dito sobre a implantação de muros no entorno das favelas cariocas (7), mas agora estes chegam com outra roupagem. Se antes a farsa era o discurso ambiental da preservação da mata atlântica, agora se alega serem os muros barreiras acústicas que protegerão os moradores das favelas invadidas pela autopista-viaduto. Como afirmei acima, a construção de um viaduto demanda a escolha política de muitos fatores territoriais e a escolha da localização da linha vermelha, agora, serve de contra-argumentação para murar seus vizinhos.

Esta tentativa é antiga, desde 2004 tenta-se realizar tal abuso urbanístico: àquela época, a roupagem da segurança e da violência não funcionou, mas a roupagem ambiental reforçada pelo esforço olímpico atropelou os manifestos realizados há poucos anos atrás e a colocação das barreiras já se iniciou, ameaçando, inclusive simbolicamente, os que vivem nas diversas favelas cortadas pela via expressa e também dificultando, ou impedindo, o trabalho daqueles que vendem alimentos aos motoristas cotidianamente engarrafados no asfalto (8).

Urbanismo não é técnica isolada, é concretude política. Não podemos deixar de nos posicionar a respeito dessas aberrações que nossas cidades e seus comandantes vêm realizando: as cidades estão piorando ainda mais com estas intervenções, mas não para todos! Enquanto não assumirmos que a cidade é disputa política, enquanto não tratarmos abertamente com os alunos dos cursos de arquitetura e urbanismo, geografia, planejamento urbano, etc., sobre esta batalha social que se dá em suas pranchetas ou telas de computador continuaremos, em nome de diversas farsas, lastreando estas formas espaciais que direcionam as cidades, ou uma boa parte delas, para a tragédia.

notas

1
MARX, Karl. O 18 de Brumário de Louis Bonaparte. Disponível online, na íntegra, em : <http://www.marxists.org/portugues/marx/1852/brumario/cap01.htm>

2
Disponível em <http://www.cidadeadministrativa.mg.gov.br/cidade-administrativa.php>

3
Nem mesmo a página oficial explica esta melhoria do atendimento, deixando o item vazio ao tratar apenas da questão da melhoria das condições ergonômicas de trabalho dos funcionários públicos: <http://www.cidadeadministrativa.mg.gov.br/cidade-administrativa-melhoria-condicoes-trabalho.php>

4
Tudo isto, mesmo com a construção da CAPTN, poderia ser evitado com os instrumentos de regulação urbana existentes em nosso aparato jurídico, mas não será realizado. Deixo esta análise para outro texto, ou para quem quiser se debruçar nisto, fica o convite.

5
SANTOS, Milton. A totalidade do diabo: como as formas geográficas difundem o capital e mudam as estrutura sociais. In: SANTOS, Milton. Economia Espacial. São Paulo: EDUSP, 2007, p. 188.

6
Conferir reportagem do Jornal O Cidadão online, disponível em <http://ocidadaonline.blogspot.com/2010/03/muro-e-pra-abafar-o-que.html#links>

7
Cf. <http://vitruvius.com.br/minhacidade/mc255/mc255.asp>

8
Enquanto escrevia este artigo, ouvi, em palestra proferida pela Prof. Ermínia Maricato no Fórum Social Urbano, que tais barreiras e muros, denominadas como eco-walls são consideradas pelos organismos multilaterais como uma best practice.

sobre o autor

Cláudio Rezende Ribeiro, arquiteto e urbanista, mestre em Planejamento Urbano e Regional, doutorando em Urbanismo pelo PROURB-UFRJ, Rio de Janeiro RJ.

comments

newspaper


© 2000–2024 Vitruvius
All rights reserved

The sources are always responsible for the accuracy of the information provided