Your browser is out-of-date.

In order to have a more interesting navigation, we suggest upgrading your browser, clicking in one of the following links.
All browsers are free and easy to install.

 
  • in vitruvius
    • in magazines
    • in journal
  • \/
  •  

research

magazines

architectourism ISSN 1982-9930

Vista panorâmica noturna de Paris. Foto Francesco Perrotta-Bosch

abstracts

português
Numa cadência que reproduz o caminhar de um devoto hindu, uma viajante narra suas impressões sobre a arquitetura e a escultura do templo Chenna-Kesava em Belur, sul da Índia.


how to quote

NEIVA, Simone. O espírito de Chenna-keshava. Arquiteturismo, São Paulo, ano 07, n. 075.01, Vitruvius, maio 2013 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/07.075/4732>.


A 220 km de Bangalore, a capital mais cosmopolita de toda a Índia, encontra-se a pequena cidade de Belur. Após atravessar uma paisagem repleta de coqueiros, rios e pequenas vilas chego ao meu destino: o templo Chenna-keshava ou “lindo Vishnu” – uma joia do patrimônio histórico e artístico indiano, construída no século XII. A construção marca a conversão do rei Vishnuvardhana ao hinduísmo e levou mais de cem anos para ser concluída. Ao seu redor o comércio é ativo, temperos e objetos são vendidos, crianças brincam, um “sadu” pede esmolas, mulheres exibem o colorido de seus “saris” e carregam água em jarros de cobre. Surpreendentemente, ainda hoje o templo é vivo e utilizado pela população para a realização de cultos e de casamentos.

Antes de pisar no solo sagrado é preciso tirar os sapatos. No ato, parte da poeira da viagem é deixada para trás e o respeito imposto pela história, pela arquitetura e pelos deuses se materializa. Abaixo, o chão coberto por placas de pedra está morno pelo calor do sol e acima de minha cabeça uma superestrutura piramidal de sete andares, a “rayagopura”, exibe uma miríade de esculturas que se estende em direção ao céu.

Ainda impactada pelo portal, avisto o templo Chenna-keshava. O edifício domina o centro da composição, rodeado por templos menores. À direita o Kappe Channigraya, dedicado a Krishina, e ao fundo, o pequeno templo dedicado a Lakshmi, deusa da fortuna. Antes mesmo de chegar ao templo sou abordada por grupos de crianças que exigem uma foto com a visitante. Afinal de contas,  estrangeiros ainda são raros no sul da Índia.

O templo não impressiona por sua escala. Chenna-keshava tem apenas 10 x 10 metros e encontra-se elevado por uma plataforma de um metro de altura, o “jagati”. Devotos caminham na  plataforma realizando a “pradakshina”, uma espécie ritual-passeio ao redor do templo em sentido anti-horário até atingirem a porta principal, a leste. Ao norte, a porta que “leva aos céus” está  fechada, enquanto a porta ao sul, do deus Vênus – senhor da fertilidade – é a mais procurada.

O caminhar, que para o devoto representa um ritual por natureza repetitivo, para o viajante é uma descoberta fascinante. Se por um lado o templo não impressiona por suas dimensões, por outro suas fachadas são cobertas por esculturas exuberantes. Completamente tomada por frisos, a base do templo exibe centenas de figuras esculpidas. Os frisos inferiores são cobertos por figuras de elefantes (força), leões (coragem), cavalos (velocidade) e os frisos superiores por painéis florais (beleza), figuras mitológicas e cenas de dois famosos épicos hindus: o Ramayana e o Mahabharata – textos sagrados monumentais, com mais de 74.000 versos e milhares de figuras mitológicas, aqui reproduzidas em pedra.

