A oficina se dividiu em dois momentos: o primeiro dentro da universidade, com exposição de conteúdo e idéias e outro com a construção coletiva da intervenção e uma roda de conversa como reflexão final.
Materialidade e permanência
Um dos conceitos abordados foi o da impermanência. Através desse conceito, entendendo a arquitetura como fenômeno inserido e sujeito às ações da intempérie e da humanidade, abrimos a discussão para a relatividade entre materiais e sistemas construtivos e permanência de uma construção, infraestrutura,uma instalação, uma cidade.
Os desastres naturais ou antrópicos são capazes de reduzir à areia cidades inteiras. Erguidas em pedra, aço ou concreto. Fenômenos econômicos ou sociais, religiosos ou culturais são capazes de despovoar ou povoar o território, com redes de infraestrutura ou cultivo. Então é preciso também entender a arquitetura como um fenômeno antropológico e vivo no processo histórico social. As motivações que levam à construção, tanto quanto destinação efetiva do espaço construído num determinado momento – a atividade humana e o meio ambiente – são pontos chave no entendimento da arquitetura, efêmera ou não, guardadas as perspectivas de quem e quando observa. Como resultado complexo da interação homem-natureza, além da ruína física a que toda matéria está sujeita, existe também o movimento dos significados, sendo o esvaziamento de sentido, o abandono também sinais da impermanência das coisas.
Até que ponto é possível considerar a temporalidade em um projeto? Projetar para ser permanente ou temporário podem parecer precisar de recursos muito diferentes, porém, obviamente isso não está ao alcance dos arquitetos. Muitas construções são concebidas para serem temporárias e perduram centenas de anos; outras projetadas com propósitos de permanência se desfazem repentinamente. Mas, sendo assim, como essa reflexão pode interferir nas práticas contemporâneas da arquitetura?
Estruturas nômades e função social na contemporaneidade
A arquitetura nômade surge de uma necessidade humana de habitar o território, sendo provavelmente anterior mesmo à agricultura. A arquitetura nômade vernacular nos ensina bastante sobre a simbiose entre comportamento social, cultura, simbolismo e técnica com as condicionantes ambientais. A impermanência no território exige e nasce não somente da utilização de tecnologias apropriadas, mas também o conhecimento de outros movimentos, como o da caça, o da pesca, das estações do ano, e até o movimento dos astros. As estruturas nômades como as barracas de feira, os guarda-sóis nas praias, e os vendedores ambulantes, as estruturas para shows e eventos culturais, desde palcos até os banheiros químicos, para a transformação temporária dos espaços onde estão instalados, provendo-os com um significado novo. Ou mesmo os barracões de obra como construções transitórias que serão desmontadas quando a construção do edifício termina.
Nesse sentido, estruturas nômades podem desempenhar um papel na ressignificação do território e da paisagem. É possível identificar esse papel em instalações artísticas na reconversão de espaços ociosos e abandonados, transformando o significado e dando suporte para outros usos. Como também é possível identificar a apropriação dessas estratégias na consolidação da gentrificação e da especulação imobiliária, com os foodparks, foodtrucks, containers.
As estruturas transitórias aparecem de formas muito diferentes, atendendo a diferentes requisitos, envolvendo diferentes atores. Podem ser observadas também como ferramenta de luta, por exemplo nasocupações e assentamentos por direito à terra e moradia, pelas reformas rural e urbana, ou nas manifestações que vimos eclodir nesse século em várias metrópoles: Barcelona, Nova Iorque, Kiev, São Paulo… por razões e contextos variados.
Essas estruturas nômades também podem ser notadas, oficialmente, em operações militares, e ações humanitárias. Com toda complexidade sociológicas e geográficas que envolvem esses temas. E com as consequências contraditórias de sua permanência ou extinção. Além disso, conversamos também sobre o papel das estruturas temporárias em situações de emergência, como resposta à desastres.
