John Louis Graz, Suíça, 1891 – São Paulo, 1980
Suíço radicado no Brasil desde 1920, traz para o cenário das artes brasileiras as influências renovadoras dos movimentos europeus do século XX; após sua formação artística na Escola de Belas Artes de Genebra, dos estudos de artes gráficas em Munique, viaja para a Espanha, onde pinta suas Toledos, de cores dramáticas e síntese construtiva, seguindo os passos e a influência do mestre Ferdinand Hodler; as obras, aí pintadas, são apresentadas no Teatro Municipal de São Paulo, na Semana de 22, onde atua ao lado de Anita Malfatti, Brecheret, Di Cavalcanti e Vicente do Rego Monteiro. É um dos fundadores da Sociedade Pró Arte Moderna (SPAM) e do Clube dos Artistas Modernos (CAM). Em 1925, inicia suas atividades como designer e arquiteto de interiores, dedicando-se por quase quarenta anos a este segmento profissional. Consagra-se como o “artista total”, capaz de unir arte, arquitetura e design numa única linguagem plástica.
John Graz faz do trabalho artístico uma atividade permanente: incorpora a iconografia brasileira, assume e difunde as influências modernistas; leva-nos a rever a fatura da criação artística em si e revela um novo universo brasilianista, popular e colorido, que com pouca retórica, organiza e apresenta; um reinventar contínuo do urbano e da natureza, intensamente sentido; seus desenhos, notação elaborada com simplicidade, relacionam-se não à criação, mas ao ato de criar: saltos diretos da mão, visam vencer o desafio de representar a atmosfera nova, vista / vivida, e a medida tropical dos seres e das coisas. E é esta relação poética e afetiva com a pátria escolhida, que transforma este mundo novo em fragmentos coloridos sensíveis, ora pássaros, ora peixes, ora plantas e desvenda-lhes o segredo de ser pássaro, peixe, planta...
A Curadoria apresenta desenhos, cadernos de viagem e esboços abordando diferentes visões do Brasil, ‘redescoberto’ pelo desenho contemporâneo de John Graz. São mais de 170 obras inéditas, realizadas entre 1920 e 1980, em técnicas variadas, com prioridade para o guache e o grafite sobre papel; temas selecionados: arquitetura e costumes brasileiros; viagens e paisagens; o homem e suas atividades regionais; temas históricos e o elemento indígena; a exuberância da flora e fauna; apresentados em pequena e média dimensão, incorporam a evolução e a experimentação de seis décadas de atuação artística; são obras em pequeno formato, estruturadas e pensadas para a monumentalidade da pintura e dos murais; a tela Sinfonia Brasileira, em grande dimensão, 230 x 100 cm, e seu respectivo e pequeno estudo, 23 x 10 cm, realizado 20 anos antes, fecham o ciclo expositivo e demonstram que o artista, ao retomar seus temas, exerce o conceito de modernidade atemporal, onde passado e presente são projetos para o futuro.
A Exposição proporciona ao público do MON – Museu Oscar Niemeyer, a diversidade de técnicas e temas relacionados à visão modernista de um país tropical, elaborada pelo ‘hóspede futurista’ da Semana de 22, assim introduzido pelo agitador-mor, Oswald de Andrade, à efervecência cultural do novo país: “tesouros de cor, de luz, (...) ao lado do intenso trabalho material da construção de cidades, desbravamento de terras...”
Suíço, racional e purista, incorpora a brasilidade à sua obra, fundindo diferenças inconciliáveis; criador habilidoso e produtor exaustivo, John Graz desenvolve inúmeros projetos de ambientações e design, paralelo às atividades de pintura e desenho artístico, durante os mais de 60 anos em que viveu e trabalhou entre nós. Seu lema: criar e recriar. Sempre!
[Sergio Pizoli]
“Toda cadeira parece ser a estilização de uma atitude para a vida” Gerrit Rietveld, 1930
Essa frase do criador da famosa cadeira “red-blue” de 1918, talvez sintetize o processo da ideia de que arte deveria ser usada e não apenas admirada. Esse conceito amadureceu na tangente do desenvolvimento das artes aplicadas, constante em um período que começou a ser requisitada a ideia de que qualquer objeto de uso cotidiano, mesmo um simples ferro de passar roupa, um rádio a válvulas ou até mesmo um automóvel, deveriam ter suas densidades artísticas esteticamente trabalhadas e valorizadas, mesmo que tivessem um caráter apenas decorativo.
Estávamos em um momento mágico, em que a aparente e histórica contradição entre o artesanato e a produção em massa parecia ter sido definitivamente superada, graças à retumbante vitória da Revolução Industrial. Foi um período em que o mundo começou a girar mais rápido, e a simplificação trazida pela modernidade e pela explosão urbana criava um conveniente contraponto à complexidade oceânica de novas informações e incertezas em relação ao futuro. E isso foi um fenômeno mundial. O modernismo teve os seus agentes que, de uma forma ou de outra, formaram a vanguarda da sociedade, e ajudaram a pincelar a consciência do “novo espírito” de Le Corbusier.
