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architexts ISSN 1809-6298


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português
O artigo discute a obra de Artacho Jurado a partir ade uma leitura do Edifício Viadutos (1951). Reflexiona sobre o debate acerca do enquadramento e em que medida a obra do arquiteto esteve alinhada ao movimento moderno.

english
The article discusses the work of Artacho Jurado from a reading of the Viadutos Building (1951). It reflects on the debate about the framework and how far the architect's work was aligned with the modern movement.

español
El artículo discute la obra de Artacho Jurado a partir de una lectura del Edificio Viadutos (1951). Retoma el debate sobre el encuadramiento y en qué medida de la obra del arquitecto estuvo alineada al movimiento moderno.


how to quote

PERRONE, Rafael Antonio Cunha; MAGNI, Vagner Bordin. Três pontos determinam um plano, mas cinco pontos não determinam uma obra de arquitetura. Edifício Viadutos de Artacho Jurado. Arquitextos, São Paulo, ano 19, n. 225.03, Vitruvius, fev. 2019 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/19.225/7295>.

O Edifício Viadutos (1951) é um exemplar da obra de Artacho Jurado e sua construção junto a outros edifícios de apartamentos na área central da cidade de São Paulo, na década de 1950, pode auxiliar o debate e controvérsias acerca das características da introdução dessa tipologia no período e entender seus desdobramentos na produção imobiliária contemporânea.

Contexto

As obras de Artacho Jurado estabeleceram e ainda continuam a estabelecer polêmicas em relação à sua classificação como arquitetura moderna. Não há como resolver a questão, mas a análise de um de seus prédios pode auxiliar a ampliação deste debate. Como base para esta polêmica pode-se enunciar dentre tantas outras caracterizações da corrente moderna uma de suas caracterizações mais reconhecidas como o germinal livro de Henry-Russell Hitchocok e Philip C. Johnhson (1) que a fez entender como um estilo e muitas outras tantas como Leonardo Benevolo (2), Wiliam Curtis (3), Alan Colquhoun (4) incluindo o entendimento diverso de Anatole Kopp (5) o qual não a define como um estilo, mas como uma causa.

A arquitetura moderna em sua multiplicidade de interpretações se enunciou por meio de várias formas, dentre elas uma a qual ficou marcante, foi apresentada por Le Corbusier por meio da utilização seus cinco pontos da arquitetura conhecidos como:

  1. O uso dos pilotis: de maneira a liberar a construção do solo e tornando público ou coletivo sua utilização.
  2. Teto jardim: transformando as coberturas em terraços de uso comum, como áreas de lazer.
  3. Planta livre: Independência entre estruturas e vedações, permitem a liberdade de articulação e flexibilização dos ambientes.
  4. Fachada livre, também permitida pela separação entre estrutura e vedação, possibilitando a máxima abertura das paredes externas em vidro, em contraposição às maciças alvenarias que outrora recebiam todos os esforços estruturais dos edifícios;
  5. A janela em fita. Liderada pelas estruturas independentes as aberturas das janelas ocorrem de modo longilíneo, possibilitando iluminação mais uniforme e visual aberta ao exterior.

Edifícios como a Villa Savoye (1928-29) e o do MES (1936) projetado por Oscar Niemeyer, Lúcio Costa e equipe são exemplares de claro de reconhecimento como integrantes da arquitetura moderna.

Edifício Viadutos, arquiteto João Artacho Jurado, 1956. Vista da região a partir do 26º pavimento do edifício (terraço)
Foto Rafael Perrone/Vagner Bordin Magni

Os edifícios de apartamentos construídos no período compreendido entre as décadas de 1930 e 1960, em São Paulo, foram de crucial importância nos desígnios da cidade de São Paulo. Isso tanto do ponto de vista dos processos econômicos, da evolução do quadro demográfico, como também pela consolidação das bases de um determinado modelo de organização espacial assumido pela metrópole nas décadas seguintes (6). Fatores como a criação de leis no ramo da construção civil, (Leis de Condomínio – 1928 e de Inquilinato – 1942), a crescente industrialização do ramo da construção civil, a utilização de estruturas de concreto armado, o aumento populacional gerando uma demanda cada vez maior do número de habitações, a expansão urbana em escala inédita e a associação da construção material da cidade a uma noção de modernidade, com a consequente valorização dos edifícios de apartamentos (7), marcam esse período com um consequente aumento da verticalização, passando no período a ter um caráter mais residencial (8).

