Somente a incúria e a incompetência administrativas aliadas a uma visão elitista da gestão da cidade podem explicar a tragédia que se abateu sobre São Paulo (mais de meia centena de mortos e milhares de desabrigados) neste verão de 2009/2010. Era de conhecimento público havia meses que teríamos um estio excepcionalmente chuvoso devido ao fenômeno do “El Niño”, um velho conhecido nosso; e nem assim um mínimo de precaução contra tal fato os governos do Estado e da Cidade tomaram, como por exemplo, deixar as represas dos afluentes do rio Tietê com uma reserva de volume suficiente para absorver as chuvas previstas. Somente com duas administrações absurda e irresponsavelmente ausentes dos graves problemas que afligem esta metrópole poderia acontecer tal ”esquecimento”, que resultou na inundação de bairros inteiros, mortes e prejuízos materiais incalculáveis, principalmente nos bairros mais pobres e carentes de infra-estrutura urbana da cidade.
Corre na internet a notícia que as obras de desassoreamento do rio Tietê não foram suficientes – mas é evidente que não o foram! Se a opção para este corpo d’água dentro do perímetro urbano foi a de canalizá-lo, como o Sena e o Tamisa, sua vazão tem de ser mantida mecanicamente, pois se o Tietê é um rio lento, de várzea, seus afluentes não o são, carreando para ele milhares de toneladas de sedimentos por ano; portanto se as águas extravasaram do seu leito, faltou gerenciamento, obra civil, dragagem. É obvio isto.
O Governador do Estado e o Prefeito de São Paulo são dinossauros no que diz respeito à gestão da cidade, para eles inexiste o planejamento para uma metrópole mais humana, mais voltada para o crescimento social de seus habitantes; sua visão de urbanismo limita-se à construção de mais avenidas e viadutos, à troca do piso das calçadas, à retirada dos letreiros das lojas e dos mendigos das ruas. Não é segredo para ninguém que enquanto nos bairros nobres o lixo é retirado diariamente e garis varrem os passeios, nos bairros pobres o lixo é recolhido apenas uma ou duas vezes por semana, nunca houve varrição das vias públicas (quando estas não são de terra) e muito menos providências para sanar pontos de alagamento críticos e recorrentes.
Numa metrópole aonde a gentrificação chega às raias do apartheid social e os menos afortunados têm de procurarem seu canto de terra para habitarem em áreas inundáveis ou geologicamente instáveis, a opção pelos ricos (ou o descarte dos pobres) feita pelas atuais administrações é indesculpável. Acabo de ler, na internet, que uma comissão de moradores das áreas alagadas acompanhada por deputados e vereadores foi recebida a pauladas e gás pimenta pela PM que fazia a segurança da sede da prefeitura. É profundamente lamentável tudo isto no Brasil de hoje, democrático e republicano.
sobre o autor
Euclides Oliveira é o titular do escritório Euclides Oliveira Arquiteto SC Ltda. Foi sócio do arquiteto Sergio Pileggi de 1973 à 2002 no escritório Sergio Pileggi & Euclides Oliveira Arquitetos. Tem obras premiadas pelo IAB-SP nos anos de 1977/ 83/ 87/ 92/ 94 e 2002, bem como as medalhas de prata e ouro dos 45º e 47º SPBA. Além de menções honrosas, foi premiado em concursos públicos e privados nos anos de 1982/ 85/ 95/ 2004 e 2006.