Em 6 de abril de 2013, embarquei sozinha para a minha primeira viagem internacional. Mas não era uma simples viagem; eu passaria dois meses convivendo com pessoas que eu nunca tinha visto e em um lugar totalmente desconhecido. Sete horas de vôo e uma escala no Panamá fazia as minhas mãos tremer de tanta ansiedade; ficava pensando se haveria alguém no aeroporto esperando minha chegada ou não. Mesmo assim, deu tempo de prestar atenção no que eu via de cima, pela janela do avião, enquanto mantinha meus medos e aflições longe da percepção de todos.
Durante as primeiras horas de vôo, pude observar de cima o território brasileiro e a diversidade dos sítios que estavam na rota, partindo do nosso querido Rio de Janeiro, passando por Belo Horizonte, Goiânia e Brasília, Manaus e a imensa floresta amazônica. Ver estas cidades de um ângulo diferente foi um presente para mim, que sempre observo muito o uso que as pessoas fazem das cidades, mas quase nunca as vejo por sua totalidade. Porém, seria hipocrisia não falar da minha emoção ao passar quase 40 minutos observando o curso do Rio Amazonas e a imensidão da Floresta Amazônica. Foi incrível.
O objetivo da viagem era a realização de um intercâmbio social, no qual eu trabalhei voluntariamente. Durante todo o tempo em que estive envolvida com o voluntariado, fiquei hospedada em uma casa de família que me recebeu de braços abertos e que, com esta atitude, fizeram da minha experiência na cidade de Bogotá muito real e prazerosa.
A escolha de Bogotá veio naturalmente. Em uma primeira concepção, a escolha de um projeto sério e consolidado me parecia mais importante que o próprio destino. Logo, Bogotá apareceu sem muitas pretensões no meu roteiro principal, e foi me conquistando a cada dia por vários motivos.
(Santa Fé de) Bogotá, capital e a maior cidade da Colômbia. A quarta cidade mais populosa da América do Sul, superada apenas por São Paulo, Rio de Janeiro e Buenos Aires.
Eu olhava para esta afirmação e me perguntava: o que poderia fazer Bogotá diferente das outras? E foi em busca disso que eu mergulhei no cotidiano da cidade e, paralelamente ao meu objetivo inicial, tracei outras metas claramente ligadas ao arquiteturismo.
No primeiro dia de imersão, passei algumas horas em um parque relativamente pequeno, se comparado com os outros da capital colombiana, mas que oferece gratuitamente para toda a população espaços de estar/descanso, prática de esportes e diversão. Este parque, chamado Parque Ciudad Montes, não fica no centro da cidade e também não é o mais importante, mas estava lotado. As pessoas se revezavam nas quadras de tênis, basquete, vôlei e futebol; as crianças se divertiam nas pistas de patinação enquanto os pais os observavam de longe, aproveitando o Sol em um grande gramado. Foi naquele lugar que eu comecei a perceber o que Bogotá tem de particular. Era um domingo e muitas pessoas estavam nas ruas praticando esportes, conversando e passeando com seus animais de estimação. Não estavam em casa, em seus computadores ou então em shoppings centers.
Na Colômbia, em geral, existem muitos vendedores ambulantes, vendendo de tudo o que se possa imaginar: roupas, artigos religiosos, flores, muitos tipos de comida como sanduíches, obleas e arepas, e até mesmo minutos. Isso mesmo, “minutos”. Minutos de todo tipo: nacionais, internacionais, para fixos ou celulares... Eu comprava mais dos que vendiam frutas, aliás, sensacional foi perceber como os colombianos aproveitam a variedade de vegetais que têm.
Porém, os vendedores ambulantes podem ser causa de conflitos nos espaços livres públicos, pois muitas vezes atrapalham o fluxo de pedestres nos passeios, e até mesmo de automóveis, quando estão em vias com largura menor.
Ao que tudo indica, não há nenhum tipo de controle sobre os vendedores ambulantes, nem sobre qual lugar vendem suas mercadorias. Vendedores de roupas estendem blusas e casacos nas calçadas, as pessoas passam há poucos centímetros de distância, tentando desviar de tudo ao mesmo tempo.