Em cada quina do templo pendem “madanikas” – esculturas de mulheres de bustos fartos, cintura fina e quadris avantajados. Elas ostentam joias em abundância e exibem uma grande variedade de penteados. Cada uma das “madanikas” são retratadas em situações diversas: ora dançam, ora tocam, ora alimentam pássaros ou fazem sexo, reproduzindo com delicadeza cenas cotidianas. E assim, caminhando, compreendo a afirmação de Otávio Paz sobre a escultura ser a chave para a compressão da arquitetura hindu (1).

Atravessando portas e vestíbulos chego ao coração do templo, a “mantapa”: um espaço que abriga cerimônias e danças religiosas. Na realidade, um grande cômodo em forma de cruz, subdividido em pequenas celas que recebem pouca luz natural. Feixes de luz penetram por pequenas perfurações em forma de estrela. O efeito cria um clima de mistério e de intimidade, produzindo sombras profundas nas paredes, no teto e nos pilares em pedra sabão completamente esculpida. A diversidade dos pilares que compõe a “mantapa” é inacreditável. Cada pilar é uma peça única.

O predomínio da iconografia escultórica destaca o templo Chenna-keshava como um rico exemplar da tradição construtiva de Karnata Dravida, vista somente no sul do país (2). Uma de suas peculiaridades reside no fato de arquitetos e artistas deixarem sua marca na forma de inscrições. À assinatura adicionam textos com detalhes sobre sua vida familiar ou seu lugar de origem. Curiosamente, na base inacabada de um dos pilares, um escultor lança um desafio em uma inscrição – “a quem possa adequadamente finalizar o trabalho”.

Ainda aturdida pela profusão e beleza das centenas de esculturas, mas tomada pela curiosidade, me aproximo da porta leste e do nicho principal. Aos poucos percebo que toda a arquitetura é planejada desde a plataforma para conduzir o devoto a penetrar por câmaras e corredores até que o ambiente torne-se mais e mais íntimo. No interior, sessenta imagens de divindades hindus antecedem o mais interno dos santuários, onde encontra-se “Lord Kesava”. Em cada mão o deus carrega atributos divinos: um disco (chakra), uma clava (gadha), uma lótus (padma) e uma concha (shanka). Ao fim do percurso, na esperança de espantar a má sorte, os devotos acendem pequenas lamparinas e oferecem suas preces ao deus, forjado em prata e recoberto por guirlanda de flores.

Se do lado de fora os efeitos de luz e sombra são magníficos e valorizam as esculturas, e na “mantapa” feixes de luz penetram no espaço, no altar-mor de Kesava não há praticamente iluminação. Aqui é proibido fotografar, pois, mais do que admirar a obra de arte, somos convidados a sentir, na pesada penumbra, a presença da divindade..ou apenas o espírito do lugar.

Um devoto adentra o templo pela porta leste, após a pradakshina
Foto Tom Boechat

notas

1
PAZ, Otávio. Vislumbres da Índia: um diálogo com a condição humana. São Paulo, Mandarim, 1996, p. 131.

2
HARDY, Adam. India Temple Architecture: form and transformation.New Delhi, Abhinan Publication, 1995.

sobre a autora

Simone Neiva é doutora em Projeto de Arquitetura pela FAUUSP, mestre em Arquitetura pela Universidade de Tóquio, pós-graduada em História da Arte e História da Arquitetura pela PUC/Rio  e graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Espírito Santo. Atuou como consultora da Unesco e como pesquisadora pela Fundação Japão de Tóquio. Possui pós-doutorado pela FAU Mackenzie e atua como docente e pesquisadora na Universidade Vila Velha, ES.

comments

075.01
abstracts
how to quote

languages

original: português

share

075

075.02

Pela França com Le Corbusier

Marina Ferreira Leite and Paula Ferreira Leite

075.03 visita de estudo

Residência Maria Luísa e Oscar Americano

Bruno Dias and Eunice Abascal

075.04 ministério do arquiteturismo

Ministério do Arquiteturismo adverte...

Roberio Dias

newspaper


© 2000–2024 Vitruvius
All rights reserved

The sources are always responsible for the accuracy of the information provided