Nesse período, um grupo importante de arquitetos modernos começou a marcar a paisagem paulistana, como por exemplo: Oscar Niemeyer, Abelardo de Souza, Eduardo Kneese de Melo, Eduardo Corona, Carlos Lemos, Oswaldo Bratke, Plinio Crocce, Roberto Aflalo, Salvador Candia, Fábio Penteado, Hélio Duarte e outros que constituem essa amostra (9).

A 2º Guerra Mundial, (1939-45), provocou uma verdadeira diáspora de intelectuais, cientistas, arquitetos e artistas, pois a Europa pouco tinha a oferecer no momento senão um penoso trabalho de reconstrução e uma má situação econômica e política. O Brasil acolheu inúmeros imigrantes ilustres, incluindo arquitetos, que após a enorme repercussão da Brazil Builds durante o período da guerra foi decisiva para a opção que alguns desses imigrantes sem rumo tomaram (10).

Segundo Hugo Segawa (11), alguns deles realizaram grandes projetos de edifícios que se tornaram, com o tempo, verdadeiros símbolos do período. Dentre eles podemos citar: o arquiteto polonês Lucjan Korngold, (1897 – 1963), que projetou em 1946, a maior estrutura de concreto armado do país, o Edifício CBI – Esplanada, que terminou de ser construído em 1951 no Parque do Anhangabaú, os arquitetos poloneses Alfred Duntuch e Victor Reif, os arquitetos Italianos Giancarlo Palanti (um pioneiro no desenho de mobiliário industrial ao fundar em 1947, com Lina Bo Bardi, o Studio de Arte Palma, e esteve associado a Henrique Mindlin, dirigindo seu escritório de São Paulo na sociedade (12), e o casal Maria Bardelli e Ermano Sifredi, que foram responsáveis por projetos de diversas galerias no centro de São Paulo, além de edifícios residenciais (13), e Adolf Franz Heep que entre os anos de 1952 e 1962 projetou vinte e um edifícios de apartamentos, os quais atenderam desde as classes mais abastadas, como apartamentos no bairro de Higienópolis, como as mais humildes com os grandes edifícios de quitinetes do centro (14).

Nesse período de grande expansão do mercado imobiliário é que surgem as primeiras construções na cidade de São Paulo de Artacho Jurado, um personagem peculiar no cenário da arquitetura Paulista.

Artacho Jurado

João Artacho Jurado nasceu em 1907 na cidade de São Paulo. Seu pai Ramón seguia a ideologia anarquista, o que influenciou diretamente na educação de Artacho Jurado, uma vez que o mesmo foi tirado da escola quando seu pai soube que teria que jurar a bandeira, o que o levou a tornar-se autodidata (15).

Como não tinha diploma do ensino superior, contratava arquitetos formados como Aurélio Marazi e Guido Petrella, e os engenheiros Luís Diógenes Zeppelini, Aurélio Marazzi, Guinio Patella, João Birman, e Luís Trappe para assinar os projetos da construtora que fundou com o irmão Aurélio, a Monções – mas era seu nome que se destacava nas placas de obra (16).

No início da década de 1940, Artacho Jurado ao lado de seu irmão Aurélio abrem a sua primeira empresa no ramo da construção e do imobiliário, “A Construtora Anhanguera Ltda” (17), segundo Ruy Debs Franco (18), pela construtora Anhanguera, Artacho construiu sobrados, residências e uma vila de casas com o nome em homenagem a construtora, o Jardim Anhanguera. Após o sucesso das residências construídas pelos irmãos Artacho, eles criam a Construtora e Imobiliária Monções S/A, com o lema “Rota segura de bons negócios”.

Logotipo da Construtora e Imobiliária Monções S/A
Memorial descritivo do Edifício Louvre (1952) [Acervo do Edifício Louvre]

 

Entre 1947 e 1948 são lançados no mercado os Edifícios Duque de Caxias (rua Barão de Campinas, número 243), Pacaembu (avenida General Olímpio da Silveira, número 386), e General Jardim (avenida General Gurgel). Nestes empreendimentos foram introduzidos alguns elementos construtivos que em poucos anos se tornariam marcos da Construtora Monções, como os pergolados; as varandas na composição das fachadas e o uso de pastilhas coloridas nas superfícies externas (19).