Segundo Maria Cecília Loschiavo dos Santos, falando sobre John Graz e os demais pioneiros da modernização do mobiliário moderno brasileiro, como Warchavchik e Segall, “a importância maior dessa fase residiu em seu caráter revolucionário, cuja principal consequência foi o despertar da inércia acadêmica” e que “na prática, o movimento moderno era isento de nacionalismo e apresentou caráter internacional”, declarou. O internacionalismo destes primeiros anos era necessário para estes herdeiros contemporâneos da Semana de 1922, pois o “olhar brasileiro”, na criação e na produção de mobiliário, ainda tinha que amadurecer para vestir-se de verde e amarelo, tarefa para Lina Bo Bardi e Sergio Rodrigues mais adiante.
John Graz nunca deixou a pintura, mas atuou em diversas frentes artísticas ou em parceria com outros artistas, como sua primeira esposa Regina Graz Gomide. Procurou, dentro do espírito moderno, integrar as diversas manifestações da arte em seus projetos, e ficou conhecido como “arquiteto de interiores”, “criador de móveis futuristas” e “introdutor do estilo art déco no Brasil”. Na verdade, John Graz é muito maior que qualquer uma dessas definições. Como vanguardista, muitas vezes se sentiu isolado, tal como Anita Malfatti, Brecheret e Mário de Andrade, e isso fica claro em depoimento de 1972 a Roberto M. Santini: “Em 22 éramos um pequeno grupo, cujas obras eram vendidas a uma pequena elite econômica e intelectual, comprando nossas obras e, ainda assim, a preços baixos. Hoje, todo o país vive um momento histórico, há venda, há galerias, há museus, há leilões, há até ajuda oficial”. Aliás, segundo cáustica visão de Mário da Silva Brito “era um diminuto grupo que se ampliou a ponto de tornar-se... um pequeno grupo. Esse pequeno grupo realizou, em São Paulo, a Semana de Arte Moderna de 1922”.
Os móveis selecionados para esta exposição pertencem ao período em que John Graz se dedicou a movelaria com mais entusiasmo, compreendendo o final dos anos 1920 até o final dos anos 1930. De forma autoral e com produção não seriada, a maioria das peças é única. John Graz foi também pioneiro no Brasil ao misturar materiais diversos em seus móveis, como o metal, por exemplo. Porém, ao contrário de Mies van der Rohe ou Marcel Breuer, que utilizaram o metal cromado de forma estrutural em suas cadeiras e poltronas, para John Graz era apenas um complemento. Ele soube encontrar seu lugar, dado o seu gosto extremamente refinado, situou-se menos próximo dos racionalistas e funcionalistas alemães, e mais próximo da sedução e do charme decorativo francês, porém, sem carregar nas doses ornamentistas de Emile-Jacques Ruhlmann, por exemplo, ou da generosa extravagância latina de Gio Ponti. Tal como Lovet-Lorski, Graz soube combinar magistralmente a precisão geométrica do cubismo e a força da elegante consciência clássica. Em plena era da máquina, não se deixou iludir por um futurismo mecânico, contrapondo, sim, o olhar contemplativo e helênico de Diana, ou a riqueza de cores de um Brasil povoado de seres em movimento, que são homens, mulheres, que são aves, cavalos, plantas, que respiram, que vivem sob o sol.
Sabe-se que John Graz fazia os croquis de suas criações e depois os refazia em escala natural. A maioria de seus móveis era encomendada ao Liceu de Artes e Ofícios, em São Paulo. Quando teve seu atelier na Rua das Palmeiras costumava acompanhar de perto a produção. O Liceu é famoso por ter abrigado profissionais do mais alto gabarito, principalmente, italianos. Tal como Johh Graz, o Liceu produzia um pouco de tudo em termos de artes aplicadas. Móveis sofisticados, vasos, espelhos, fechaduras, lustres, esculturas em bronze e outros materiais. Hoje são itens raros, tal como são poucas as casas que decorou que ainda estão de pé, vítimas do frenético e cego ritmo desenvolvimentista de uma São Paulo que outrora se orgulhava de ser “a cidade que mais cresce no mundo”.
Eu creio que essa rica exposição pode contribuir para a compreensão de um período fundamental, do lançamento do estilo moderno de mobiliário no Brasil, à compreensão ou a percepção dos momentos de ebulição no coração de alguns poucos e corajosos vanguardistas como John Graz, que não negaram uma firme e consciente atitude para a vida. Parabéns e obrigado, Sra. Annie Graz!
[Sergio Campos, curador do mobiliário]
sobre os autores
Sergio Pizoli é formado em Letras pela FFCL Unesp Assis, pós-graduado em Comunicações e Semiótica (PUC-SP) e em Política e Administração Cultural (PUC-SP/MINC).
Sergio Campos é sociólogo pela USP e proprietário da Artemobília Galeria em São Paulo.
sobre a exposição
Exposição John Graz
Museu Oscar Niemeyer
Sala Guignard
Rua Marechal Hermes 999, Centro Cívico
Curitiba PR Brasil
Acontece de 09/12/2010 a 03/04/2011
De terça a domingo, das 10h às 18h
fone: (41) 3350.4400