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architectourism ISSN 1982-9930

Fazenda Boa Esperança, Paraibuna SP. Foto Victor Hugo Mori

abstracts

português
Os relatos, desenhos e coleções produzidos durante as explorações realizadas pelo naturalista britânico William John Burchell (1781–1863) resultaram num amplo e peculiar modo de estudo de paisagens.

english
The writings, drawings, and encyclopedic collecting of British naturalist William John Burchell (1781 – 1863) generated what may be called a panoramic approach to studying the landscapes he intimately explored.


how to quote

WOLFF DE CARVALHO, Maria Cristina. A visão da paisagem na obra de William John Burchell (1781–1863). Arquiteturismo, São Paulo, ano 07, n. 073.02, Vitruvius, mar. 2013 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/07.073/4700>.


Os relatos, desenhos e coleções produzidos durante as explorações realizadas pelo naturalista britânico William John Burchell (1781–1863) resultaram num amplo e peculiar modo de estudo de paisagens. Nele, cada um dos elementos de seus múltiplos interesses se tornaria parte de um todo indivisível.

Ilha da Madeira e Funchal, aquarela; (acima) n. 7 Uma vista da ilha da Madeira, 29 set 1805; (abaixo) n. 8 Uma vista da cidade de Funchal, em direção ao NO pelo O, a duas milhas. 29 set 1805
William John Burchell [Collection Museum Africa, Johannesburg]

Burchell começou a formular esse seu método ainda muito jovem, na Inglaterra e em viagens de férias no País de Gales, ocasiões nas quais ao lado da coleta de espécimes botânicos, desenhava. Maior amadurecimento seria obtido em suas longas expedições, quando veio a estabelecer um vínculo único entre as ciências e a arte. Essas expedições, ocorridas em longos períodos de 5 anos, se deram na ilha de Santa Helena, de 1805 a 1810; na África do Sul, de 1810 a 1815 - após o que retornou à Inglaterra e publicou seu Travels in the Interior of South Africa, e nos anos passados no Brasil, entre 1825 e 1830. As décadas subsequentes às explorações em terras brasileiras, de volta à Inglaterra e em esporádicas incursões à Europa continental, Burchell dispenderia organizando suas coleções e os resultados de suas pesquisas.

África do Sul, um nativo do grupo San tocando a Gorah, n. 402, 17 nov 1811
William John Burchell [Collection Museum Africa, Johannesburg]

A coleta, a seleção e a organização de seu herbário, de suas coleções da fauna e de artefatos etnográficos supunham a observação, imersão, o registro e a representação artística de ambientes naturais e paisagens culturais dos quais estes proviam. Ao intuir uma relação recíproca entre ciência e arte e ao intercalar observações por escrito com desenhos, Burchell criaria, além do mais, uma poética própria, na qual os ambientes são apresentados com o máximo de concisão. A demonstração mais cabal desse método está presente nas suas únicas memórias publicadas, as já citadas Travels in the Interior of Southern Africa, em dois volumes, respectivamente de 1822 e 1824.

África do Sul, vista da Cidade do Cabo, Baía da Mesa, e Tygerberg (Robbin Island), com anotações, 26 dez 1810
William John Burchell [Collection Museum Africa, Johannesburg]

O objetivo das expedições de Burchell era atravessar regiões desconhecidas e inexploradas, realizando um amplo e diversificado inventário ambiental e registrando tudo o que fosse peculiar a habitantes e modos de vida autóctones. Sua intenção pode-se dizer, era reconstruir natureza e cultura, criando descrições em desenhos, pinturas e escritos sobre paisagens que, conformes à sua própria visão e valores, seriam apresentados ao público e comunidade científica inglesa. J. M. Coetzee argumenta em The Picturesque, the Sublime, and the South African Landscape (1988) que o estranhamento de Burchell quando confrontado pelas paisagens sul-africanas teria desencadeado a tensão entre o realismo da representação da natureza e sua inexorável poética europeia. Porém, também é verdade que Burchell procurou uma inata harmonia em cada microcosmo meticulosamente estudado, a qual ele depois traduziria em arte.

A figura no primeiro plano e embaixo de um guarda-sol é Burchell, que se autorretratou desenhando (detalhe da imagem acima)
William John Burchell [Collection Museum Africa, Johannesburg]

Em novembro de 2011 tive a oportunidade de visitar o Museu África de Joanesburgo, detentor de uma vasta coleção de seus desenhos e dediquei alguns dias a olhar parte desse acervo, buscando entender como se desenvolveu seu método de trabalho. Pude, assim, estabelecer uma cronologia e constatar aquilo que já havia intuído: como membro da classe educada britânica, Burchell havia recebido um sólido aprendizado que, então, ia das artes aos ramos da “história natural”. Sua incursão na arte do desenho havia sido construída em pleno vigor da cultura do pitoresco que, como é sabido, via a paisagem pelo filtro de valores rigorosamente observados e princípios que não descuravam a geometria e a composição. Esses lhe foram apresentados por mestres como James Merigot (1760 – 1824), autor do The Amateur’s Portfolio (1815), e John Claude Nattes (1765–1822), autor do Nattes’s Practical Geometry (1805). Os primeiros trabalhos de Burchell, executados entre 1797 e 1804, já revelam o gosto por detalhes meticulosos, composição de planos dinâmicos, vistas abrangentes, tudo em consonância com a sensibilidade romântica reinante. Burchell também sem dúvida alguma visitou o muito estimado Panorama de Leicester Square, em Londres, e emularia o modo de representação ali veiculado em inúmeras paisagens. Não é por acaso que desenvolveu uma técnica para desenhar vistas em 360 graus utilizando o que descreve em seu Travels como um “cilindro imaginário”, com o emprego de uma “câmera lúcida”.