Edifício Duque de Caxias, arquiteto João Artacho Jurado, 1947
Foto Rafael Perrone/Vagner Bordin Magni

Edifício General Jardim, arquiteto João Artacho Jurado, 1952. Vista atual a partir da cobertura
Foto Rafael Perrone/Vagner Bordin Magni

Tais elementos arquitetônicos são interpretados por muitos pesquisadores como advindos das vivências anteriores de Artacho como letrista e projetista de feiras e estandes nestas feiras desenvolveu vários tratamentos cenográficos muitos deles baseados em imagens produzidas nos cinemas. Além de que sua vocação mercadológica provavelmente o conduziu para recolher do imaginário da clientela de classe média paulistana os signos de identificação com o “american way of life” e suas manifestações hollywoodianas. Seus projetos apresentam várias semelhanças com os conceitos desenvolvidos pela arquitetura da Florida, especialmente evidentes nas obras de Morris Lapidus desenvolvidas, no início dos anos 1950, como os referenciais hotéis Fontaineblau (1953-54) e Eden Roc (1954-56).

Note-se que ainda buscando mais conexões com os projetos de Artacho e notando a pouca divulgação de suas obras em revistas no período pode-se ao menos afirmar que houve uma das busca de diretrizes “tropicais” por parte de Lapidus que esteve aqui no Brasil em 1947, para ter contato com Oscar Nimeyer assim citado por Segre:

“Com certeza foi mais positiva a interpretação do universo das curvas realizadas por Morris Lapidus (1902-2001) arquiteto nova-iorquino pertencente a sua mesma geração. Identificado com o Depression Style, declarou desde sua juventude sua aversão pela linha reta e seu entusiasmo pelas formas curvas. Em 1949, visita Niemeyer no Rio de Janeiro e se impressiona com os projetos de Pampulha. A partir dos anos 1950 especializa-se em projetos de hotéis e realiza em Miami o Sans Souci (1949) e o mais conhecido Fontainebleau (1954) em Miami Beach (1954)” (20).

Edifício Viadutos

O projeto do Edifício Viadutos insere-se numa sequência de lançamentos imobiliários realizados pela construtora Monções nos inícios dos anos 1950, todos desenhados sob a batuta de Artacho. As datas de projeto, aprovação de plantas e construção podem se diferir em alguns anos conforme a fonte ou a fase utilizada para a datação.

Na revista Acrópole n. 151 de novembro de 1950, temos a foto da maquete de um Edifício Viadutos, diferente do que nós hoje o conhecemos, estas são visíveis no térreo e principalmente no seu coroamento.

Edifício Viadutos, arquiteto João Artacho Jurado, 1956. Maquete do edifício [Revista Acrópole, nº 151]

O edifício Viadutos foi lançado em 1951 pela Construtora e Imobiliária Monções, regida por seu slogan “rota segura de bons negócios”, nessa época atuavam no mercado da construção civil paulista construtoras como a CNI, de Roxo Loureiro, que construiu os Edifícios Copan, o Eiffel, Montreal, Galeria Califórnia, e Triângulo, todos os projetos de Oscar Niemeyer; CMF, de Cipriano Marques Filho; Otto Meinberg, responsável pelas obras de Franz Heep entre 1954 e 1958; e a Alfredo Matias. Não obstante, o Edifício Viadutos constituiu um sucesso absoluto e suas unidades foram esgotadas em menos de uma semana (21).

O documento do alvará da construção do edifício é de 20 de novembro de 1952, portanto aprovado um ano após seu lançamento no mercado e dois anos após sua publicação na revista Acrópole.

O Edifício Viadutos está localizado um terreno de formato hexagonal irregular, localizado entre as ruas Japurá, Abolição e Jacareí e viaduto Jacareí. O edifício se erige nas divisas de todo limite do lote, gerando um volume pouco convencional, porém simétrico como projeção.