No mesmo dia, descobri também o sistema de ciclovias de Bogotá, que abrange grande parte da cidade e facilita o deslocamento praticamente para todas as áreas. Aos finais de semana, além das pistas normais de ciclovia, algumas ruas locais também são fechadas para veículos motorizados, incentivando o uso de bicicletas e abrindo espaço para um pensamento mais consciente por parte da população. São mais de 80 quilômetros de ciclovias sinalizadas e que são utilizadas por boa parte da população bogotana.
Alguns dias mais tarde eu tive a oportunidade de conhecer outros parques de Bogotá, como o Parque Metropolitano Símon Bolivar, fundado em 1968, o maior da cidade e maior até mesmo que o Central Park de Nova York; é o mais famoso e visitado e oferece infraestrutura para o desenvolvimento de diversas atividades e o Parque do Centro de Servicios Culturales y Recreativos Santafe, lugar onde realizávamos a maior parte das atividades com as crianças durante o voluntariado.
Outro lugar que visitei diversas vezes e que me cativou profundamente foi o Parque La Independencia, parte do projeto de requalificação em torno dos edifícios residenciais Torres del Parque, feito pelo arquiteto Rogelio Salmona. Com topografia diferenciada e o uso que o arquiteto fez dela, o parque se desenvolve de maneira orgânica, criando espaços aconchegantes a cada patamar. Assim, aos poucos se vai descobrindo o conjunto residencial e sua arquitetura genial, que se integra com a Plaza de Toros e todo seu entorno de maneira significante e criativa.
Além dos quatros parques metropolitanos, Bogotá totaliza mais de 900 espaços livres públicos, como parques naturais, parques lineares, praças secas, parques temáticos, entre outros. O Eje Ambiental da Avenida Jiménez de Quesada, também projeto de Rogelio Salmona em parceria com Luis Kopec é um exemplo destes espaços.
O Eje Ambiental ou Paseo de La Jiménez compreende uma extensa área do centro histórico da cidade, que vai desde a estação chamada La Jiménez até ao bairro chamado Las Águas, última estação Transmilênio do percurso e ponto de partida para se chegar a Iglesia de Monserrate. O Paseo corta uma área recheada por muitos pontos turísticos e conta um pouco da história da cidade em seu trajeto. O espelho d’água, entre as Carreras 3 e 5, tem função de relembrar o antigo trajeto do Rio San Francisco que passava pelo local e hoje é canalizado.
Uma característica que confere identidade a esta área e não pode ser esquecida é a proximidade com o sistema de transporte articulado Transmilênio e a maneira com que os espaços privilegiam sempre o pedestre, apesar de ser uma área de trânsito livre para os bi-articulados. É uma área utilizada pela classe operária e campesina para fazer manifestos devido aos edifícios públicos presentes na área. Lugar onde todas as classes e diferenças se encontram, esta foi umas das áreas das quais eu mais senti falta quando regressei ao Brasil e a última que me despedi antes de voltar.
O Transmilênio faz parte das iniciativas promovidas pelo prefeito Enrique Peñalosa Londoño para o resgate de qualidade do espaço público de Bogotá nas últimas décadas do século passado, visando priorizar o transporte público. É uma espécie de metrô de superfície que permite acesso a todos os bairros do Distrito Capital.
Neste sistema de carros articulados, uma transcrição do modelo de organização viária de Curitiba, o acesso se dá através de cartões pré-pagos que podem ser comprados em cada estação. O serviço é ágil e permite fazer quantas combinações sejam necessárias para chegar até o destino final, sem pagar mais por isso.
Apesar de todas as vantagens, muitas pessoas ainda preferem utilizar as tradicionais “busetas”, que são ônibus menores, às vezes com estado de conservação comprometido. A justificativa para utilizar este serviço é a falta de familiaridade com o sistema de Transmilênio – complexo porque permite muitas combinações e numerações diferentes – e sua praticidade ao dispensar o transbordo, além de não parar em cada estação até chegar ao destino final.