Os desastres causados por fenômenos naturais como inundações, furacões, tempestades, enchentes, alagamentos, vulcões, deslizamentos, terremotos, afetam cada vez mais pessoas globalmente, sobretudo devido a combinação com outros fatores como a vulnerabilidade da moradia global em áreas suscetíveis,o déficit de infraestrutura. Além de trabalharmos na mitigação dessas condicionantes de vulnerabilidade, é preciso também que existam respostas arquitetônicas para as emergências. Em muitos casos, pela urgência, a arquitetura temporária é crucial no fornecimento de abrigo e na garantia da vida. Porém, ao mesmo tempo, é muito comum que assentamentos humanitários para refugiados, por exemplo, feitos para atender uma situação emergencial perdurem por anos, mudando radicalmente de significado. Enquanto inicialmente representam a garantia das condições mínimas de habitabilidade, ao passar dos anos e se adensam e se tornam precários; se transformando em cenários de dependência, de criminalidade e violações, e de pouco incentivo para a autonomia e reconstrução da dignidade para os indivíduos. É importante que tenhamos contato com essas aplicações da arquitetura, uma vez que são temas delicados e multidisciplinares, para que possamos dar nossa contribuição enquanto arquitetos de maneira mais atenta.
Prática e colaboração
Um dos objetivos da oficina era a de efetivar uma intervenção no espaço público, ressaltando a importância colaboração e da prática na construção dos significados na arquitetura. Para efetivarmos esse objetivo já havíamos preparado o projeto para um lugar específico, dialogado com a biblioteca e consultados usuários da praça, principalmente o grupo de Tai Chi Chuan, que utilizava aquele local específico para sua prática matinal. A experiência proposta era portanto, não do campo projetual e conceitual mas sim da prática.
Nesse momento os alunos poderiam experienciar conceitos abordados inicialmente de maneira empírica. Ao longo das quatro horas de construção, o mesmo espaço adquiriu diferentes significados para os envolvidos. Num primeiro momento, nosso canteiro de obras, a colaboração, a pré-fabricação. O peso e o comportamento dos materiais, o trabalho em equipe. Ao mesmo tempo, enquanto se construía, a relação com a praça e com os usuários também se transformava. O formato circular do local de intervenção resultou também numa estrutura em circunferência composta por treze módulos triangulares. Durante todo o processo a circunferência contribuiu. Foi possível aglutinar todas as ferramentas no centro, de onde os grupos retiravam materiais e ferramentas para confeccionar os módulos. O formato circular também favoreceu a comunicação entre as pessoas, e em um só giro, era possível visualizar todo o processo, favorecendo também a cooperação. A intervenção criava um recinto, capaz de trazer intimidade e um certo destacamento da movimentação externa. Do lado de fora parecia criar uma referência e uma certa curiosidade nos usuários da praça, e dentro criava um recinto, com certa intimidade e contenção.
A estrutura ficou montada durante uma semana. Atentamos à responsabilidade também dos alunos pela manutenção da instalação. Pedimos para que quando passassem pela praça observassem a interação das pessoas, mas também o comportamento da estrutura, e se preciso que apertassem algum parafuso. Além da montagem, convidamos os alunos para realizar também a desmontagem da estrutura, uma semana depois. Essa etapa completa a mensagem que queríamos transmitir. Assim como um fogueira no centro de uma roda, extinguindo-se a atividade sobram as cinzas. A impermanência, programada ou não, é um conceito importante de ser observado e experienciado no ensino da arquitetura.
ficha técnica
projeto
Fogueira
local
Praça do Rotary, Vila Buarque, São Paulo
data
2017
autoria
Vítor Pena, Guilherme Tanaka, Lauro Rocha, Christian Salmeron (Goma Oficina); Cristina Kesselring, Victoria Braga e Vinicius Costa (Dafam)
colaboração
Javier Corvalán (Universidad Católica de Asunción) e José Luis Uribe Ortíz (Universidad de Talca)
estudantes
Lucia Lotufo, Mariana Montag, Sofia Himmelstein, Beatriz Oliveira Paiva, Bruna Gondim de Almeida, Gilvan Nascimento (FAU Mackenzie); Patrícia Parra, Marta Garcia Sanchez Infante, Inés Mino Izquierdo (Politécnica de Madrid)