Edifício Viadutos, arquiteto João Artacho Jurado, 1956. Imagem de localização do edifício
Elaboração Vagner Bordin Magni sobre base do Google Earth

Segundo Franco (22), para auxiliar na renda do condomínio, Jurado projetou no Viadutos, um “mega-suporte para a instalação de anúncios publicitários”, explicitando assim seus “objetivos mercadológicos”. Além disto, também imaginava rendas obtidas pelas lojas localizadas junto às várias ruas do perímetro do edifício e a locação do amplo salão projetado na cobertura do prédio com vista panorâmica da cidade.

O Edifício Viadutos, conforme Ruy Debs Franco, tem aproximadamente 30.000m² (23) de área construída distribuídos em 27 andares sendo sua distribuição tipo. Porém a área de sua construção aprovada na Prefeitura é de 21.970m² e num cálculo realizado a partir dos quadros de área disponíveis o prédio possui cerca de 25.970m². A partir de qualquer dos dados, conforme se pode calcular para um terreno com cerca de 1.150 m² o coeficiente de aproveitamento é de mais de 20 vezes a área do terreno.

Edifício Viadutos, arquiteto João Artacho Jurado, 1956. Fachada esquemática
Elaboração Vagner Bordin Magni

A planta do Edifício Viadutos é simétrica, em todos os andares. No andar térreo possui quatro lojas e um Hall Social com entrada pela praça General Craveiro Lopes. As entradas de Serviço se localizam na rua Japurá, no lado oposto da entrada principal do edifício.

Edifício Viadutos, arquiteto João Artacho Jurado, 1956. Planta do pavimento térreo
Elaboração Vagner Bordin Magni a partir da planta localizada no acervo do edifício

Edifício Viadutos, arquiteto João Artacho Jurado, 1956. Hall social do edifício
Foto Rafael Perrone/Vagner Bordin Magni

O edifício consta com 368 apartamentos, distribuídos do 4º ao 25º pavimento. Cada andar possui dezesseis apartamentos de oito tipos diferentes, servidos por doze elevadores, com três poços de ventilação. Em entrevista concedida a Ruy Debs Franco em dezembro de 2003, o diretor de vendas e diretor-gerente da Construtora e Imobiliária Monções entre os anos 1951 e 1967, Irineu Simonetti descreve a maneira como Jurado resolveu a circulação vertical:

“Era colocado elevador social, ele punha dois elevadores sociais, porque tinha vinte e cinco andares. Dois elevadores sociais e um de serviço em cada prumada. Então pegava três elevadores por prumada de quatro apartamentos. Com isso, você tinha doze. Os elevadores sociais atendem ao hall social e o elevador de serviço ao hall de serviço, à forma clássica” (24).

Edifício Viadutos, arquiteto João Artacho Jurado, 1956. Perspectiva sem escala do pavimento tipo
Elaboração Vagner Bordin Magni a partir da planta localizada no acervo do edifício

A utilização de todo o terreno seguramente era para aproveitar o máximo da área construída utilizando provavelmente a lei dos pontos focais em eixos de avenidas. Estas operações resultaram num coeficiente de aproveitamento em torno de mais de 20 vezes a área do terreno. Dos 16 apartamentos no pavimento tipo, apenas 4 não tem áreas voltadas aos poços de ventilação, todos os 12 apartamentos restantes têm suas cozinhas e áreas de serviço voltadas a eles, liberando as fachadas para os dormitórios e salas. A consequência disso são 8 apartamentos diferentes por andar, todos com varanda, gerando plantas com vários de chanfros e recortes. Segundo Franco (25) a estrutura do edifício foi construída superdimensionada, para que o futuro morador pudesse comprar dois apartamentos e fazer uma fusão entre eles, auxiliados pelo departamento de arquitetura que vinha com uma sugestão de planta. O mesmo artifício era usado em outras obras de Artacho como, por exemplo, no Edifício Louvre e no Parque das Hortênsias. Esta possibilidade comercial, de certo modo, revela a independência estrutural em relação aos vedos, um dos cinco pontos preconizados por Le Corbusier.

