1. Europa
Tenho algum fascínio por igrejas.
Não me perguntem a razão, conscientemente não a deduzo. Talvez algo ligado com o confuso passado dos pais e sua negação a qualquer prática religiosa, com, de fato, perceptível desprezo ao tema.
Compreensível.
Mas a arquitetura religiosa me fascina, os milhares gastos em obras de certa ponderável, digamos, inutilidade. São como gravatas, muitos usam, assim como outros tantos vão a igrejas, templos, mesquitas, sinagogas, centro de umbanda. Todavia não há, excetuada talvez alguma questão da moda, verdadeira utilidade nas gravatas.
Haveria nas igrejas?
Curiosamente me encanto com as mais antigas. Com aquelas talvez fossem antes templos a outros deuses. Algumas até mesquitas eram. Porém as novas, e a criatividade dos arquitetos, também muito aprecio.
Penso tudo começou em 1974, quando perto de Essen na Alemanha, amigo de meu pai mostrou a nova igreja de Neviges, catedral de adoração, em vista da aparição em local próximo, da Santa Maria. O Mariendom, construído em 1968 sob a literal regência do arquiteto Gottfried Böhm. Fixou-se na imagem de grande tenda e moldou o pensado em concreto. Em maciço concreto (penso o arquiteto deixou-se influenciar mais pela imaginada proteção de um bunker que de leve tenda), o Domo Mariano de Neviges é uma lembrança inesquecível. Assusta.
A parte interna, se me recordo bem, sem bancos e com simples altares, um tanto escura, à época deixou-me confusa impressão. Mas jamais a esqueci, espero um dia voltar ao local.
Ainda pela Alemanha a catedral evangélica de Braunschweig, para onde me arrastava minha avó lá morava, templo com seu poderoso órgão e coral de jovens era envolvente. E mais adiante, a apoteose àquela época para o fedelho: a catedral de Colônia. O cume do gótico, escura, amedrontadora.
Conheci outras, grandes e pequenas, em viagem recente a maior de todas: a basílica de São Pedro em Roma. O superlativo reina, a tal “força” do Todo-Poderoso em blocos de granito, estátuas descomunais e trabalhos em pedra parecendo entes vivos, impressiona. Crente ou não nos temas, o trabalho desprendido para tal é mistério. Os valores gastos inimagináveis.
O Panteão em Roma, hoje igreja. A sofisticação de tantos anos atrás, coisa de imperadores a comandar escravos. Fascinante o que dever-se-ia gastar em dinheiro, tempo e vidas para erguer esse colossos a deuses distintos.
Na modesta (para termos romanos) San Pietro in Vincoli, onde se encontra a famosa estátua de Moisés, esculpida por Michelangelo em Roma, um confessionário de quase 500 anos. A igreja em si foi construída sobre um templo romano, por volta de 430 d.C., dizem que lá se guardam as correntes originais usada para aprisionar São Pedro em Jerusalém... Dizem.
2. São Paulo
A melhor localizada em toda cidade, pouco conhecida. A igreja de Nossa Senhora do Ó, na freguesia do mesmo nome. Divertido seu coral e agitadas missas aos domingos. Além do entorno ter ótimos botecos, cito o Frangó, melhor coxinha de frango da cidade.
Algo mais local, porém não menos fascinante para mim, a paulistaníssima igreja da Consolação. Visitem, seu interior é adorável.
Nossa catedral da Sé, um marco gótico e relativamente novo para São Paulo. Aos domingos pela manhã um dos pontos que permitem certa leveza espiritual nessa pesada cidade. Canto, missa e a própria arquitetura fascinam.
Igreja da Penha, bairro da Penha em São Paulo. Uma das mais encantadoras da cidade, antiquíssima. Tão próxima, tão pouco visitada. E sua história de singeleza formidável, ligado a um imigrante francês, daí Penha de França.
3. Ipiaú
Por esses dias viajei à distante cidade de Ipiaú na Bahia. Não resisti e fui conhecer com mais detalhes suas igrejas, esse marcante fetiche meu. Fui à matriz, São Roque. Modesta, bem cuidada. Recebido pelo padre, cujo nome me fugiu envergonhadamente, de forma quase efusiva insistiu eu tudo fotografasse.
Em outro dia conheci a igreja de São José Operário, no bairro Euclides Teixeira Neto, projetada pela filha de quem dá nome ao distrito, a arquiteta e mestra em urbanismo Denise Teixeira, também filha da cidade. Por razões de furtos, permanece fechada fora dos horários de missas. Porém a secretária da sacristia, adorável senhora, me permitiu o acesso para eu conhecer em detalhes o moderno projeto. Cujo Leitmotiv era a modéstia no uso dos materiais, a fazer algo sólido com os menores custos. Na linha modesta cristã, Jesus e burrico, ao invés dos colossos europeus com ouros e louros.
A singular cruz, em concreto. Solução completa porém modesta no escopo de gastos. Essa a idéia central em projetar a obra.
A singeleza do arranjo de altar na comunidade de São Roque em Ipiaú se adequa à modéstia da igreja. A arquiteta trabalhou intensamente com a composição da luz natural no interior da igreja. Com os mais resistentes porém econômicos materiais. Concreto, telhas simples e vidro transparente comum. O resultado é surpreendente.
O interior, na procura de iluminação natural onde mais necessária, o altar. Os custos posteriores de energia elétrica também foram parte da idéia da máxima redução de valores, em vista da modestíssima comunidade no entorno da igreja.
Pouco uso de madeira, muita pedra comum na região, telhas simples, vidro e concreto barato. A comunidade foi atendida em seu desejo por uma boa igreja. A anterior no local era um caramanchão aberto, com telhado de palha, perigoso até.
Executado com brilhantismo pela arquiteta.
sobre o autor
Thomas Bussius é engenheiro mecânico e autor de diversos livros com o pseudônimo Hermógenes de Castro & Mello.