Além disso, Bogotá tem um serviço de táxi muito eficiente e barato. Por isso, muitas pessoas preferem se locomover de táxi antes das 5h ou após as 23h. Para fazer trajetos maiores ou com grupos de pessoas também compensa utilizar táxis; geralmente o preço da corrida é menor que a soma das tarifas da buseta ou do Transmilênio. Estes preços costumam variar durante o dia. Em horário de pico as tarifas costumam ser de 1.700 pesos colombianos, enquanto em horário considerado normal as tarifas são 1.400 ou 1.500 pesos colombianos.
O trânsito funciona bem em Bogotá, apesar de não haver muitos mergulhões, viadutos e elevados como as nossas cidades, estratégias muitas vezes infelizes ou desnecessárias. Não existem muitos carros circulando se pensarmos nos quase 9 milhões de habitantes da capital e os motoristas respeitam enormemente os pedestres e os ciclistas.
Os sistemas disponíveis para a locomoção em Bogotá são basicamente estes: Transmilênio, busetas, táxis e ciclovias. Mas o bogotano sabe aproveitar muito bem os espaços destinados exclusivamente aos pedestres, nem que seja em apenas algumas horas do dia, como acontece na Carrera 7, um espaço que mostra a realidade de uma país que já foi dominado pela violência mas que agora se levanta para mostrar toda sua cultura e alegria. No dia 9 de abril de 2013 foi realizada a segunda Marcha pela Paz e o principal palco desta manifestação foi a Carrera 7.
Esta via é importante não só por sua grande extensão, nem por cortar os principais bairros da cidade como La Candelaria e Chapinero ou porque importantes edifícios comerciais e históricos de Bogotá voltam suas fachadas para ela, mas também por sua via, entre las Calles 11 e 24, ser liberada somente para pedestres e ciclistas no período das 8h às 18h. No dia-a-dia, nestes horários, foi possível perceber a efervescência colombiana com diversos protestos, manifestações artísticas, música – o verdadeiro cotidiano da cidade. É encantador para quem gosta de conhecer não só os pontos turísticos, mas também a realidade de cada lugar.
Durante os horários peatonais é possível ver muitas pessoas praticando artes circenses ou jogando xadrez e outros jogos. Há também muitos ambulantes nesta área, vendendo frutas e o tradicional salpicón, souvenirs e utilidades em geral. Mas há também quem venda sua arte, fazendo caricaturas, contando histórias, fazendo música, teatro, contando piadas e até vendendo sorrisos. Para ter uma visão mais completa sobre sua extensão, é preciso visitar o Cerro Monserrate ou o Mirador da Torre Colpatria, de onde é possível ver como a via se comporta em relação à cidade.
Durante todos os dias que estive em Bogotá fiz questão de passar pelo Eje Ambiental e pela Carrera 7. Não é porque eu não tinha outros trajetos possíveis, era porque eu gostava de estar nesses lugares.
Outros lugares que me cativaram foram as bibliotecas. Bogotá oferece uma rede de bibliotecas públicas, centros culturais e de pesquisa muito bem equipados. Com meus colegas de trabalho, eu ia sempre à Biblioteca Luís Ángel Arango, a mais visitada da cidade; durante o intercâmbio também tive a oportunidade de conhecer o Archivo General de La Nación, a Biblioteca Virgilio Barco e o Centro Cultural Gabriel García Marquez, todos os projetos de Rogelio Salmona. Este último foi a primeira obra de Salmona que visitei. A cada ângulo, uma surpresa; a cada perspectiva, um novo elemento.
A Biblioteca Virgilio Barco, localizada mais longe do centro da cidade, próxima ao Parque Simon Bolívar, foi uma das suas obras que mais me emocionaram. Na simplicidade do revestimento e no movimento dessa arquitetura, aí está o segredo. Sempre algo a descobrir, a explorar. Tudo muda conforme o ambiente. Você pode se arriscar, conviver e participar da arquitetura.