Edifício Viadutos, arquiteto João Artacho Jurado, 1956. Perspectiva sem escala do pavimento tipo, indicando os apartamentos que não tem área voltada aos poços centrais
Elaboração Vagner Bordin Magni a partir da planta localizada no acervo do edifício

No Edifício Viadutos, nos 26º e 27º pavimentos, foram executados um grande salão na cobertura e um o terraço logo abaixo deste, elementos que refletem a preocupação de Artacho Jurado com o coroamento dos edifícios por meio de coberturas com terraços e jardins, porém como também ocorreu no Edifício Cinderela (1952), a vegetação foi removida em função da precariedade da impermeabilização feita na época. No terraço, destaca-se o núcleo de circulação vertical, assim como uma porta que dá acesso a uma escada solta e em espiral, que por sua vez dá acesso ao grande pavilhão que coroa o Edifício Viadutos. Neste pavilhão que hoje é um grande salão de festas, temos a visão da cidade, potencializada e recortada por uma série de recursos arquitetônicos como o caixilho que vai do piso ao teto, e a proeminente da inclinação do mesmo, artifício usado em outros projetos, como o Parque das Hortênsias (1951) e o Edifício Bretagne (1952).

Edifício Viadutos, arquiteto João Artacho Jurado, 1956. Terraço, 26º pavimento. Detalhe do desnível em função da retirada da vegetação
Foto Rafael Perrone/Vagner Bordin Magni

Edifício Viadutos, arquiteto João Artacho Jurado, 1956. Salão de Festas, 27º pavimento
Foto Rafael Perrone/Vagner Bordin Magni

Segundo Irineu João Simonetti, em depoimento a Ruy Debs Franco (26), o Edifício Viadutos foi lançado a preço de custo e vendido em uma semana, sendo sessenta apartamentos para moradores das cidades de São José do Rio Preto e Franca.

Considerações finais

O Edifício Viadutos foi tombado pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental do Estado de São Paulo – Conpresp no ano de 2002, como é possível observar na Resolução de número 22/2002, disponível para consulta online. Em 2014 teve sua estrutura restaurada, sobretudo a fachada do prédio que estava em péssimas condições – as pequenas cerâmicas característicos de seu visual estavam descolando e muitas já haviam caído, deixando, assim, diversos buracos sem revestimento. Além da fachada, fizeram parte da obra, também, a marquise e o salão de festas do prédio. A reforma custou cerca de R$ 600 mil que foram arcados pelos próprios moradores locais. Hoje o prédio se encontra em perfeitas condições de conservação, sendo uma referência visual na cidade, que por a sua solução de plantas, não possui “costas” ou empenas cegas.

O uso dos cinco pontos da arquitetura pode ser verificado, pois além dos pilotis no térreo (apenas revelado nos pilares periféricos) e do terraço jardim no coroamento, sabe-se que sua estrutura era independente o que permitiu à sua estratégia mercadológica realizar modificações nos apartamentos agrupando ou modificando as unidades. No caso das janelas em fita o edifício não as utilizou, mas serviu-se de varandas em fita, estratégia já revelada por Franco (27), para produzir nos apartamentos contíguos (como se observa com ênfase no Edifício Cinderela e Verdes Mares) a impressão de que o prédio continha unidades maiores e mais amplas.

A utilização de ornamentos e diversos revestimentos não era contida entre as diretivas de pureza do movimento moderno, mas visava atingir uma camada social que ansiava para conviver com os luxos de ambientes modernos, via arquitetura da Flórida ou ambientes cinematográficos.

O Edifício Viadutos possuía pilotis, estrutura independente, varandas em fita, terraço jardim, planta livre, tudo o que poderia integrá-lo ao agrupamento dos modernos. Ao considerar o que diferia na obra de Niemeyer da de Morris Lapidus arquiteto norte-americano, nascido na Rússia(1902-2001), Segre (28) nos revela um possível entendimento das diferenças entre o moderno e o modernoso trazendo à nossa São Paulo uma paráfrase, para o debate sobre a obra de Artacho a de Lapidus, sua mais próxima referência.

“Evidentemente existe uma significativa distância entre a pureza das formas na obra de Niemeyer sem as concessões estilísticas e contaminações decorativas de repertório da obra de Lapidus, condicionada pela necessidade de expressão de luxo, do hedonismo e das decorações dos palácios da nobreza francesa, requeridos pela precária cultura estética da classe média norte-americana” (29).

