Algumas vezes a manutenção da integridade de monumentos tombados, sobretudo os urbanos, torna-se um problema insolúvel aos seus proprietários que, por falta de recursos, em dado momento, depois de contemporizações várias, vêem-se incapazes de arcar com a responsabilidade de guardiães daqueles bens culturais. Na verdade, teoricamente, aqueles donos de bens significativos de nossa cultura material são meros depositários de coisas de interesse da coletividade; são genuínos guardadores de artefatos de alta valia social e, portanto, de todo mundo. Já vimos em algumas oportunidades autoridades alegarem a inconstitucionalidade do auxílio pecuniário vindo do governo nessas ocasiões em que bens tombados particulares estão postos em perigo. Agora mesmo, em São Luís do Paraitinga, ouvimos do então Secretário de Estado da Cultura essa afirmação contrária à ideia de ajuda estatal à reconstrução das residências afetadas pela enchente. Porque, se o patrimônio é de todos?
Alguns edifícios tombados de grande importância arquitetônica aqui em São Paulo estão carecendo de recursos destinados à sua salvaguarda. Necessitam urgentemente de assistência e ninguém toma qualquer decisão rápida solucionadora da questão. O principal deles é o Edifício Esther, na avenida Ipiranga. Esse prédio projetado pelo arquiteto Álvaro Vital Brazil, em 1935, é uma obra prima de nossa arquitetura e pioneira em sua modernidade. Ali, seu autor, recém saído do curso oferecido pela Escola Nacional de Belas Artes, que fora reprogramado por Lúcio Costa, aplicou as regras do funcionalismo de Le Corbusier temperadas com estilemas do Art Déco conforme a moda daqueles dias. Foi uma obra plena de novidades tecnicistas e seu programa incluindo pela primeira vez apartamentos duplex, julgamos absolutamente imprevisto. Esse edifício de beleza histórica, nos seus 75 anos de idade, está com as fachadas totalmente deterioradas, se desfazendo aos poucos para deixar toda a estrutura de concreto à vista. Os interiores igualmente estão comprometidos pelo tempo.
Outro prédio, também ironicamente “protegido” é a sede do Instituto dos Arquitetos do Brasil, projeto de 1947, ano do concurso efetuado entre profissionais de renome e que acabou sendo uma obra coletiva, reunindo a sapiência e sensibilidade dos arquitetos Abelardo de Souza e Hélio Duarte, representantes da escola funcionalista carioca; Galiano Ciampaglia, Miguel Forte e Jacob Ruchti, mackenzistas voltados ao organicismo de Frank Lloyd Wright; Zenon Lotufo e Roberto Cerqueira Cezar, politécnicos, todos capitaneados pelo racionalista ilustre Rino Levi. A sede do IAB nos anos 1950 e 1960 teve dias de fausto e esplendor e hoje as más línguas diriam que está em plena decadência dado o seu abandono e lastimável estado de conservação de seus exteriores. Tudo se resume na eterna “falta de recursos”.
O edifício icônico de São Paulo moderno, o Copan, está com suas pastilhas de revestimento das fachadas se desagregando e caindo, ameaçando inclusive transeuntes. Esse fato já mereceu reportagem desta Folha de S. Paulo, onde se faz referência a um patrocínio publicitário destinado a pagar o preço da intervenção reparadora daquele desprendimento sistemático do revestimento de porcelana. A publicidade salvadora estaria estampada na enorme tela protetora translúcida, que envolveria o edifício durante os trabalhos de recuperação. Esse plano é ótimo e todos ganhariam com tais anúncios transitórios. A ideia também poderia ser estendida ao Edifício Esther, à sede do IAB e a outras construções periclitantes do nosso Patrimônio Arquitetônico. Para a Prefeitura de São Paulo, com a adoção dessa medida salvadora, a questão não seria apenas a da “Cidade Limpa” mas, também, poderia, com o tempo, se tornar a da “Limpa e Restaurada”.
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Publicação original do artigo: LEMOS, Carlos. Monumentos em perigo. Coluna Tendências/Debates. Folha de S. Paulo, São Paulo, 30 jun. 2010, p. A-3.
sobre o autor
Carlos Alberto Cerqueira Lemos, arquiteto, é professor de pós-graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.