Eu não o via desde 26 de dezembro de 2009, quando estive em seu sítio, um paraíso encravado na Ilha de Guaratiba adquirido há mais de 30 anos, para uma espécie de festa de final de ano, que ele é festeiro demais!
Luiz Carlos Toledo, simplesmente Toledo para a grande maioria das pessoas, eu conheci em 1987, quando ingressei na faculdade de Direito e comecei a namorar sua filha mais velha, Andrea. O Toledo foi, tenho essa forte impressão hoje, o primeiro arquiteto que conheci. Ele passou a ser, para mim, naquele momento, o pai da minha namorada e o primeiro arquiteto que conheci.
Dominador absoluto do espaço, um craque que faz da vida uma prancheta na qual desenha os sonhos que sonha em voz alta (Toledo é também um exímio contador de histórias, herança direta do pai, Aldary Toledo, pintor, desenhista, arquiteto e a quem também tive o prazer e a honra de conhecer), o Toledo passou, com o passar dos anos, a ser e a representar, na minha vida, muitas outras coisas. Não à toa costumo dizer que, ao lado de Aldir Blanc, figura no panteão dos meus orixás vivos.
O namoro com sua filha terminou em 1990, eu me casei em 1994, separei-me em 1999, casei-me de novo no mesmo ano, fiquei viúvo em 2011 e casei-me há pouco, no final de 2012, pela terceira vez. Durante a travessia desses mais de 26 anos, e enfrentando toda a sorte de intempéries que o tempo inevitavelmente vai nos apresentando enquanto passa, minha relação com o Toledo só fortaleceu, ganhou fundamentos e hoje está assentada num emaranhado de histórias que nenhum de nós dois sabe, a bem da verdade, se de fato aconteceram – até porque muitas delas foram como mágicas, como mentiras transformadas em verdades inabaláveis, como projetos de um arquiteto bem sucedido.
Vivi muitas histórias com ele e sempre embevecido ouvi outras tantas que tinham como personagens seu avô Quirino, seu pai – o velho Aldary –, Portinari, Drummond, Sérgio Sampaio, Elis Regina, Eloir de Moraes, Mário Ferrer, Celso Brando, e mais uma coleção de malucos e de malucas, muitos dos quais eu conheci – mais uma das sortes que a vida me deu.
O Toledo – e eu desconfio que nem ele mesmo ao certo saiba disso – foi ganhando, com o passar dos anos, uma função importantíssima na minha vida. Foi meu confessor, por vezes meu confidente, meu conselheiro, um pouco meu ídolo, dono de uma vida fascinante, e eu estava (estávamos, a saudade era confessadamente recíproca) disposto a revê-lo já há algum tempo.
Foi por isso que, no segundo domingo de junho, dia 08, despenquei-me com a minha Morena da Tijuca para seu sítio, o Sítio Alecrim, que ele e a Luciana, sua companheira há mais de duas décadas, mantém como refúgio “onde o Toledo, hoje, gosta de receber os amigos”.
Chegamos cedo, como convém a um tijucano de escol. “Eu não imaginei que o seu cedo fosse tão cedo!”, nos disse o Toledo, vindo em nossa direção, e foi bom demais revê-lo, abraçá-lo, estar de novo diante dele.
Sentamo-nos, os quatro – eu, Morena, Toledo e Luciana –, sob frondosa árvore e sobre a mesa água com capim limão e uísque. “Já são onze horas? Já podemos beber”, ele me disse logo depois de apontar para uma escultura impressionante, em madeira, de São Jorge, ao lado da mesa e entre duas árvores igualmente frondosas, de troncos retorcidos, um cenário inusitado. E disse, o Toledo: “É Ogum, que nos guarda”.
Foram chegando os amigos. Abilio Guerra e Silvana, Emiliana, Adriana Filgueiras (filha do também legendário arquiteto Lelé, a quem também conheci pelas mãos do Toledo) e Celso Brando, meu vizinho na Tijuca!
Abilio, que me deu a honra de escrever sobre esse inesquecível domingo, estava ali para conhecer o sítio Alecrim, que a bem da verdade é tão cheio de lendas e de histórias como Luiz Carlos Toledo, a quem conhecera em 2009 durante o Foro Internacional de Arquitetura de Quito, no Equador. Foi durante essa viagem que Abilio começou a conhecer, de verdade, o bom e velho Toledo, que fez "a platéia rir e chorar com sua apresentação sobre a reurbanização da favela da Rocinha no Rio de Janeiro" (1).
Ali, em torno daquela mesa, também rimos e choramos, ouvimos muitas histórias, bebemos e comemos muitíssimo bem e partimos todos quando o sol ameaçava descer para fechar o domingo.
Antes, porém, num gesto de generosidade, Toledo levou a todos para o interior da casa – belíssima, como o sítio, ela (a casa) e ele (o sítio) materializados graças à inventividade e à genialidade dele – e ofereceu, a cada um de nós, um desenho de seu pai, Aldary, dentre muitas incríveis mulheres de características e inconfundíveis traços.
Um domingo mágico, quase ficcional – como o personagem que o Toledo é.
nota
1
GUERRA, Abilio. Los diez de Quito. Arquiteturismo, São Paulo, n. 03.025.04, Vitruvius, mar. 2009 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/03.025/1503>.
sobre o autor
Eduardo Goldenberg é advogado e flamenguista.