A respeito desse assunto o professor da Universidade de Arquitetura Mackenzie, o arquiteto Wilson Flório em depoimento ao documentário “Arquitetura proibida”, de Ruy Debs Franco faz a seguinte declaração a respeito das obras de Artacho Jurado:

“Todo edifício em si, ele é formado, é constituído por 3 partes: embasamento a torre e o coroamento, se nós olharmos isoladamente o embasamento dos edifícios de Artacho Jurado nós percebemos claramente o quão deslumbrante ele é..., o problema é quando olhamos juntos essas três partes, que as vezes cria uma dificuldade de aceitação do ponto de vista do Artacho Jurado, quer dizer quando a gente olha o térreo, a torre e o coroamento juntos, parece que eles não tem a mesma harmonia, a mesma delicadeza, da proposta moderna ou seja a coerência entre a parte o todo” (30).

No livro “Artacho Jurado – Arquitetura Proibida”, Ruy Debs Franco, Carlos Lemos afirma:

“Jurado pensava grande e, daí seus programas de edifícios grandiloquentes, não só nas proporções dos apartamentos, mas nas instalações comunitárias dos condomínios, como piscinas, playgrounds, salas de jogos, salões de festas, sala de música, solários nas coberturas e dependências várias para o lazer, sobretudo das crianças. No quadro da arquitetura paulistana foi um personagem à margem, o que não impediu, no entanto, seu inesperado êxito” (31).

As críticas que recebeu como a de Corona  – “Que Audácia” – publicada na revista Acrópole n. 232, revelaram a indisposição dos arquitetos modernos paulistanos contra a arquitetura com finalidade decorativa e mercadológica, praticada por Artacho, um profissional talentoso e de competente entendimento dos desejos dos clientes, segue trecho:

“Pois os estudantes das faculdades de arquitetura já sabem desde o primeiro ano que este exemplo é exatamente aquele que não deve ser imitado, porque é o avesso da arquitetura contemporânea, é o joio de nosso trigo. Contém tudo o que pode constituir aberrações: na forma, na cor, no tratamento, no equilíbrio, na proporção, errado de cima a baixo, é ridículo, várias vezes toparmos com elogio dessa natureza, pois seria o último dos exemplos de arquitetura a ser mencionado em qualquer parte do mundo” (31).

A produção de Artacho pode ser analisada em relação ao seu reconhecido posicionamento por meio de uma das máximas que marcaram a posição de Lapidus: “Too much is never enough”, livro autobiográfico que lançou em 1996 (33). Máxima totalmente oposta ao “Less is more” de Mies van der Rohe.

As aspirações de Artacho também se alinhariam ao livro que Lapidus lançou em 1967 como uma diretriz para os arquitetos “Architecture: a profession and a business” (34). Neste livro definia a profissão como uma atividade empresarial com recomendações para a configuração do escritório, sua administração, sua clientela e dos alvos e objetivos a serem trilhados.

Passadas as revisões das posturas modernas: pós-modernismo, high-tech, contextualismo, deconstrutivismo, regionalismo e as mais diversas manifestações contemporâneas, ainda restam muitos reflexionamentos sobre as posturas e proposições de arquitetura.

Passados 70 anos do lançamento do Viadutos sua vitalidade se mantém. Atualmente, rever este debate ao ler o edifício, poderá ser um poderoso recurso para se possa saber com quantos pontos se poderá fazer boa arquitetura.

notas

1
HITCHCOCK, Henry-Russell; JOHNSON, Philip C. The International Style. Architecture since 1922. Second edition. New York, W. W. Norton & Company, 1996.

2
BENEVOLO, Leonardo. História da Arquitetura Moderna. 4ª edição. São Paulo, Perspectiva, 1974.

3
CURTIS,William J.R. Arquitetura moderna desde 1900. 3ª edição. Porto Alegre, Bookman, 2008.

4
COLQUHOUN, Alan. La Arquitectura moderna. Una historia desapacionada. Barcelona, Gustavo Gilli, 2005.

5
KOPP, Anatole. Quand le moderne n'etait pas un style mais une cause. Paris, Ecóle Nationale Superieure de Beaux-Arts, 1988.

6
DA SILVA, Luís Octávio. A constituição das bases para a verticalização na cidade de São Paulo. Arquitextos, São Paulo, ano 07, n. 080.05, Vitruvius, jan. 2007 <http://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/07.080/280>.