Além destes lugares, durante o intercâmbio freqüentei, junto com meus colegas de trabalho, os Campus das Universidad Nacional, Universidad Javeriana e Universidad Central, respectivamente em ordem decrescente em relação ao tamanho físico. Estes três Campi apresentam muitas diferenças entre si, principalmente pelo tamanho e dinamicidade, além da localização. Nestes locais desenvolvemos diversas atividades.
Visitamos também alguns museus e galerias de arte, e como a oferta era grande, posso dizer que conheci muitos museus. Em Bogotá, existem aproximadamente 60 museus, galerias e igrejas-museu, além das praças e ruas antigas, que constituem por si só museus a céu aberto. Um lugar que exemplifica muito bem este termo é o conjunto de praças, largos e bares, todos ligados pela via Carrera 1ª, a mais antiga da cidade e remete à sua fundação. Este lugar se chama Plazoleta del Chorro de Quevedo e quem vai a Bogotá, tem que conhecê-la.
O Chorro de Quevedo funciona como um ponto de encontro de estudantes, moradores e turistas do local. Na Calle del Embudo, a principal dos arredores, o chão é de pedra e encontramos as construções mais antigas de Bogotá. No Chorro de Quevedo também encontramos a primeira igreja da capital, a Capilla de La Candelaria.
Não menos importantes são os pequenos municípios que cercam Bogotá, como Chía, Sopó, Boyacá e Zipaquirá. Estes merecem ser visitados por sua originalidade e variedade de atrações. Chía com suas ruas antigas, Sopó com sua fábrica de doces e queijos, Boyacá com a famosa Laguna de Guatavita, que remete aos índios muiscas e seus cultos aos deuses, e Zipaquirá, município famoso por uma construção que poderá não existir mais daqui a 350 anos.
A Catedral de Sal, construção localizada no município de Zipaquirá, é considerada a 1ª Maravilha da Colômbia. Trata-se de um santuário construído no interior de uma das antigas minas de sal do país. A Catedral é projeto do arquiteto Roswell Garavito Pearl, que, com sabedoria, utilizou os artifícios da iluminação para dar significado ao que foi esculpido no sal.
Esta Catedral foi a segunda deste gênero construída na Colômbia. A primeira, localizada na mesma mina, teve de ser fechada após ser considerada insegura. É um atrativo interessante para arquitetos, estudantes de arquitetura e temas relacionados.
A Colômbia é um lugar que guarda muita tradição e cultura e, além disso, tem muita arquitetura e urbanismo para se ver, para estudar, para entender.
Uma coisa que me deixou muito feliz é ver que a população tem acesso às áreas de lazer e estar de qualidade, e o mais importante de tudo, ela dá valor a isso. Boas arquiteturas são pensadas para a população, assim como o projeto urbano e paisagístico, e as pessoas vivem a arquitetura, usam as áreas públicas como se fossem suas próprias casas, apropriam-se do espaço, chamam-no de seu. O bogotano é um exemplo quanto a isso. Em minha opinião, ainda temos muito que aprender. Claro, aprender a projetar bons espaços. Mas também aprender a utilizá-los de maneira a apropriar-nos deles como uma extensão da nossa casa.
nota
NA
Este texto, baseado nas minhas impressões de viagem à Colômbia, foi uma tarefa proposta pelo Professor Antônio Agenor Barbosa (AUR - UFJF), com quem trabalho na equipe editorial de O THAU DO BLOG (http://www.othaudoblog.blogspot.com.br), para que este relato fosse enviado à Revista Arquiteturismo do Portal Vitruvius.
sobre a autora
Jéssica de Fátima Rossone Alves é aluna do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF-MG), atualmente faz parte da Equipe Editorial de O THAU DO BLOG e do Laboratório de Patrimônios Culturais (LAPA) do Instituto de Ciências Humanas da mesma instituição. Membro da Equipe de Intercâmbios Sociais da AIESEC em Juiz de Fora, realizou um intercâmbio voluntário durante os meses de abril e maio de 2013 em uma ONG chamada Reingenieria de Corazones para Un Nuevo Amañecer (REDCUNA), que atua na integração social de crianças e adolescentes em situação vulnerável por meio da cultura.