A relação umbilical entre arquitetura moderna e a ação estatal tem uma longa tradição no Brasil, que remonta a 1930, quando o governo revolucionário de Getúlio Vargas submete as oligarquias regionais com um Estado Nacional forte e onipresente, inspirado no ideário fascista italiano. A figura de um ditador rígido e benigno – o “pai dos pobres” – é uma construção histórica que retrata a hegemonia do político sobre a economia, arte, cultura, etc.
A arquitetura realizada desde então foi condicionada por interesses contraditórios de governos discricionários e, não raro, antidemocráticos, com o engajamento voluntário de profissionais com visão social e boa formação intelectual. A arquitetura resultante reflete a ambigüidade de visões de mundo distintas em convívio forçado: de um lado, a conhecida arquitetura moderna brasileira, de forma elegante e arbitrária, voltada para a confirmação de um imaginário nacional fundado na delicadeza e sensualidade de um povo miscigenado e pacífico; do outro, relevante pela disseminação no território nacional, as soluções estandartizadas para suprir necessidades em setores estratégicos.
As escolas aqui presentes são parte de dois recentes programas distintos existentes em São Paulo – FDE (Fundação para o Desenvolvimento da Educação), governo estadual Geraldo Alckmin, do Partido Social-Democrata Brasileiro, do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso; e CEU (Centro Educacional Unificado), governo municipal de Marta Suplicy, do Partido dos Trabalhadores, do atual presidente Lula – e participam de uma genealogia que inclui programas mais antigos: o CIEP (Centro Integrado de Ensino Profissionalizante), projeto de Niemeyer para o Estado do Rio de Janeiro, governado na ocasião pelo político populista de esquerda Leonel Brizola; e o CIAC (Centro Integrado de Ensino), projeto do arquiteto Lelé para o presidente Fernando Collor de Mello, populista de direita, cassado por corrupção.
O exemplo na área educacional se repete nas diversas outras áreas de atuação do Estado, como habitação, educação, saúde, comunicação, transporte, etc. É um estigma que se perpetua, mesmo depois da redemocratização de 1984, após duas décadas de regime militar: políticos de orientações diversas convocando os melhores arquitetos brasileiros para projetos de relevância social, mas com o intuito de promoção pessoal e/ou partidária. A prioridade dada ao aspecto publicitário explica a escolha de siglas marcantes e o descompasso entre a excelência do projeto arquitetônico e a precariedade de sua execução.
Com o vertiginoso processo de urbanização nas décadas recentes, um enorme contingente de excluídos passa a habitar áreas precárias, condicionando novas ações públicas, conformando uma nova série de bons e excelentes projetos, também eles maculados por vícios políticos atávicos.
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Editorial publicado originalmente no número especial, dedicado ao Brasil, da revista suíça Tracés. GUERRA, Abilio. “Un mariage à la brésilienne / éditorial“. Lausanne, Tracés – Bulletin technique de la suisse romande, n° 15/16, ano 131, 17 ago. 2005, p. 5. O artigo de Renato Anelli, presente no volume, já foi publicado em Vitruvius. As partes deste número são os seguintes:
GUERRA, Abilio. "Arquitetura e Estado no Brasil / editorial". Arquitextos nº 64. São Paulo, Portal Vitruvius, set. 2005
sobre o autor
Abilio Guerra, arquiteto, professor de arquitetura da Universidade Mackenzie, editor do Portal Vitruvius e da Romano Guerra Editora