7
ANITELLI, Felipe; TRAMONTANO, Marcelo. Edifícios de apartamentos, São Paulo, anos 1950: mercado imobiliário (e um pouco de) arquitetura. Pós – Revista do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da FAU USP, São Paulo, n. 31, 2012.

8
SOMEKH, Nadia. A cidade vertical e o urbanismo modernizador. 2ª edição. São Paulo, Editora Mackenzie/ Romano Guerra, 2014.

9
SAMPAIO, Ruth Amaral de (Org.). A promoção privada de habitação econômica e a arquitetura moderna, 1930-1964. 2ª edição. São Carlos, Rima, 2002.

10
SEGAWA, Hugo. Arquiteturas no Brasil 1900-1990. 3ª edição. São Paulo, Edusp, 2014.

11
Idem, ibidem.

12
Idem, ibidem.

13
LORES, Raul Juste. São Paulo nas alturas. A revolução modernista da arquitetura e do mercado imobiliário nos anos 1950 e 1960. São Paulo, Três Estrelas, 2017.

14
LUCCHINI JUNIOR, Edson. Adolf Franz Heep: edifícios residenciais. Um estudo da sua contribuição para a habitação coletiva vertical em São Paulo nos anos 50. Dissertação de Mestrado. São Paulo, FAU Mackenzie, 2010

15
FRANCO, Ruy Eduardo Debs. Artacho Jurado: arquitetura proibida. São Paulo, Editora Senac, 2008.

16
MELACHOS, Felipe Corres; SANTOS, Cecília Rodrigues dos. O Edifício Viadutos: um ícone da Arquitetura de João Artacho Jurado, 2013 <https://bit.ly/2JpXe7o>.

17
ESPIRITO SANTO, José Marcelo do. João Artacho Jurado: intrigante desafio dos meios tons. Arquitetura e Urbanismo, São Paulo, ano 5, n. 26, out./nov. 1989, p. 80-87.

18
FRANCO, Ruy Eduardo Debs. Op. cit.

19
MELACHOS, Felipe Corres; SANTOS, Cecília Rodrigues dos. Op. cit.

20
SEGRE, Roberto. Oscar Niemeyer: um joven centenário. Revista Arquitectura y Urbanismo, vol. 28, n. 2/2007 <http://rau.cujae.edu.cu/index.php/revistaau/article/view/271/247>.

21
FRANCO, Ruy Eduardo Debs. Op. cit.

22
Idem, ibidem.

23
Idem, ibidem.

24
Idem, ibidem, p. 184.

25.
Idem, ibidem.

26
Idem, ibidem.

27
Idem, ibidem.

28
SEGRE, Roberto. Op. cit.

29
Idem, ibidem.

30
FRANCO, Ruy Eduardo Debs. Arquitetura Proibida. Bloco 05 – rota segura de bons negócios. Youtube, 12 set. 2017 <https://www.youtube.com/watch?v=GVmIFjxm5LE>.

31
FRANCO, Ruy Eduardo Debs. Artacho Jurado: arquitetura proibida (op. cit.), p. 11.

32
CORONA, Eduardo. Que audácia. Boletim mensal do Instituto de Arquitetos do Brasil – Departamento de São Paulo, n. 48, fev. 1958. Revista Acrópole, São Paulo, n. 232, fev.1958 <http://www.acropole.fau.usp.br/edicao/232 consultado em 05/fev/2019>.

33.
LAPIDUS, Morris. Too much is never enough: the autobiography of Morris Lapidus, architect. New York, Rizzoli, 1996.

34
LAPIDUS, Morris. Architecture: a profession and a business. New York, Reinhold Publishing Corporation, 1967.

Sobre os autores Rafael Perrone é arquiteto e urbanista pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU USP, 1973); mestre, em Administração Pública, pela Fundação Getúlio Vargas (1984); doutor (1993) e livre docente (2008) pela FAU USP. É professor e pesquisador de pós-graduação da FAU USP e da FAU Mackenzie. Publicou, em 2018, o livro Os croquis e os processos de projeto de Arquitetura.

Vagner Bordin Magni é arquiteto formado pela FAU Mackenzie (1998). Mestrando de pós-graduação na mesma instituição com pesquisa sobre os edifícios projetados por Artacho Jurado.

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