África do Sul, O Drostdy (residência e escritório do comandante) de Tulbagh, n. 311, 18 abr 1811
William John Burchell [Collection Museum Africa, Johannesburg]

As paisagens que estudei incluíam aquelas que Burchell realizou enquanto permaneceu na ilha de Santa Helena. São representações da dramática topografia insular feitas com uma delicadeza subjacente, complexidade emocional e acuidade visual que captam e localizam com precisão a função exata de cada elemento retratado, os quais explicam as coleções e notas científicas correlatas. Esses desenhos antecipam seus trabalhos posteriores, tais como as imagens das vastas e ressecadas montanhas e vales do Great Karoo, na África do Sul, ou a exuberante paisagem brasileira. No Brasil, seus registros e coleções foram produzidos inicialmente no Rio de Janeiro e em incursão à serra da Estrela até Paraíba do Sul; na exploração da costa sudeste entre Rio de Janeiro e Santos, e ao atravessar o país de São Paulo a Belém do Pará, passando pela árida savana do planalto central. As imagens e anotações de Burchell parecem ainda mais surpreendentes quando as associamos a seus escritos e coleções. São registros precisos da topografia, da flora e fauna; dos assentamentos e figuras humanas - suas vestes, adornos e ferramentas; das formas e materiais da arquitetura vernácula, revelando as maneiras peculiares com que a vida diária de uma dada comunidade se torna inextricavelmente ligada com o ambiente.

Brasil, vista de Santos, 8 out 1826
William John Burchell [Collection Museum Africa, Johannesburg]

Os diversos produtos de sua pesquisa científica e criação artística estão, hoje, dispersos por museus e instituições entre os quais se sobressaem os arquivos do Kew Gardens (com seu herbário, desenhos botânicos e escritos relacionados) e da Linnean Society de Londres ( da qual era sócio e que guarda parte de sua correspondência); o Museu da Universidade de Oxford e o Pitt Rivers Museum (suas coleções de espécies animais, pedras, artefatos humanos, desenhos, mapas e diários) ambos em Oxford; o já mencionado Museu África, em Joanesburgo, na África do Sul (desenhos e aquarelas de paisagens); e o Instituto Moreira Salles – IMS, no Rio de Janeiro (que possui 18 aquarelas a ele atribuídas). A partir do entendimento do seu método de trabalho, do mapeamento e inter-relacionamento de sua obra pretendo desencadear o processo de elaboração de seu catalogue raisonné artístico-científico. Etapas obrigatórias desse percurso serão a organização de exposições e simpósios internacionais e a publicação de livros introdutórios, para que a obra de Burchell passe a receber a atenção que merece.

Brasil, vista de Santos, 8 out 1826
William John Burchell [Collection Museum Africa, Johannesburg]

notas

NE
O presente texto é relatório de trabalho desenvolvido no ano acadêmico 2011-2012 no Center for Advanced Study in the Visual Arts – National Gallery of Art, Washington, DC - CASVA-NGA. Na condição de Senior Fellow, a autora realizou a pesquisa "The landscape art of William John Burchell (1781-1863)", que trata dos desenhos e aquarelas do naturalista britânico que explorou o Brasil entre 1825 e 1830. Versão para o português de Marina Rodrigues Amado e Maria Cristina Wolff de Carvalho. Publicação do texto original em inglês: CARVALHO, Maria Cristina Wolff de. The Landscape Art of William John Burchell (1781 – 1863). Report, Washington DC, n. 32, CASVA – NGA, 2012, p. 164-167. Disponível em: www.nga.gov/casva/pdf/center-32.pdf.

NA
No desenho 12 da galeria de imagens, observe-se os instrumentos de desenho, o prumo sendo usado, a chaminé do lado esquerdo e a torre da igreja no fundo, à direita. O local não seria a casa que Burchell habitou nos meses passados em Goiás? E o personagem que segura o prumo não seria o ajudante e fiel acompanhante de suas expedições no Brasil?

sobre a autora

Maria Cristina Wolff de Carvalho, Paul Mellon Senior Fellow, 2011-2012, retornará à sua posição como professora de história e teoria da arquitetura na Fundação Armando Álvares Penteado – FAAP, em São Paulo. Ela também retomará seu trabalho como pesquisadora sobre as paisagens arquitetônicas e culturais brasileiras do século XIX e início do XX, na empresa Marcos Carrilho Arquitetos.

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