Versace, Salvatore Ferragamo, Armani, Bulgari e Diesel ampliaram seus respectivos repertórios de produtos de luxo com um novo: o espaço de um hotel. Sua oferta de produtos de elite inclui agora hotéis de cinco estrelas situados em cidades como Milão, Dubai ou Miami ou zonas paradisíacas nas quais os ambientes de suítes, salões, zonas de relaxamento… estão desenhados para recriar os conceitos que definem especificamente o estilo de cada marca.
A ostentosa grandiloqüência da costura criada por Gianni Versace se traduz num interiorismo de opulentos tecidos e cores e na onipresença do logo da Medusa nas estâncias do Palazzo Versace: uma suavizada e funcionalista versão da extravagância com que o designer compôs suas próprias cenografias domésticas (espaços maneiristas hibridando a idealização dos palácios imperiais romanos com o esplendor renascentista italiano e o rococó), mas evocadora daquela pomposidade inequivocamente versacesca, expressão de um modo de vida baseado numa exaltação desinibida da vaidade e do hedonismo, da literalidade da idéia do luxo.
Similar espírito, ainda que numa versão dirigida a um público comprador de roupa urbana juvenil, se traduz no excelente kitsch vintage de cada uma das 28 suítes temáticas, decoradas pelo designer Magnus Ehrland, do Hotel Pelican em Miami, propriedade da marca Diesel. Nele, cada cômodo é um delirante horror vacui inspirado pelos filmes de Almodóvar, John Waters e Disney, amálgama eclética de móveis e objetos retrô que procuram criar para o ocupante a ‘experiência fora do convencional do universo Diesel’.
O resort em Bali de Bulgari apela a converter em luxo a experiência de desfrutar de um espaço amplo, delicado, que trata de se contextualizar na estética de um lugar exótico mediante uma arquitetura cuidadosamente concebida adaptando traços da arquitetura tradicional balinesa, fazendo com que nele os privilégios sejam a tranqüilidade, a perfeição da paisagem, o espaço privado.
Bulgari, uma prestigiosa marca de joalheria e complementos, provê seu cliente desse realmente “escasso, raro e cobiçado” em tempo de consumo desenfreado –como aponta Hans Magnus Enzerberger–. Como os seletos e discretos hotéis Lungarno, propriedade de Salvatore Ferragamo, cujo atrativo não reside em ser réplicas estéticas ambientais dos produtos da marca, mas em trasladar a qualidade de primeiro nível destes ao desfrute de ambientes altamente refinados. Talvez num sentido comparável ao de realizar cuidadosamente um traje sob medida.
O crescente impacto da moda sobre as estruturas culturais de nosso tempo – talvez culminada com a prepotente atitude com que Tom Ford impôs o valor comercial da marca sobre o talento criativo do estilista – modificou pela raiz as próprias dinâmicas internas desta indústria que não se nutre somente da venda de roupas, mas de uma diversidade de produtos (complementos, cosmética, perfumaria, ótica…) diversificados em gamas acessíveis a diferentes níveis aquisitivos.
Mas diante da democratização desta oferta que permite incrementar benefícios, a indústria da moda se fundamenta em criar uma aura irresistível de desejo entorno a eles: fazer com que cada produto marcado com seu nome seja percebido automática e inconscientemente como um signo de garantia de distinção, bom estilo, e transformá-lo assim num capricho, numa possessão cobiçada.
O espetáculo criado ao redor de roupas e formas de vestir intraduzíveis ao cotidiano assim como o poderoso perfil mediático dos designers são os eixos com os que o negócio da moda fundamenta a atração para seus produtos.
É a idéia de uma essência, de uma filosofia de estilo, aquilo que cada marca – atenta às dinâmicas contemporâneas – deve se assegurar em preservar e reforçar através de uma construção permanente de sua identidade.
Não é casual que a arquitetura tenha começado a ser na última década um dos territórios onde os designers de moda prolongam essa construção conceitual de seu estilo que mantém em voga seu nome, já que os próprios arquitetos-estrela assimilaram e emulam essas estratégias de sedução da moda através dos edifícios, conseguindo cobrir com um véu de desejo o objeto arquitetônico de marca como símbolo de status e vanguarda criativa equivalente ao de uma peça de alta costura.
Giorgio Armani é indubitavelmente consciente do valor comercial acrescentado que supõe vincular seu nome a um marco arquitetônico global: o futuro hotel com seu nome que se encontrará na torre Burj Dubai, sem dúvida se definirá pelo estilo sóbrio e elegante que ele mesmo personifica e que se antecipa no restaurante Armani/Nobu.
Conseqüência secundária da relação retroativa entre moda e arquitetura, se estabelecem estes hotéis e resorts que permitem consumir a imersão no cenário de um estilo, de alguns espaços que são vitrine e fetiche, mas que só vestem edifícios com suas glamurosas atmosferas de marca, sem aportar nada ao feito arquitetônico.
Incitam, no entanto, à reflexão sobre qual é o papel que pode desenvolver o arquiteto inspirado pela moda, uma tarefa que – como evidenciam alguns exemplos recentes de edifícios para marcas de luxo – pode transcender o ato de gerar cenários para a superficial complacência fashionista.
sobre os autores
Fredy Massad (arquiteto) y Alicia Guerrero Yeste (licenciada em História da Arte) fundaram o ¿btbW/Architecture, dedicando sua atividade para a análise crítica da arquitetura contemporânea. Colaboradores regulares dos periódicos espanhóis ABC e La Vanguardia, seus artigos aparecem também em diferentes mídias internacionais.