Recebendo um convite para inauguração da obra de restauro da Capela de Nossa Senhora das Mercês, em Pilar de Goyaz, resolvemos retornar ao “arraial” onde morou por alguns anos, Pedro Taques, autor da “Nobiliarquia Paulistana”.
De Brasília a Pilar um dos percursos cruza Pirenopolis e Jaraguá, ambas também com sua origem no século XVIII, quando os reflexos do ouro povoavam a mente bandeirante.
E, desde o século XIX é conhecido o adágio: “É vezo corrente apontarem-se as seguintes cousas notáveis de Goyaz – Torres de Luzia, Sinos de Pilar, Cadeia de Trahiras e Feitiço de Crixás.”
As Torres de Luzia já não existem mais na atual Luziânia, hoje entorno de Brasília demolida que foi em 1928, sua Igreja Matriz.
Da Cadeia de Trahiras, nas proximidades de Niquelandia, sobraram umas poucas ruínas e um magnífico desenho do botânico Willian John Burchell, datado de 1825.
Do Feitiço de Crixás, terrível briga entre dois feiticeiros, um de Crixás e outro de Pilar, nem é bom falar.
E assim, voltemos a Pilar e seus famosos sinos. Montados em elegante torre sineira, toda de aroeira, resistem aos séculos e a incúria dos homens.
Muita coisa foi destruída neste arraial que pouco a pouco vai se descaracterizando, apesar de protegido pelas leis do Patrimônio Histórico.
A lenda informa que na fundição destes sinos gastaram-se cem quilos de ouro. Por isto é um espanto ainda estarem em seu lugar. Mesmo que uma analise metalografica feita em 1988, em dois sinos de Pirenopolis, não tenha detectado nenhum percentual deste metal.
Mas, outras riquezas persistem em Pilar. Únicas. A Capela das Mercês, agora restaurada, a Matriz detentora de belíssima talha, a preciosa Casa de Câmara e Cadeia e três primorosas edificações residenciais.
Uma delas em enxaimel, técnica construtiva européia, comum no sul do Brasil, mas raríssima no centro-oeste, principalmente no século XVIII.
As outras duas, possuem belíssimas rotulas em todas as janelas que dão para a rua. Uma pertence ao Iphan e abriga pequeno Museu com curioso acervo. Entre as peças um jacá revestido de barro, utilizado para guarda de cereais. A taipa de sopapo aplicada em objeto de domestico uso.
A outra edificação, conhecida por casa de Dona Otilia, hoje pertence à Diocese. Perdeu o uso residencial, mas mantém suas treliças nas janelas e jabuticabeiras no quintal.
Hoje, o núcleo urbano não tem mais as características de um antigo arraial do ciclo do ouro e que haviam sido mantidas a relativamente pouco tempo. Este fato podem atestar as fotos da década de 60 do século passado, existentes na excelente tese do arquiteto Elvin Mackay Dubugras, aliás, descendente de Victor Dubugras.
Ao asfalto e ao progresso, sucumbiram o rústico calçamento de pedras e outros significativos edifícios.
Mas, o que restou vale a visita daqueles interessados na arquitetura e no modo de vida de nossos antepassados no sertão de Goyaz, século XVIII à dentro.
sobre o autor
Marco Antonio de Faria Galvão, natural de São Paulo/SP, formou-se em arquitetura pela Universidade de Brasília em 1972. Arquiteto aposentado do Iphan, atualmente exerce a função de Coordenador Técnico do “Programa Monumenta”, do Ministério da Cultura. Coordenou a elaboração dos “Dossiês” para Patrimônio Mundial de Goiás-GO e São Cristóvão-SE e dedica-se também a fotografia